Será verdade que casas mal conservadas em um conjunto habitacional de Jucurutu (RN) foram construídas pelo governo Lula?

por Leticia Fortes Molina Morelli
Será verdade que casas mal conservadas em um conjunto habitacional de Jucurutu (RN) foram construídas pelo governo Lula?

 

Por Juliane Capparelli, Letícia Fortes e Maria Eduarda Souza | Foto: Google Street View – Fevereiro/2022

Um vídeo com mais de 177.103 interações no TikTok atribui casas em estado crítico de conservação na comunidade Nova Barra de Santana, em Jucurutu (RN), ao governo Lula (PT). Divulgada em 26 de abril, a publicação mostra imagens feitas dentro de um carro que percorre o conjunto habitacional. O narrador mostra casas em bom e mau estado de conservação, atribuindo-as aos governos de Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT), respectivamente. Segundo o narrador, as casas do lado direito do complexo habitacional,  as quais chama de “padrão PT”, são de pior qualidade do que as do lado esquerdo da rua, as quais atribui a Bolsonaro.

Será verdade?

Embora​​ tenha 97% de seu financiamento realizado pelo governo federal, as casas da comunidade Nova Barra de Santana foram con​​struídas pelo governo do Rio Grande do Norte, e não pela gestão Lula (PT) ou Bolsonaro (PL). Além disso, a diferença entre as construções dos lados esquerdo e direito da rua não se relaciona com os governos do PT e de Jair Bolsonaro. 

Nova Barra de Santana é uma comunidade rural que faz parte do município de Jucurutu, localizado a 233 quilômetros de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Para realizar a construção da barragem de Oiticica, a área da antiga Barra de Santana foi inundada e, por isso, os governos estadual e federal se uniram no projeto de construção de um complexo habitacional com 186 unidades habitacionais para o reassentamento de 227 famílias, isto é, 908 moradores.

O complexo habitacional de Oiticica conta com um orçamento total de R$ 657,2 milhões, segundo dados do Portal da Transparência do Rio Grande do Norte. Embora a destinação das verbas, a execução e o acompanhamento das obras de infraestrutura seja responsabilidade direta do governo estadual, 97% do orçamento é pago pelo governo federal. 

Seja por repasses diretos ou emendas parlamentares, a União pagou R$ 638,2 milhões para o governo do Rio Grande do Norte entre 2013 e 2021, ou seja, tanto os governos de Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB)  e Jair Bolsonaro (PL) ajudaram a financiar as obras. A principal fonte de recursos foi o Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH), projeto Federal de concessão de crédito a programas estaduais e municipais voltados à políticas públicas para a população de baixa renda. Em contrapartida, a contribuição financeira do governo estadual para a realização das obras foi de apenas R$ 19 milhões.

Já a barragem de Oiticica é uma obra do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Regional. O objetivo da obra é perenizar o Rio Piranhas-Açu, diminuindo os problemas causados por suas enchentes nas plantações do Vale do Açu e armazenar água para combater a seca no Seridó. A obra foi incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2011, ainda no mandato de Dilma Rousseff (PT), mas acabou paralisada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por irregularidades e sobrepreço nas contas do contrato. 

Em abril de 2013, dois anos depois da paralisação, a construção da barragem de Oiticica tornou-se responsabilidade do Governo do Rio Grande do Norte, através da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH). Em termos orçamentários, o governo estadual conseguiu se articular com o federal para garantir mais de 90% do financiamento da obra proveniente de recursos da União. 

Seis meses depois, em setembro de 2013, o projeto da barragem ainda não havia sido esclarecido à população por meio de audiência pública, e também não havia clareza sobre o local do reassentamento das famílias que moravam na antiga Barra de Santana, região prestes a ser inundada pela construção da barragem de Oiticica.

Além disso, os moradores da antiga Barra de Santana formam uma comunidade de agricultores familiares, os quais, embora não tenham sido contra a construção da barragem de Oiticica, queriam ter o direito de escolher o novo local onde morariam. Essas constatações foram registradas pelo Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 

Nesse contexto, a construção da comunidade habitacional Nova Barra de Santana foi uma iniciativa do governador do Rio Grande do Norte Robinson Faria (PSD), que anunciou a construção da comunidade Nova Barra de Santana em setembro de 2016, mesmo ano em que rompeu sua aliança com o PT e aproximou-se do governo de Michel Temer (MDB). 

Faria anunciou o projeto com o intuito de abrigar famílias que perderam suas casas com a desapropriação do antigo município de Barra de Santana. A cidade foi inundada com a construção da Barragem de Oiticica, que abastecerá a região com água do rio São Francisco quando for concluída. 

O governo potiguar ressalta, contudo, que as casas do lado direito do complexo realmente tem um padrão inferior. Cada uma delas foi custeada com um limite de R$ 26 mil, com recursos federais provenientes do PSH. 

Porém, as obras foram paralisadas entre 2016 e 2019, fazendo com que as oscilações meteorológicas gerassem uma série de complicações nas casas prontas ou em processo de construção que nunca foram habitadas, pois cerca de 41 moradias foram entregues sem infraestrutura adequada de calçamento, de acesso de água e luz e esgotamento sanitário. Diante dessas descobertas, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação contra o governo do Rio Grande do Norte e as construtoras devido à má qualidade das habitações.

As obras foram retomadas em 2019, começando pelas casas localizadas no lado esquerdo do complexo habitacional. No vídeo citado nesta reportagem e publicado originalmente no TikTok, essas construções são erroneamente atribuídas ao governo Bolsonaro, mas foram financiadas com recursos federais e estaduais provenientes de um convênio para execução das obras da barragem de Oiticica. A retomada das obras foi anunciada pela sucessora de Robinson Faria, a governadora Fátima Bezerra (PT).

Para reformar os 41 imóveis do complexo entregues com problemas estruturais, o governo do Rio Grande do Norte investiu R$ 280 mil. Além disso, a gestão estadual anunciou a entrega de 177 novas casas em Nova Barra de Santana até o final deste ano.

 

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