Sendo minoria na educação básica, homens enfrentam estigma de lecionar para crianças

por Ex-alunos
Sendo minoria na educação básica, homens enfrentam estigma de lecionar para crianças

Professores relatam que preconceito e falta de reconhecimento são as maiores dificuldades

Por Thais Porsch

É cada vez mais difícil ver alguma profissão em que a representação feminina não esteja inserida. Todavia, ainda há relutância em aceitar homens em certas carreiras dominadas pelo sexo feminino. O Censo Escolar de 2016 mostra que os homens representam apenas 3% dos professores de educação infantil. Entre os 443.405 profissionais, apenas 13.516 são do sexo masculino.

A pequena parcela de homens na educação infantil não é por acaso. Por trás dos números, há uma bagagem histórica de divisão sexual e social do trabalho, explica a psicóloga cognitivo-comportamental Roseli Crevelaro. Roseli diz que desde sempre o homem foi incentivado a exercer funções fora de casa, enquanto que para a mulher restavam os afazeres domésticos. “Foi nesse contexto que o mercado de trabalho foi se consolidando. Homens seguiam carreiras ditas masculinas, e mulheres acabavam seguindo carreiras ditas femininas, que incluíam algumas áreas relacionadas, ao papel da mãe como: cuidados, educação e sensibilidade. E isso normalmente se dava em profissões como enfermagem, pedagogia e psicologia”.

A terapeuta afirma que a questão histórica é um ciclo vicioso que acontece até hoje ao reforçar estereótipos: “quando determinamos que brincar de boneca é coisa de menina, e carrinho coisa de menino, estamos produzindo um processo educativo que alimenta e reproduz o estereótipo de gênero. O que é muito ruim, porque, se educamos nossos filhos preconceituosamente, esse processo não termina nunca”.

Matheus Pereira Martins, que leciona no Centro Municipal de Educação Infantil Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Pinhais (RMC), sempre soube o que queria. Desde criança, Martins gostava de ensinar, e com 14 anos decidiu que faria o magistério para educar outras crianças.

Porém, no meio dessa jornada, o educador conta que o caminho não é fácil. Entre as principais dificuldades está o preconceito. Machismo e conotação sexual são penas alguns exemplos, como afirma o professor: “quando comecei a dar aulas, eles não deixavam trocar as crianças, não podia levar elas no banheiro, nem trocar fralda. Não podia ter esse contato com eles assim. Abraços também não deixavam muito. E nem ficar sozinho na sala”. No Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI), em que trabalha atualmente, Martins é o único professor homem entre 12 mulheres.

O professor Ricardo Kerscher, que dá aulas em São José dos Pinhais, na RMC, logo nos primeiros anos de faculdade conta que teve dificuldade em conseguir estágio por ser homem. “Me perguntavam ‘essa vaga é para a sua namorada? Para sua irmã ou uma conhecida?”. Kerscher chegou a largar a profissão por um tempo devido à falta de reconhecimento e aos baixos salários.

O docente também declara que já sofreu casos de preconceito, por parte não só dos funcionários de escolas, mas de pais de alunos. Em 2013, quando Kerscher lecionava para uma turma de pré-II, um pai chegou a fazer uma reclamação ao saber que um homem daria aula à sua filha. “Ele olhou, fez uma cara de reprovação e depois veio falar para a diretora que não queria que fosse um professor homem, pois ‘sabe como os homens são’. Assim que ele conseguiu vaga em outra escola ele tirou a menina de lá”, conta.

Apesar disso, o professor acredita que o fato de ser homem não o torna menos capacitado para lecionar, pois “jeito com criança é uma qualidade humana”. Mas, segundo ele, a cultura do Brasil possui a mentalidade de ligar crianças inevitavelmente à maternidade, não à paternidade.

Mesmo sendo minoria no ensino básico, professores ganham mais que professoras

Mesmo com as mulheres desempenhando a maioria dos postos de trabalho na área pedagógica, profissionais do sexo masculino ganham mais desde o ensino maternal até a universidade. Os homens chegam a receber 33% a mais que as mulheres na Educação Infantil e no Ensino Fundamental.

A psicóloga Roseli Crevelaro comenta que a diferença salarial acontece não apenas pela questão histórica, mas também pelo fato de a mulher precisar se ausentar do trabalho durante a gravidez e para cuidar dos filhos. “As mulheres que vão atrás de oportunidades acabam se esbarrando nas questões trabalhistas. Infelizmente se leva em consideração o simples fato de ela ser mulher, vai querer ser mãe e em outros empecilhos, como ausências para cuidar do filho”.

A professora de uma escola particular de educação infantil Gisele Crescenti afirma que não concorda com as diferenças salarias, principalmente em grandes empresas, pois “os homens quando são pais, geralmente, as responsabilidades com os compromissos da casa ficam para a mulher”, conta.

Pelo último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi constatado que os homens recebiam aproximadamente R$ 5 mil lecionando em faculdades e universidades, enquanto as mulheres tinhas salários na faixa dos R$ 3 mil. No ensino básico R$ 1.258,67 ganhavam as professoras e R$1.685,55 os professores.

 

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