Sonhos interrompidos na adolescência por gestações não planejadas

Brasil tem 68,4 bebês nascidos de mães adolescentes a cada mil meninas entre 15 a 19 anos, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde
Por: Évelyn Rodrigues e Stefany Mello
Engravidar na adolescência, na maioria dos casos, é uma atitude não planejada, e pode gerar conflitos tanto psicológicos, como medos e inseguranças e uma parada repentina na vida de uma jovem, que deixa de cumprir planos, sonhos e objetivos para cuidar de outra vida.
Segundo o relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em fevereiro de 2018, o Brasil possui taxa de gravidez na adolescência acima da média latino-americana que 15% das gestações anuais ocorrem em mulheres com menos de 20 anos. Enquanto a taxa global de gravidez na adolescência na América latina seja estimada em 46 nascimentos por mil mães entre 15 e 19 anos de idade. Já no Brasil são 68,4 bebês nascidos de mães adolescentes a cada mil meninas de 15 a 19 anos. O relatório da OMS é referente ao último período analisado, entre 2010 e 2015.
Segundo o ginecologista Dr. Helvio Santos, engravidar na adolescência, principalmente antes dos 15 anos de idade, pode apresentar vários riscos, uma vez que o corpo da adolescente não está preparado biologicamente para suportar uma gravidez. “Na maioria dos casos, a adolescente não possui o peso ideal para uma gestação e ocasionar um parto antes do tempo previsto, uma gravidez precoce, pode provocar a infecção urinária e o nascimento de um bebê com baixo peso”.
No que refere-se aos métodos contraceptivos, o ginecologista afirma que nenhum mecanismo é totalmente seguro. “Todos possuem uma pequena porcentagem de chances de ineficácia”. Entretanto, o médico conta que o anticoncepcional é um dos métodos mais utilizados para evitar a gravidez e não possui restrição de idade. “A adolescente que deseja tomar deve ter iniciado o período fértil e deve, acima de tudo, consultar um médico para ter a melhor indicação de remédio e, em hipótese alguma, medicar-se sozinha e uma vez que a adolescente começa a tomar o anticoncepcional indicado pelo médico, deve seguir a cartela de comprimidos tomando todos os dias no mesmo horário. Deixar de tomar um ou outro comprimido pode, além de aumentar os riscos de gravidez, causar sangramentos fora do ciclo menstrual”.
A psicóloga Layla Ferreira explica que, além dos riscos ao bebê e à saúde da mulher, uma gravidez precoce pode trazer à adolescente diversos problemas psicológicos. “A mudança repentina de realidade e rotina podem impactar severamente a adolescente”. A psicóloga conta que o apoio familiar é o fator mais importante para que uma adolescente que tem uma gravidez precoce não desenvolva problemas psicológicos. “A menina já sabe que ela está em uma situação complicada, dizer a ela coisas como ‘você acabou com a sua vida’, tende a acarretar problemas em seu psicológico e até mesmo o desenvolvimento de problemas como a ansiedade”.
Segundo Layla, o apoio familiar é importante para que a adolescente sinta-se segura neste processo de gestação. “A ausência do afeto familiar nessa hora pode desencadear até mesmo a depressão pós parto, que gera uma rejeição da mãe diante do bebê”.
Na vida de Maria Eugênia Silva, 22 anos, o desejo de que ela perdesse o seu bebê durante a gravidez veio de quem ela menos esperava e de quem mais desejava apoio: da mãe. “Eu engravidei aos 16 anos, apesar de ser algo totalmente fora dos meus planos, eu decidi cuidar daquele bebê. Quando minha mãe descobriu minha gravidez ela me olhou e disse para eu não contar a ninguém, pois ela ainda tinha a esperança de que eu perdesse o bebê”.
Maria conta que foi da família do ex-namorado e pai da criança que veio a sugestão de aborto. “Me disseram que arranjariam remédios abortivos para mim e sugeriram ao meu ex-namorado que ele mandasse me dar uma surra”.
Maria Eugenia afirma que encontrou-se em um choque de realidade e teve que abandonar os sonhos de adolescente que, envolviam viagens, cursos, estudos, para se voltar para alguém que dependeria dela totalmente. “Eu não era mais uma adolescente que deveria preocupar-se apenas com os estudos. Eu havia me tornado mãe e, tudo o que eu fizesse, a partir de então, não afetaria somente a mim. Aos 16 anos eu tinha uma vida que dependia de mim”.
Atualmente, a filha de Maria Eugênia, Nina Sophia, tem seis anos e, segundo a mãe, ela é motivo de gratidão. “Foi ela que, além de ter me dado um senso de responsabilidade, me mostrou o maior amor do mundo. Eu posso dizer que, graças a ela, a vida se encaminhou da forma mais linda e também do jeito mais rápido ”.
A estudante Laura Cristine Garcia, 19 anos, é mãe do Bernardo Henrique Garcia, que atualmente, está com três anos de idade. A estudante conta que engravidou aos 15 anos e não teve total apoio familiar. “Engravidar nessa idade era algo que não estava nos meus planos. Na época eu estava no ensino fundamental e não tive o apoio familiar. Meus pais são muito rígidos e não aceitaram muito bem a situação”. Quando se trata do grupo de amigos, Laura conta que a exclusão por conta de gravidez inesperada é totalmente perceptível. ”Depois que descobri a gravidez, a minha realidade passou a ser totalmente diferente da dos meus amigos e dá pra perceber essa exclusão por parte deles”. Laura Cristine comenta que, inevitavelmente, os sonhos acabaram ficando de lado. “O que mais impactou na minha vida foi o fato de eu deixar os meus planos de lado e planejar uma nova rota para a minha vida (…) Os meus sonhos acabaram ficando para depois, pois o agora é do meu filho”.
Assim como muitas mães, Laura não pôde contar com o apoio financeiro do pai da criança. Devido à gravidez,ela teve de adiar os estudos. “Tive que parar a escola para trabalhar e conseguir sustentar o meu filho e a faculdade ficou para depois”. Segundo ela, ter um filho pequeno foi algo que dificultou sua inserção no mercado de trabalho. Laura conta que já deixou de ser contratada em uma empresa pelo fato de ter que sair local de trabalho em alguns momentos para poder amamentar o filho pequeno.
A pensão alimentícia é uma quantia financeira, determinada por um juiz, que deve ser paga pelo responsável ou pensioneiro. De acordo com a advogada de direito de família, Simone Malucelli, no Brasil, não pagar pensão alimentícia pode levar à prisão. Quando falamos da prisão civil decorrente da obrigação alimentícia, o devedor está sujeito à prisão civil, como prevê a Constituição Federal e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Segundo a advogada, quando a adolescente tem a gestação e não vive uma relação formal como o casamento civil e o suposto pai da criança afirmar que não é o pai, a adolescente deve buscar um auxílio de um advogado. No áudio a seguir, a advogada explica como recorrer.
A assistente social Licéli Lascoscki, conta que todos os dias são atendidas gestantes adolescentes no hospital onde trabalha, e todas as adolescentes internadas possuem atendimento do serviço social. Segundo ela, esse protocolo de atendimento do setor, normalmente é sinalizado pela equipe de enfermagem. “Neste atendimento é realizado um acolhimento com a adolescente e levantamento de dados, informações referentes à escolaridade; se ela realizou o pré-natal regularmente na U.S de referência; se ela fez ou faz uso de substâncias psicoativas, dentre outras informações”.
A assistente social ainda diz que o serviço social deve notificar o Conselho Tutelar de referência nos casos em que o pré natal é negligente, quando a genitora fez ou faz o uso de substâncias psicoativas, ou em casos também de evasão escolar. “Dependendo do contexto da problematização, quem define a conduta de liberação do recém nascido é o Conselho Tutelar, não somente no que diz respeito a genitoras adolescentes. Existem situações que esse recém nascido é acolhido pelo Conselho Tutelar, já em outras situações o conselho define que outro familiar vai ficar com a guarda provisória deste infante”.
Licéli ainda afirma que, normalmente, os casos que as genitoras querem entregar o recém-nascido para adoção não são manifestados por adolescentes e quando isso acontece o serviço social, após realizar atendimento, faz contato com a rede de apoio que é o conselho tutelar para fazer o acolhimento deste recém nascido e encaminhar para adoção.
Quando estudantes, algumas adolescentes optam por abandonar a escola, por muitas vezes, sentirem-se constrangidas por estarem naquela situação com pouca idade. Segundo a Constituição brasileira, estudantes gestantes têm o direito de prestar exames finais quando perdem provas por conta da gravidez. A Carta Magna também define que, a partir do oitavo mês da gestação, essas estudantes devem ser assistidas pelo regime de exercícios domiciliares durante três meses.
A pedagoga Eliane Steffens Lima trabalha há 23 anos em escolas da rede pública e conta que já vivenciou de perto um caso de uma aluna que engravidou aos 12 anos de idade. Eliane conta que os pais da adolescente apoiaram a gravidez e afirmaram que não viam problema na situação, uma vez que a jovem namorava há um ano e meio. “A família preferiu que não contássemos aos colegas da adolescente sobre sua gravidez e afirmou que estava ciente do direito que a adolescente tinha de continuar fazendo as tarefas da escola em casa. De fato, a adolescente sentiu-se muito envergonhada pela situação e preferiu afastar-se da escola. Então, continuamos enviando as tarefas escolares para que ela pudesse ser avaliada em casa”.
A pedagoga conta que a adolescente teve um parto prematuro, mas um mês depois do nascimento, o bebê daquela aluna faleceu. Após tirar a licença maternidade a aluna voltou a estudar, mas precisou de acompanhamento pedagógico da escola.
Atendimento à mulher grávida em Curitiba
Em Curitiba, existe o programa Mãe Curitibana, com foco na melhoria nos processos de atendimento antes, durante e após a gestação da mulher. O programa foi criado em março de 1999 em homenagem ao Dia Internacional da Mulher.
A Unidade de Saúde Especializada Mãe Curitibana tem como propósito a melhoria da qualidade do pré-natal, a garantia do acesso ao parto, com a qualidade necessária, a consulta puerperal precoce, com vistas à detecção e manejo das possíveis complicações, bem como o reforço do estímulo ao aleitamento materno.
No vídeo a seguir, Laura Cristine e Maria Eugenia contam por depoimento como é a vida de mãe tão jovem:
https://www.youtube.com/watch?v=prlth0kHv3I&feature=youtu.be
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