Projeto que regulamenta hortas urbanas segue para sanção do prefeito

por Sofia Magagnin
Projeto que regulamenta hortas urbanas segue para sanção do prefeito

A prática da agricultura tem mudado o estilo de vida de moradores de Curitiba

Por Sofia Magagnin e Giuliana Rossi

O Projeto de Lei que regulamenta o uso de espaços públicos e privados para a prática da agricultura urbana foi aprovado na terça-feira (11) na Câmara Municipal de Curitiba. Agora, a proposta de autoria da Comissão de Meio Ambiente, segue para sanção do prefeito e, se aprovada, a lei entrará em vigor 60 dias após a publicação no Diário Oficial do Município.

A proposta contempla hortas urbanas, jardinagem, plantio de árvores frutíferas (vedadas espécies tóxicas) e a silvicultura. Outro ponto que também está previsto é a autorização de plantio em recuos e em calçadas, desde que seja respeitada a acessibilidade e a mobilidade dos pedestres. 

O vereador Goura (PDT), que compõe a comissão, explica que a ideia do Projeto de Lei surgiu a partir de uma audiência pública que aconteceu no ano passado. “Nessa audiência expusemos o desejo de elaborar um projeto de lei que desse um amparo legislativo para algumas ações que estavam sendo criminalizadas pela prefeitura”, relembra. Posteriormente, outros encontros foram realizados para debater o assunto e contaram com a presença da sociedade civil, de  pesquisadores e de representantes da prefeitura.

“A expectativa com o projeto de lei é que iniciativas populares possam ser permitidas e incentivadas”, comenta a jornalista e integrante do grupo que mantém a horta Comunitária do Cristo Rei, Ana Carolina Benelli. Na prática, após a aprovação, cidadãos que mantém as hortas urbanas não teriam mais problemas com a prefeitura por conta da regulamentação. 

Para Goura, a agricultura urbana está diretamente conectada com a soberania popular, ações cidadãs e resiliência dos municípios. “A regulamentação da agricultura urbana é um passo muito importante porque é uma prática que já acontece na cidade”, comenta.  

A Comissão de Meio Ambiente considera que a temática merece destaque na tramitação dos processos de leis, na questão de educação ambiental e de conscientização da população em relação à própria alimentação e origem dos alimentos.


Horta urbana é tendência mundial

Na última década, diversas iniciativas cidadãs têm ganho destaque mundial. No caso da agricultura urbana não é diferente, muitos países têm adotado a prática  de modo espontâneo, por iniciativas privadas ou fomentadas pelo governo. Segundo a arquiteta e urbanista Lorana Schwantes, a prática não é novidade do século XX se considerarmos que a atividade agrícola é que permitiu o surgimento das cidades há mais de 10.000 anos. “No Brasil, as iniciativas de hortas urbanas começaram a surgir no período de migração campo-cidade”, afirma.

A especialista explica que a agricultura praticada nas cidades é feita de diversas maneiras e com objetivos diferentes: ela pode estar voltada para o mercado (como é o caso da Green Sense Farm nos EUA), ser multifuncional, orgânica, ter um sistema agroflorestal e trabalhar com reutilização de resíduos urbanos compostado, ou orientada para subsistência, que é o caso da agricultura voltada para o autoconsumo.

Schwantes considera que incorporar as hortas urbanas na cidade traz benefícios nas três esferas: ambiental, econômica e social. “As hortas promovem mais áreas verdes, contribuem para a regulação climática, absorção e retenção das águas da chuva, utilização dos resíduos orgânicos e diminuição do uso de veículos para transporte de alimento. Quando utilizados os espaços ociosos das cidades, essa prática atua na melhoria da segurança e limpeza. Atua também no envolvimento comunitário e fortalecimento dos vínculos afetivos entre vizinhos. Economicamente, é importante por privilegiar o comércio local ou pela economia do alimento que deixa de ser comprado”, esclarece.

Conheça iniciativas curitibanas

Em Curitiba, espaços urbanos de cultivo têm mudado o cenário da cidade. Uma das iniciativas, inclusive, foi indicada pela Organização das Nações Unidas (ONU) ao prêmio Feed Your City. É o caso da Horta Comunitária de Calçada do Cristo Rei.

Horta Comunitária de Calçada do Cristo Rei

Os moradores de um condomínio residencial localizado na rua Roberto Cichon sempre sentiram a necessidade de cultivar alimentos em suas casas, mas por conta da limitação de espaço, isso não era possível. Foi aí que um grupo de vizinhos decidiu, no final de 2016, dar início ao projeto da horta comunitária. Com ajuda da comunidade e autorização prévia do dono do terreno, foram plantadas árvores frutíferas, ervas, temperos, verduras e legumes no espaço de recuo da área privada que fica em frente ao edifício.

O fotógrafo Daniel Tortora participa da iniciativa desde o início e acredita que a criação da horta teve diversos impactos positivos, pois uniu os vizinhos e possibilitou que a comunidade cultive seus próprios alimentos. “Às vezes, a gente desacredita da humanidade e de repente vê todo mundo se juntando, gastando do seu próprio tempo para cuidar de uma coisa que é para a todos. Isso é bacana”, reflete.

Contudo, em junho de 2017, os problemas começaram a surgir. O proprietário do terreno onde a horta está localizada recebeu uma notificação da Secretaria Municipal de Urbanismo. Segundo Tortora, na época, o argumento utilizado foi de que a calçada estava suja. A comunidade realizou no local um mutirão de limpeza, mas logo em seguida outra notificação chegou. O impasse só foi resolvido quando os representantes da iniciativa conversaram com o prefeito Rafael Greca em audiência pública.

Hoje, o espaço continua sendo mantido pela comunidade, que organiza, através de redes sociais, mutirões de manutenção e plantio. A horta ainda não tem um sistema de irrigação próprio e as mudas e sementes utilizadas são fornecidas, exclusivamente, por moradores. Qualquer um que passe pelo espaço pode colher o que deseja levar, a comunidade só pede que isso seja feita com consciência e moderação para que não falte para os outros.

A professora aposentada Louzane Brandt participa dos encontros sempre que pode. “É uma terapia para a gente que mora em uma cidade”, avalia. Seu filho Daniel Lopes Brandt  também participa do projeto. Formado em relações internacionais, na universidade, estudou casos de países que se preocupam com o meio ambiente. Para ele, é importante que todos se interessem pela causa. “Vai chegar uma hora que a humanidade vai ter que repensar o meio ambiente, porque vai ser questão de sobrevivência”, pondera.

O economista Jorge Luiz Koch se juntou ao grupo há cerca de um ano. Consciente da importância do espaço para a comunidade, começou a realizar pesquisas para agregar conhecimento ao grupo de moradores. Nessa circunstância, conheceu as PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais). “PANCs são plantas comestíveis, que por não conhecer, a gente acha que é mato, mas elas têm alto valor nutritivo”, explica. Hoje, a horta já conta com uma diversidade de espécies de plantas comestíveis, como a ora-pro-nóbis, peixinho e capuchinha.

Mesmo com os contratempos e casos pontuais de depredação, a ideia segue firme entre os vizinhos. Em dois anos, a horta já ganhou destaque internacional e mudou a vida dos moradores locais.

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Horta e Agrofloresta do Centro Cívico

Outra iniciativa teve problemas com a prefeitura de Curitiba. A horta, localizado na Rua Euclides Bandeira, que fica em frente à ciclovia que corta o Bosque do Papa João Paulo II e pertence ao Coletivo Mão na Terra. Em maio deste ano, os organizadores do espaço receberam uma notificação da Secretaria Municipal de Urbanismo de Curitiba para a via ser obstruída.

Um dos idealizadores do Coletivo Mão na Terra, João Felippe Carneiro, formado em  análise de sistemas, explica que a horta em frente à ciclovia foi criada para mostrar que o projeto comunitário do Coletivo vai muito além do muro que separa o terreno da rua. “Foi a forma encontrada para dar visibilidade”, comenta. Segundo ele, o impasse com a prefeitura foi rapidamente resolvido em uma reunião entre os representantes do projeto, secretários municipais e o prefeito Rafael Greca.

Por mais que tenha ganhado reconhecimento após o ocorrido, o Coletivo Mão na Terra surgiu antes mesmo da horta externa. Foi criado  há cerca de um ano e meio para ser um centro horizontal de permacultura e de aprendizado mútuo. “É mais do que cultivar alimento limpo ou em casa, sem depender de agricultor, do caminhoneiro e do sistema. É fazer as pessoas se conectarem e compartilharem conhecimento em prol da sustentabilidade”, explica. No grande terreno, entre as plantações, há um ambiente para troca de ideias, conhecimentos e saberes. Também há uma composteira, uma agrofloresta e um mural de Worldpackers  – plataforma colaborativa que conecta anfitriões do mundo inteiro com pessoas que querem viajar e trocar suas habilidades por hospedagem -.

Atualmente, o projeto possui cerca de 10 membros fixos, mas também conta com voluntários, que em grande parte moram em bairros próximos e participam dos mutirões realizados aos domingos. Em paralelo à permacultura, o Coletivo doa mudas e roupas e promove cursos e rodas de conversa. Essas ações fazem com que o projeto seja mais conhecido e agregam renda ao espaço. “Buscamos nos empoderar fazendo o que acreditamos. É legal que o espaço gire em torno de si”, afirma Carneiro.

 

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Cultivo no quintal

Nos centros urbanos, além de ter a opção de colaborar com iniciativas cidadãs, muitas pessoas têm feito agricultura em casa por meio do cultivo no próprio quintal ou em hortas verticais, em caso de falta de espaço. Por mais interessante que seja ter uma grande variedade de vegetação à disposição, existem plantas mais indicadas para serem cultivadas em ambiente domiciliar. “Se a finalidade do cultivo não for comercial, é recomendada a produção de condimentares e aromáticas de porte baixo, que podem ser colhidas, utilizadas, replantadas e são esteticamente agradáveis”, aconselha a engenheira agrônoma e professora da PUCPR Roseli Frota de Moraes Salles.

A presença do profissional que é capaz de levar comida na mesa das pessoas normalmente não é reconhecida nos meios devidos. “O acompanhamento de um agrônomo é fundamental. Hoje, a gente não vê os profissionais inseridos para direcionar um caminho e indicar procedimentos corretos”, alerta Salles. No caso das hortas, o engenheiro agrônomo pode auxiliar na melhoria de processos, identificar problemas e encontrar soluções. Em relação aos agrotóxicos, por exemplo, os profissionais alertam sobre a proibição da utilização de substâncias pesadas em centros urbanos. Para o controle de pragas é permitido, apenas, o uso de químicos rotulados como orgânicos.

A especialista implementou, no condomínio onde mora, uma horta para utilização de moradores. O projeto ainda é recente. Há cerca de um mês a professora divulgou a data e objetivo do mutirão de plantio, os vizinhos compareceram e foi um sucesso. Para dividir as responsabilidades e manter o espaço, os moradores seguem uma escala. Agora, o próximo passo é organizar um novo encontro para que todos possam colher e usufruir do que foi plantado.

 

 

 

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