População surda de Curitiba queixa-se de falta de inclusão

Sandra Mathias durante um atendimento na Central de Libras
Cerca de 20% da população PCD em Curitiba são deficientes auditivos, segundo IBGE 2022
Por: Giovana Tirapelli, Heloise Claumann e Larissa Croisfett | Foto: Giovana Tirapelli
De acordo com o IBGE, existem 400 mil moradores de Curitiba com algum tipo de deficiência, entre esses, 80 mil são surdos, representando 20% desse grupo. Apesar de serem um número expressivo, esses indivíduos ainda sofrem na hora de conversar com pessoas ouvintes, pois, mesmo falando o português, existem outros obstáculos que dificultam a comunicação. O principal deles é a falta de adaptação dos não-surdos às necessidades alheias.
Richard Bylaardt, 44, é servidor público federal e tem perda auditiva desde o nascimento. Ele comenta que, mesmo sendo fluente em português e Libras, e sabendo leitura labial, enfrenta dificuldades para a comunicação cotidiana. “Nenhum surdo é igual. A maioria não tem conhecimento pleno da língua portuguesa e são mais dependentes da língua de sinais”, afirma Bylaardt. Ele relata que é um privilégio saber ambos idiomas, entretanto não é uma norma.
Além disso, existem diferentes casos de deficiência auditiva que refletem no modo como as pessoas com essas condições se adaptam em sociedade. Izabel Bocatios, 19, estagiária de psicologia, é portadora de otosclerose – uma doença hereditária, a qual prejudica gradativamente a audição. Por mais que consiga ouvir parcialmente, as dificuldades em ambientes sociais são frequentes. “Às vezes preciso fazer leitura labial, e nem sempre as pessoas são compreensivas ou sequer lembram das minhas dificuldades”, afirma.
A dificuldade de comunicação relatada também afeta o âmbito profissional. De acordo com dados do Portal de Inspeção do Trabalho, em 2022, apenas 7.675 das 15.876 vagas empregatícias reservadas para PCDs auditivos em Curitiba estavam ocupadas. Isso conclui que cerca de 52% desses postos de trabalho não estavam preenchidos.
Sandra Mathias é intérprete da Central de Libras de Curitiba e para ela, a presença de pessoas que saibam a linguagem de sinais é essencial em todos os ambientes, principalmente no meio corporativo, já que a falta de comunicação prejudica o entendimento de informações sobre os serviços ou situações. “Que mundo é esse onde eles não entendem o básico e as pessoas acham que é normal?”, indaga Mathias.
Em ambientes sociais é comumente utilizada a escrita como forma de comunicação com indivíduos surdos. No entanto, segundo a intérprete, eles são alfabetizados em Libras, o que os faz ter uma percepção diferente do português. “O português pra eles não é como pra gente. O povo tem mania de dizer que eles sabem ler e escrever, mas não é como nós, é muito diferente da nossa realidade”, relata.
Isso faz com que os surdos tenham dificuldade de convivência. Fausto Siqueira, 71 anos, é surdo desde que nasceu. Ele se comunica através de Libras e leitura labial, e frequentemente busca a ajuda da Central para situações jurídicas e consultas médicas, além de obter apoio emocional. “Eu gosto da central, venho tomar um cafezinho e conversar”, sinaliza.
A falsa inclusão dada pela sociedade aos surdos

Fausto sendo atendido por intérprete da Central de Libras | Foto: Giovana Tirapelli
Alguns estereótipos sociais também dificultam a inclusão de pessoas com deficiências auditivas em situações sociais. A ideia de que todo surdo é mudo, por exemplo, é pejorativa, já que a surdez e a mudez não se relacionam. “É um termo inadequado, uma vez que a surdez é uma deficiência e a mudez é outra […] os surdos têm voz, gritam, cada um fala de um jeito diferente.” explica Bylaardt.
Em adição a isso, a deficiência auditiva é uma deficiência invisível, o que significa que ela não pode ser identificada visualmente. Por isso, foi criado o cordão de girassol, voltado para identificar pessoas com condições invisíveis.
Bocatios utiliza o cordão e, para ela, projetos como esse são essenciais para uma maior integração dessas pessoas na sociedade. “A popularidade deveria ser dada ao cordão de girassol, que não só surdos podem usar, mas várias outras deficiências invisíveis”, expressa Izabel.
Para Sandra, o interesse genuíno pela língua de sinais também é uma solução. “O que você vai fazer com esse conhecimento? Você vai aprender Libras só porque é bonito? Não, tem que aprender porque essas pessoas precisam do direito de serem atendidas na língua delas”, opina.
Central de Libras de Curitiba auxilia PCDs auditivos
Com 10 anos de história, a quantidade de intérpretes ainda não é suficiente
A Libras é o segundo idioma oficial do país, mas apenas 1,8% dos brasileiros com alguma dificuldade auditiva sabem se comunicar através desse idioma, de acordo com o IBGE de 2022. Dos indivíduos com surdez total, somente 35% conseguem sinalizar para se expressar. Isso mostra que uma baixa porcentagem da população adere totalmente à língua de sinais.
Para auxiliar a comunicação da comunidade surda de Curitiba e região metropolitana, foi criada, em 2014, a Central de Libras – parte do Departamento dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Prefeitura. Esse ano, o instituto faz 10 anos, entretanto, conta com apenas 3 intérpretes para atender todo esse território, o que ainda é insuficiente.
A intérprete da Central de Libras, Sandra Mathias conta que o ideal seria as empresas buscarem incorporar pessoas que entendem a linguagem de sinais nas equipes, ou saibam a melhor forma de se comunicar com esse público. Mesmo com dificuldades de atendimento, a Central busca atender todos que necessitam, tanto de forma presencial como online.
Para solicitar o atendimento, é necessário entrar em contato com a Central pelo telefone (41) 32212262 ou números de whatsapp disponíveis no site da Prefeitura, e detalhar local, situação e horário que as intérpretes são necessárias. A Central funciona de segunda à sexta das 8h às 17h.
Confira abaixo entrevista com Sandra Mathias, intérprete Central de Libras de Curitiba: