Violência contra jornalistas cresce e Paraná ocupa lugar preocupante

(Brasília - DF, 15/01/2020) Conversa com imprensa após Audiência.rFoto: Marcos Corrêa/PR
O número de agressões e outros tipos de violência contra jornalistas e profissionais da comunicação bateu recorde em 2021
Ana Victoria Hilú Leitner
A violência contra os profissionais da imprensa, em especial jornalistas, cresceu nos últimos anos no Brasil e o Paraná ocupa uma posição bastante alarmante na relação de estados com mais ocorrências. O Distrito Federal é a unidade federativa com mais ocorrências de ataques, sendo recordista de casos. Mas entre os estados do sul, o Paraná foi o que mais registrou ataques e agressões de todos os tipos e no ranking quantitativo, é o quarto estado do país com o maior número de ocorrências. Ainda por cima, já ocupa há cinco anos as primeiras posições da classificação. Entre os anos de 2017 e 2021 foram 62 casos de violência reportados e o ano de 2021 foi extremamente movimentado no que diz respeito a isso. Em março, uma bomba foi deixada em frente à RPC em Maringá; em maio, jornalistas da Massa foram atacados em Londrina; em setembro, um repórter da TV Tarobá foi agredido verbalmente. Estes são apenas alguns exemplos de ataques do ano passado. E no mês de abril já houve um caso com bastante repercussão de agressão a jornalistas.
Em 8 de abril, no dia após a comemoração do Dia do Jornalista, Simone Giacometti (CBN) e Raphael Augustus (RICTV) foram ameaçados por um advogado durante a cobertura de um protesto em Curitiba, em frente ao Centro Comercial Cândido de Abreu. A jornalista teve seu celular, aparelho de gravação, confiscado e foi ameaçada de agressão ao abordar o advogado Gelson Arendt para confirmar que ele era representante do condomínio que havia multado uma odontopediatria por queixas de barulho, motivo do protesto. Logo depois, Arendt deu um soco na câmera de Augustus, danificando-a. O advogado foi contido pelo segurança do Centro Comercial e apenas posteriormente devolveu o celular à Simone Giacometti.
Violência espalhada pelo Brasil
Em 2021, o número de agressões também bateu recorde no país: foram 430 casos singulares reportados pelo Brasil, dois a mais do que no ano anterior, que já havia sido considerado um ano sombrio para a liberdade de imprensa. No ano passado, a categoria da censura ultrapassou a da descredibilização da imprensa, se tornando a ocorrência mais recorrente no país. Entre as agressões configuram-se ameaças, ataques virtuais, impedimento de exercer profissão, agressões verbais e físicas, assédio moral, entre outros. A lista é longa. Os principais agressores são políticos, em primeiro lugar, o atual presidente da República, Jair Bolsonaro, e os mais atacados são os profissionais das emissoras de televisão, em especial a EBC (Empresa Brasil de Comunicação). Estes são dados do Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, divulgados pela Federação Nacional dos Jornalistas, a Fenaj.
Clique aqui para acessar o relatório completo da Fenaj.
Segundo estudos da ONG Repórteres sem Fronteiras, o Brasil está na 111° posição no ranking geral no que diz respeito a avaliação do ambiente de trabalho para profissionais da imprensa e de veículos de comunicação. Desta forma, a liberdade de imprensa se encontra em uma “situação difícil”, precária e deficiente no país, segunda pior classificação possível, de acordo com o relatório.
Além da lista de agressões, presente no relatório da Fenaj, previamente citada, o diretor e presidente do Sindicato dos Jornalistas do Paraná, Célio Martins, acrescenta que “as fake news e a desinformação também são uma forma de atacar o trabalho jornalístico e denegrir a profissão, prejudicando a sociedade, a liberdade de imprensa e pondo em risco a democracia”.
A Abraji (Associação Brasileiras de Jornalismo Investigativo) também publicou no começo deste ano um relatório sobre a violência de gênero contra jornalistas, que tematiza, entre outros pontos, o quanto as redes sociais e plataformas midiáticas impulsionam as agressões, mostrando que 68% das ocorrências de ataques se iniciam por meio digital.
Medidas tentam combater a vulnerabilidade mediante a ataques
O Sindicato dos Jornalistas do Paraná (Sindijor-PR) tem um protocolo de atuação, instituído em 2018 e atualizado no ano de 2021, para casos como o apresentado previamente, onde providencia apoio, orientação e amparo psicológico aos profissionais que sofrem este tipo de violência. “A gente estabeleceu em 2018 aqui no Paraná um protocolo para que se tenha um fluxo de atendimento, para que todo mundo dentro do sindicato saiba o que fazer quando aparece um caso de violência contra jornalista”, diz diretora de defesa corporativa do sindicato, Aline Rios. E posteriormente, a Fenaj estabeleceu um protocolo parecido em âmbito nacional.
Ela explica como funciona o protocolo de atuação no sindicato: “Quando temos ciência de um caso de violência contra jornalista, a gente estabelece contato, faz acolhimento, escuta, coleta todas as informações possíveis sobre o caso e presta as primeiras orientações, […] Passado o trabalho de acolhimento, voltado para a vítima, a gente tem o segundo passo, que é contar para a sociedade o que a gente tem enfrentado, uma denúncia pública. São notas de repúdio ou até mesmo reportagens.”
Mas isto não soluciona o problema, apenas tenta suavizar seus impactos. Aline Rios acredita que é necessário, entre outras medidas, reforçar a convenção nr. 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, que trata sobre a violência e o assédio no trabalho, porque está não está sendo aplicada efetivamente no país.
“A convenção de 190 se encontra vigente há quase um ano e poucos países a ratificaram. Ela é muito importante para nós do jornalismo, porque ela diz que a violência relacionada ao trabalhador não é só a violência que ocorre no ambiente físico de trabalho. E sim, em todos os ambientes que envolvem o exercício daquela atividade profissional”, ressalta a diretora.
O Sindijor buscou na terça-feira passada (26) apoio do Tribunal Regional Eleitoral para enfrentamento à violência contra jornalistas. Os representantes tiveram uma reunião com o presidente do TRE, desembargador Coimbra de Moura. O diretor-presidente do sindicato , Célio Martins, entregou ao desembargador um relatório do panorama de violência enfrentada pelos profissionais dos veículos de comunicação no Paraná.

Presidente do TRE-PR, desembargador Coimbra de Moura e o presidente do Sindijor, Célio Martins, seguram o relatório. Foto via redes sociais do Sindijor
O Sindijor pode, mês passado, discursar na Assembleia Legislativa do Paranã (Alep). A diretora de defesa corporativa, Aline Rios, representou o sindicato nesta ocasião e afirmou que “o espaço na Assembleia foi de grande importância para dar visibilidade a esta causa” e que conseguiram fazer com que a informação chegasse a mais pessoas. Ainda acrescentou que o “diálogo com os legisladores é muito importante, pois eles têm o poder de pautar as questões e propor medidas que contemplem esta questão.”
A deputada estadual pelo PT Luciana Rafagnin, por exemplo, protocolou no começo de abril deste ano um projeto de lei que quer instituir uma Semana da Conscientização sobre a importância da liberdade de imprensa para a democracia no calendário oficial do Paraná, na primeira semana do abril, coincidindo com o dia do jornalista (7).
O sindicato também postou em suas redes sociais uma lista com recomendações para o enfrentamento da violência contra jornalistas que contempla, entre muitas outras medidas, a criação de canais seguros de denúncia, definição de mais eficazes para detectar e penalizar infratores e agressores e alterações legislativas.
Reverberações na sociedade
Todos os relatórios e estudos acerca do tema, assim como Aline Rios e Célio Martins, apontam para desdobramentos muito negativos em diversas esferas como consequências de ocorrências de ataques e agressões.
“Se o jornalista não trabalha com dignidade, segurança e o mínimo de liberdade de imprensa, o direito à informação da sociedade se encontra em risco. [..] O direito de obter e buscar informação, o direito de informar e o direito de ser informado são ameaçados”, afirma Aline Rios.
Os dois entrevistados comentaram muito sobre a falta de conhecimento que a população tem no que diz respeito aos ataques aos profissionais do campo da imprensa. Segundo Célio Martins, há uma lacuna nas empresas de comunicação, pois estas divulgam muito pouco sobre esta temática. O assunto é tratado “em segundo plano”.
“Muito raramente você vai ver um ataque a jornalista com destaque na grande mídia ou na mídia tradicional. E isto é um problema”, complementa Célio Martins.
“O orgão máximo dos jornalistas [Fenaj] aparece muito pouco na televisão, como se não fizesse nada digno de ser noticiado”, adiciona Aline Rios.
Um detalhe de grande importância ressaltado pela Aline Rios, que mostra como este problema enfrentado é estrutural, é que “os ataques não são sempre contra um jornalista específico, e sim com a atividade jornalística em si. Os ataques são muito genéricos: vocês não sabem perguntar, vocês têm que fazer faculdade que preste etc.”.
O que esperar daqui para a frente
O ano de 2022 é um ano eleitoral, de muita polarização, muitas divergências de opinião, ou seja, um cenário delicado para os jornalistas e repórteres. Isto porque “muitos políticos têm o interesse de fazer o jornalista ser visto com desconfiança, porque não quer prestar contas para a sociedade”, diz Aline. Diante disto, este ano promete vários desafios no que diz respeito aos ataques e à manutenção da frágil liberdade de imprensa no Brasil. O diretor e presidente do Sindijor concorda que este ano será mais delicado do que os anteriores.
“Grande parte dos ataques vem de autores políticos. É evidente que durante um ano eleitoral, o tom das agressões vá subir. É necessários tomar medidas urgentes e preventivas para os jornalistas estarem minimente protegidos. Fomos pedir isto ao Ministério Público do Trabalho e ao TRE. Pretendemos também dialogar com o governo, pois o executivo tem um papel muito importante neste quesito” , diz Célio.
A informação de que grande parte dos ataques é proveniente de autores políticos é muito problemática porque, segundo Aline Rios “quando uma personalidade política muito importante começa a performar ataques, isto reverbera”. E a partir daí, os ataques são replicados por várias outras pessoas. Além disso, percebe-se que as agressões, muitas vezes, partem de autoridades que estariam responsáveis e encarregadas de fazer o exato oposto.
O enfrentamento aos ataques aos profissionais de veículos de comunicação e imprensa tem que ocorrer “em formato de rede, em várias frentes, para chamar a tenção da sociedade”, afirma Aline Rios. Ademais, é necessário “criar campanhas públicas de informação à sociedade sobre estas questões”, adiciona Célio Martins.
“A gente tem que recuperar a legitimidade, credibilidade e confiança da sociedade, porque a gente se encontra em processo de retrocesso. A informação é fundamental para reverter esse cenário”, finaliza a diretora de defesa corporativa do sindicato dos jornalistas.