Segunda maior área desmatada da Mata Atlântica no estado do Paraná está na Região Metropolitana de Curitiba

por Ana Rossini
Segunda maior área desmatada da Mata Atlântica no estado do Paraná está na Região Metropolitana de Curitiba

Equivalente a 122 campos de futebol, território desmatado da Mata Atlântica põe em risco conservação do bioma em Bocaiúva do Sul

Em Bocaiúva do Sul, município da Região Metropolitana de Curitiba, foram desmatados 122,90 hectares do bioma Mata Atlântica entre outubro de 2021 e junho de 2022. Apesar do desflorestamento ser equivalente a 122 campos de futebol, a área é apenas a segunda maior do estado, depois de Nova Laranjeiras, que tem 272,37 hectares desmatados. 

O cenário pode piorar com a recente aprovação da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 364/2019. O projeto define que o uso de “ambientes naturais não florestados” pode ser flexibilizado, o que prejudicará ainda mais a conservação de remanescentes naturais.

Imagem aérea do antes e depois da segunda maior área desmatada da Mata Atlântica no estado do Paraná, em Bocaiúva do Sul. / Mapbiomas Alerta

Além de ter a maior área desflorestada, Nova Laranjeiras também padece de ter a maior extensão de desmatamento do estado, com 1.413,73 hectares desmatados entre 2020 e 2023. A cidade é seguida no índice por Prudentópolis e Guarapuava, como pode ser observado no gráfico abaixo. Os dados são do Mapbiomas Alerta, iniciativa multi-institucional que envolve uma rede colaborativa formada por universidades, ONGs e empresas de tecnologia, dedicada a mapear as transformações na cobertura e uso da terra do Brasil. 

 

Gráfico mostra as três cidades paranaenses com maiores extensões desmatadas em hectares, entre os anos de 2020 e 2023. / Mapbiomas Alerta

O Paraná possui dois dos sete biomas do país: o Cerrado e a Mata Atlântica. As áreas de Cerrados são diminutas e já estão bastante degradadas. Cerca de 98% do território está inserido no bioma Mata Atlântica que é constituído por um conjunto de ecossistemas associados: Restinga, Manguezal, Floresta Atlântica de Planície, Floresta Atlântica de Encosta, Floresta com Araucária, Estepes, Floresta Estacional e Semidecidual e Campos Naturais.

Em 2011, a espécie Araucaria angustifolia, que integra Floresta com Araucária e é conhecida como pinheiro-do-Paraná, bem como outras espécies, foram classificadas como criticamente ameaçadas pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). O levantamento aponta o estado global de conservação das espécies de animais, plantas e fungos.

Lei federal da Mata Atlântica

O bioma da Mata Atlântica é o único que contém aparato legal que regulamenta sua conservação, proteção, regeneração e utilização, de acordo com a lei federal 11.428/2006. Entretanto, a recente aprovação da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 364/2019 visa reconfigurar o uso de “ambientes naturais não florestados”, como os campos naturais, banhados e outras formações com estas características em todos os Biomas brasileiros. Se aprovada, permitirá a flexibilização do uso de todo tipo de vegetação no Brasil que não seja predominantemente florestal. 

“Não faz nenhum sentido discriminar um ecossistema natural por não ter ‘formação florestal’. Este tipo de manobra é decorrente de um grupo setorial dominante que está pressionando avanços na degradação de áreas naturais em nosso país, e de uma forma muito acelerada. Sob esse falso pretexto, estão buscando avançar na destruição de biomas como o Pantanal, dando um fim nos já criticamente ameaçados campos naturais e campos de altitude do Sul do Brasil”, expõe Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).

A advogada Isabella Madruga da Cunha, assessora jurídica no Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo (CAOPMAHU) do Ministério Público do Estado do Paraná, afirma que o projeto de lei recém aprovado pela CCJ, e que agora está tramitando no Congresso Nacional, é considerado inconstitucional. “Sua possível aprovação representa um grande risco à conservação do bioma Mata Atlântica. Além disso, o PL está em descompasso com os compromissos climáticos assumidos pelo Brasil.”

Cunha ressalta que a Lei Mata Atlântica é importante porque veda a possibilidade de se autorizar a extinção de vegetação do bioma que inclui vários componentes, inclusive a formação campestre do bioma Cerrado. “Esse tipo de vegetação com arbustos de pequeno porte e gramíneas, além de ter espécies únicas de flora e fauna, também presta importantes serviços ecossistêmicos, principalmente com relação aos recursos hídricos.”

É melhor restaurar as áreas que foram degradadas ou conservar o que sobrou?

Partindo do princípio de que o ecossistema Floresta com Araucária tem uma rica e complexa biodiversidade e se encontra no Paraná com menos de 0,8% de sua distribuição original em bom estado de conservação, é fundamental que sejam priorizadas ações para a proteção efetiva e emergencial destes últimos fragmentos. O diretor-executivo da SPVS explica que essas áreas totalmente degradadas levarão muitas décadas para serem restauradas. Isso também só ocorrerá se forem mantidos protegidos os últimos remanescentes bem conservados e se ainda tiver uma biodiversidade significativa.

Então já temos a resposta. A prioridade número um é conservar as áreas que restam. Borges pontua que restaurar não é ruim, mas é primordial preservar e conservar os remanescentes naturais. “Mitigar é o que sobrou para nós, porque não vamos resolver o problema tão cedo. A grande esperança é criar ferramentas que gerem políticas públicas e que monetizem a prática de conservação para impulsionar o interesse.”

O diretor-executivo cita um mecanismo inovador desenvolvido pelo Instituto LIFE, a Certificação LIFE. O processo voluntário oferece reconhecimento a negócios comprometidos com a conservação da biodiversidade e manutenção dos serviços ecossistêmicos. A Certificação LIFE atesta empresas que incorporam a conservação em seus negócios, e também certifica áreas naturais, proporcionando a oferta de créditos de biodiversidade. “Estamos avançando com muita confiança de que o mercado reaja em grande escala com essas práticas. É fundamental que as empresas, em todos os ramos de atividade, mensurem seus impactos ambientais, a partir de métricas confiáveis, seguindo com rigor os pilares do conceito ESG [traduzido Ambiental, Social e Governança]”, diz Borges.

A Certificação LIFE tem sede no Paraná e organizações como Itaipu Binacional e a fábrica do Grupo Boticário de São José dos Pinhais (PR) são exemplos de empresas certificadas. Segundo nota enviada pelo Instituto LIFE, nenhuma empresa dos municípios Bocaiúva do Sul e Nova Larajeiras é certificada. 

Jornalismo Investigativo - Série especial do Comunicare

Esta reportagem foi desenvolvida na disciplina de Jornalismo Investigativo do curso de Jornalismo da PUCPR. 

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