Setor literário é colocado em risco por reforma tributária

Além da queda de vendas de livros físicos pela acessibilidade de e-books e pandemia, a nova proposta federal coloca em cheque a indústria de livros.
Por: Allanis Menuci, Isadora Martelli e Milena Chezanoski / Foto: Pixabay
O governo Federal anunciou, neste mês, um possível aumento no preço dos livros, proposta que atualmente está em análise pelo Senado e pelo Congresso, prejudicando ainda mais as livrarias e a venda das publicações físicas. O setor literário já vem enfrentando uma grande crise econômica desde 2014, justificada principalmente pela chegada dos e-books e lojas online, as quais acabam conseguindo reduzir o preço dos títulos. Além disso, com a pandemia, as vendas deste ano foram ainda mais afetadas, somatizando uma possível piora na crise existente.
O Senado publicou informações no dia 11 de agosto sobre a nova reforma tributária, ou seja, uma proposta de alteração em todo sistema tributário do país. Uma das alterações envolvem a adição de uma taxa de 12% sobre os livros, ou seja, aumentaria o preço dos mesmos. Um dos fatores que gera a preocupação entre a indústria e o comércio literário é que, desde 2004, este setor era isento de tributação sobre vendas e importações pela Lei 10.865.
O presidente da Associação de Livrarias Nacional (ANL), Bernardo Gurbanov, explica melhor como funciona na prática a proposta. “se trata de uma contribuição social, não é um imposto, é um tipo de tributo que se aplica sobre todos os bens de serviços comercializados no país, sendo assim, ele substitui o Pis Confins, que tem a mesma característica de contribuição social.” Ele ainda complementa que a proposta é uma forma de conseguir tributar o livro, visto que é proibido pela Constituição colocar impostos sobre os livros.“Vai na contramão de instituições internacionais e até da própria constituição, que no artigo 150, isenta o livros, revistas e papel destinado a produção de livros, livres de impostos.”
Segundo Gurbanov, a tributação de 12% se aplica a toda cadeia de produção do livro. “temos um imposto em tributo de cascata, que pelos cálculos, poderá ordenar o preço de capa do livro, que é o preço final do livro, em até 20%.” Ele ainda ressalta que nenhuma indústria consegue administrar esse aumento nos custo rápidamente, e que isso pode ser muito prejudicial.
Vendas e dados lucrativos da indústria literária
De acordo com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), até o mês de agosto, 2019 teve um lucro maior na venda de livros do que 2020 – mesmo este sendo o mês mais equilibrado no número de vendas – com ambos lucrando em média R$2.750,00. A pesquisa ainda mostra que o mês onde ocorreu maior oscilação no volume de vendas deste material foi de março para abril, onde houve uma queda de 45,35%. Mesmo com essa queda nas vendas, o Senado apresentou a proposta que poderá passar a cobrar impostos sobre o produto.E ainda, as livrarias brasileiras já estão passando por uma crise instaurada alguns anos atrás com a chegada dos e-books e vendas online.
Segundo Gurbanov essa queda fica evidente ao analisar que antes as editoras costumavam enviar ao mercado uma média de 3 mil exemplares de um livro recém lançado por exemplo, e hoje imprimem apenas 500, e só re-imprimem se houver pedidos concretos. Ele ainda ressalta que a adaptação a meios híbridos, como lojas físicas e onlines, é permanente e já ocorre há 10 anos. E que com a pandemia esse processo foi um pouco mais acelerado, mas que apesar de algumas livrarias terem o faturamento muito prejudicado, não existe um número alto das que entraram em falência.
Não só pela grande diferença de preço, mas também pela praticidade, a demanda de livros on-line está aumentando muito, o que acaba por decrescer a venda das lojas físicas. Conforme uma pesquisa realizada também pela SNEL, a venda de livros online em 2020 cresceu 4,5 %. Ao tratar do assunto de e-books, o estudo mais recente (2017) feito pela Global eBook: a report on market trends and developments concluiu que a venda de e-books no Brasil aumentou em 50,77%.
Além disso, a indústria literária – bem como as livrarias – vêm sofrendo prejuízos desde o ápice da era digital, onde empresas como Amazon, Submarino acabam ganhando novos públicos que optam por comprar livros pela internet ao invés de ir em livrarias, já que o preço online destes é inferior ao de lojas físicas. Um exemplo é o livro “História do Brasil”, de Bóris Fausto. Ao comprá-lo em livrarias físicas, como a Livrarias Curitiba, ele sai por R$ 125, já que estas acabam tendo um custo maior ao se comparar com a loja on-line. Em contrapartida, ao comprar o mesmo livro na Amazon on-line, ele acaba saindo por R$ 84,00. O principal motivo da diferença de preços entre comprar livros online e na loja é o custo de aluguel e maior número de funcionários necessários numa livraria, gastos dispensados ao se tratar de compras pela internet.
Experiências de vivência literária
O proprietário da Livraria do Chain, seu Aramis Chain, conta que durante os 54 da livraria já viu governos falarem que tinham o maior interesse na educação brasileira, mas que nos últimos ano se tornou evidente o descaso. E agora a tentativa de tributar o livro pode ser fatal para alguns estabelecimentos. “colocar esse imposto é quebrar mais ainda”. Ele ainda conta que da década de 60 até os anos 80, as vendas iam muito bem. “Nesse início de período lia-se bastante, as pessoas compravam, quem tinha coleção era considerado rico”.
Apesar disso o livreiro garante não estar perdendo espaço para os e-books e lojas digitais. “Ninguém está acostumado a ficar na frente de uma tela, foi tentado impor isso ao jovem, mas ele não está”. Seu Chain compara o ato de ir a uma livraria com a ida até uma casa de doces, e que apenas receber o produto em casa não tem o mesmo sabor. Em relação aos e-books ainda aponta que muitas editoras não seguiram com o lançamento de títulos digitais por não ser vantajoso e acredita que o livro físico ainda é o preferido do público.
Isabella de Oliveira Guerreiro, 18 anos, estudante de economia, é uma assídua leitora, e sente que os livros não têm um preço justo no mercado brasileiro: “o livro no Brasil é quase uma artigo de luxo”. Ela ainda acredita que com a tributação sobre eles poderia deixar os preços exorbitantes. Para a estudante, uma das diferenças que mais pesa entre os livros físicos e on-line é a estética, já que existe muito o hábito de usar o livro como objeto de decoração. No entanto, ela vê uma vantagem nos e-books em relação à sua praticidade. “Você pode ter vários livros e poder levar para todos os lugares, diferente do livro físico.” Completa Isabella.
Devido a crise que fechou diversas livrarias, não só Isabella, mas também a população brasileira em geral começou a consumir mais livros digitais. Para a professora e escritora, Ana Raphaela Nunes, os e-books são uma forma de aproximar mais as pessoas da leitura, e não acredita que possam substituir o físico, “quem gosta de livros, gosta da materialidade, de pegar o livro”. Não só isso como também sendo um artigo de lazer, defende que acaba sendo cansativo ler no computador, pois já usou no período de trabalho.
Ana ainda conta como os fechamentos de livrarias afetou o trabalho de quem quer publicar livros. Visto que esses espaços influenciam o público a ler mais, e acabam apresentando autores e títulos novos desconhecidos por um certo público muitas vezes. Além dos eventos que realizam com escritores e contadores de histórias. “É bastante prejudicial, ainda mais num país como o nosso, onde tem poucas livrarias.” Não sendo o bastante, escritores como Ana estão enfrentando um período difícil durante a pandemia. Segundo ela as editoras estão segurando livros para impressão, já que o mercado não vai bem e, o fato de não poder lançamentos oficiais para divulgação só agrava ainda mais a situação.
Luta para continuar no mercado se agrava com a pandemia
No início deste ano o setor livreiro apresentou uma melhora financeira, segundo painel de varejo publicado pelo SNEL, em janeiro o volume de vendas foi 9,95% maior que o mesmo período de 2019, porém em abril com a pandemia já instaurada, esse percentual negativou 45,35%.
Ou seja, quase metade das vendas do ano anterior, apesar de ser uma das opções de lazer possível durante o distanciamento social os números mostram que o setor sofreu muito com o fechamento do comércio, isso acontece já que, por mais que as vendas online tenham aumentado, as livrarias físicas ainda representam 46,6% das vendas de 2019, conforme pesquisa realizada pela SNEL e pela Câmara Nacional do Livro (CBL).
Isabella deduz, do ponto de vista dos consumidores, que tendo que ficar em casa, muitas pessoas “perderam o ânimo”, sendo assim o hábito de ler acabou ficando de lado e sem sentido, porém lembra que não se pode generalizar, “cada caso é um caso.”
Literatura e Redes sociais
As redes sociais se tornaram um grande clube do livro contemporâneo, diversos perfis literários foram criados nos últimos anos no Brasil. Exemplo disso é o perfil @obrotoliterario, criado por quatro amigas que decidiram externar sua paixão pela leitura. Valéria Cassuba é advogada e um dos nomes por trás do perfil, ela diz que a ideia da conta é unir propósitos e preferências mútuas, além de claro, levar opções a leitores por meio de resenhas que elas elaboram com tanto carinho.
A importância da leitura apareceu bem cedo na vida da advogada: ‘’Tenho memórias muito presentes de livros e histórias que ouvia e lia na infância. A leitura foi fundamental no meu desenvolvimento. Por um tempo ela acabou ficando meio de lado, mas na adolescência voltou com muita força, com a leitura de clássicos brasileiros e
estrangeiros. Ler livros era para mim desafiar a mim mesma e comecei a buscar histórias que me acrescentassem. Ajudou no meu amadurecimento também.’’
A relevância do incentivo a leitura se concretiza com dados, segundo o Instituto Pró-Livro, a média de livros lidos por habitantes no Brasil é de 4,96. A boa notícia é que o número parece estar aumentando, já que em 2012 a média era 4. A crise das livrarias e a nova proposta de taxação podem acabar influenciando negativamente esse pequeno avanço. Para Valéria a taxação representa de forma escancarada a intenção de inviabilizar o acesso a livros às pessoas menos favorecidas, ‘’ Um povo sem leitura, sem educação, sem cultura é um povo no cabresto, facilmente manipulável, não distingue fake News da realidade. E é justamente esse o objetivo. Acredito que as consequências são imediatas, mas que o reflexo aparecerá mais tarde.’’ – ‘’É realmente revoltante!’’.
No ano de 2001, as livrarias estavam presentes em 42,7% dos municípios. Em 2018, esse número caiu para 17,7%, segundo estudo feito pelo IBGE. Valéria conhece bem essa realidade: ‘’Morei a vida toda em cidades pequenas, que possuem poucas opções à disposição. Mas sempre que possível gosto de ir à livrarias e folhear livros, sentir aquele cheirinho. Atualmente, eu compro livros principalmente pela internet, porque conta com bons preços, muitas promoções e chega rapidinho.’’
Apesar de todas as recentes notícias sobre o mundo da literatura, existe também o lado positivo, afinal, muitas pessoas aproveitaram o período de isolamento para reviver ou aumentar a prática da leitura, e como bem coloca Valéria: ‘’Se podemos tirar algo bom de tudo que vem acontecendo com a pandemia é usufruir desses pequenos prazeres e fortalecer nossos hábitos positivos.’’
confira abaixo um trecho da entrevista com o presidente da ANL, onde ele comenta sobre a situação das livrarias na pandemia: