Veículos de comunicação criam projeto para combate as fake news

Proximidade com as eleições traz alerta para o compartilhamento deste tipo de conteúdo
Por Flavia Mota e Helena Sbrissia
Faltando apenas dois meses para as eleições de 2018, o Brasil tem se tornado o cenário perfeito para a propagação de notícias falsas. Por causa disso, diversos veículos de comunicação estão tomando decisões para o combate de fake news, como são chamados esses conteúdos duvidosos. O portal G1, por exemplo, lançou no dia 30 de julho, com o apoio de O Globo, Extra, Época, Valor, CBN, GloboNews e TV Globo, um projeto chamado Fato ou Fake, que busca checar notícias suspeitas e confirmá-las ou desmenti-las.
Para a editora-executiva do G1 Paraná, Bibiana Dionísio, a ação mais simples a ser tomada por qualquer veículo de comunicação é produzir um conteúdo esclarecedor para que a população que o acesse de maneira descomplicada. “Há também a necessidade de rebater mensagens duvidosas que têm sido muito compartilhadas e podem causar algum tipo de prejuízo”, explica.
Fato ou Fake
O projeto Fato ou Fake, do G1, citado anteriormente, identifica mensagens que tiveram grande repercussão pelas redes sociais e aplicativos como o WhatsApp e causaram desconfiança no público. Além da apuração feita por jornalistas dos veículos da Globo, há também um uso de bots pelo Twitter e Facebook, que poderão informar sobre a veracidade de casos que já tenham sido investigados.
A metodologia se dará entre um conjunto de ferramentas das próprias redes sociais e o monitoramento delas, com investigação de origem e fontes para revelar mensagens que tenham sido retiradas do contexto ou correspondam a um fato antigo. Também serão ouvidas as pessoas relacionadas ou citadas, como especialistas, fontes oficiais e personagens.
A abordagem exclui as opiniões e utiliza-se apenas de fatos comprováveis. Também haverá um radar para a checagem de discursos políticos. Leitores também poderão sugerir postagens para investigação.
Projeto Comprova
Outro projeto é o Comprova, que reúne um conjunto de jornalistas para apuração de fatos. Com método de ação parecido com o Fato ou Fake, o Comprova investiga imagens, gráficos, vídeos e textos que estejam ganhando grande repercussão para que esses assuntos sejam contextualizados e esclarecidos o mais rápido possível.
Idealizado e desenvolvido pelo First Draft e o Shorenstein Center, da Harvard Kennedy School, com a colaboração de Abraji, Projor, Google News Initiative e Facebook’s Journalism Project, o Comprova utiliza-se de diversas plataformas para monitorar as principais pesquisas feitas no país e saber quais os principais pontos de interesse da população na internet. Perfis no Twitter, Facebook e um número no WhatsApp também serão dedicados para perguntas do próprio público. Haverá, também, um monitoramento individual dos candidatos às eleições com o uso de palavras-chave.
Projeto Truco
O projeto Truco pertence à Agência Pública — uma rede de Jornalismo Investigativo — e verifica falas, correntes e informações que circulam pela internet para checar sua autenticidade. O objetivo é a democratização do processo e a indução de tornar personalidades públicas — como políticos — responsáveis por suas falas. Há uma preocupação em analisar diversos pontos de vista para manter o princípio de imparcialidade jornalística.
Diferente das outras iniciativas, o projeto Truco checa apenas conteúdo eleitoral, como declarações de candidatos e boatos sobre temas eleitorais. O Truco integra a International Fact-Checking Network (IFCN), rede organizada pelo Instituto Poynter, dos Estados Unidos, que reúne os principais sites de fact-checking do mundo.
[learn_more caption=”Candidatos precisam desmentir boatos” state=”open”]Dentro do país, algumas notícias virais já precisaram ser desmentidas por presidenciáveis. É o caso de Luiz Inácio Lula da Silva, que, após a divulgação de seu candidato a vice-presidente, Fernando Haddad, precisou lidar com o fato da cantora Pabllo Vittar estar sendo apontada como ocupante do cargo. O esclarecimento foi feito por meio da assessoria de imprensa.
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Sobre a influência de fake news nas eleições brasileiras, Bibiana disserta: “O que se vê é que esse tipo de conteúdo tem um alcance grande, e quando não é combatido com a verdade acaba se tornando um fato. As formas de impacto são as mais variadas — podem denegrir a imagem de um político, criar trajetórias de herói que não existem ou desencadear comportamentos equivocados”.
Segundo dados da pesquisa “Robôs, redes sociais e política no Brasil”, publicada em agosto de 2017 pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), cerca de 11,34% das interações que aconteceram no Twitter durante as eleições de 2014 foram proporcionadas por contas controladas por software. De acordo com a Fundação, a principal utilização desses robôs é para conquistar seguidores, gerar ataques a opositores partidários e criar discussões artificiais, além de disseminar notícias falsas, manipular debates e influenciar a opinião do público.
Em levantamento do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo (USP), somente em junho de 2017 mais de 12 milhões de pessoas tiveram acesso à notícias falsas. Somente no primeiro semestre de 2018 houve um aumento de 2,9 milhões no acesso às fake news.
Direito Penal encontra dificuldades na legislação para combate às fake news
“O maior problema em torno das fake news é que é um tema muito novo para o Direito e que contempla muitas áreas diferentes dele”, explica o advogado João Manoel Vidal. Segundo ele, algumas medidas mais imediatistas vêm sendo tomadas, como a determinação de exclusão de determinadas postagens do Facebook pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Essas soluções que estão sendo tomadas são extremamente emergenciais e que dificilmente encerrarão a questão como um todo. Ainda é extremamente necessário que haja uma leitura mais crítica de informações por parte da população”, completa.
A Procuradoria Geral da República (PGR) tem buscado caracterizar corretamente as fake news para que a expressão não seja banalizada e utilizada de forma indevida por candidatos, que tomam proveito da popularização do termo para tirar proveito próprio, segundo o vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros.
O TSE já vem adotando medidas práticas para o combate às fake news. Em junho deste ano, o presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, afirmou que a luta contra a propagação desse tipo de conteúdo está começando com a retirada imediata do ar.
Em declaração mais recente, em 21 de julho, Fux também afirmou que o Código Eleitoral prevê por meio do artigo 222 que uma eleição tiver um resultado fruto de uma fake news massiva, tem condições legais de ser anulada.
Uma das propostas em trâmite no Congresso Nacional é o projeto de lei 6812/17, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que tornaria crime a divulgação e criação de notícias falsas, com pena de 2 a 8 meses de detenção.
Eleitores propagam notícias falsas com mais facilidade se concordam com o conteúdo
Para o cientista político Massímo Vechia, em todo país do mundo o eleitor tem uma tendência a se associar com os candidatos com quem mais se identifica.
De acordo com o cientista político, se o eleitor concorda com o que a fake news pontua ou se ela denigre a imagem de um candidato cujo posicionamento político não é o mesmo que o dele, é mais fácil tanto de acreditar na notícia falsa como também ajudar na sua propagação.
Segundo Vechia, a proporção de notícias falsas tem tendência a diminuir conforme o eleitor se informa mais em questões como economia e políticas públicas para entender melhor as propostas dos candidatos. Para ele, em uma sociedade em que as instituições responsáveis pela aprendizagem, ou seja, escolas e universidades, não propõe debates sobre esses e outros grandes temas da atualidade, há uma dificuldade de achar esses juízos de valor.