Pesquisa aponta que 70% do top 10 das bilheterias nacionais da última década são de comédia

Paulo Gustavo é responsável por dar a vida a alguns dos personagens dos principais filmes de comédia nacional dos últimos anos
Mesmo com a preferência por comédia, após a morte de Paulo Gustavo, filmes nacionais de comédia não aparecem no topo das bilheterias desde 2021
Por: Victor Gambetta| Foto: Paris Filmes/ Victor Dobjenski
“RIR É UM ATO DE RESISTENCIA”. Essa é uma das falas mais memoráveis e importantes de Paulo Gustavo, ícone da cultura brasileira e uma das maiores figuras da comédia nacional. A morte do ator em 2021, que parece ter deixado um vazio nos corações dos brasileiros, pode ser apontada como um dos fatores que desacelerou o cinema de comédia nacional. Mas mesmo com isso, não se pode negar que o brasileiro sempre adorou gargalhar na poltrona de uma sala escura segurando um pacote de pipoca. Um levantamento exclusivo feito através do site Cinema B, listou que entre os 200 filmes do top 10 de maiores bilheterias brasileiras de 2020 a 2010, apenas 13% representam filmes nacionais. Desse total de 26 filmes, 18 deles são do gênero de comédia.
Após essa onda de risos, muitas pessoas trocaram seus caras felizes por máscaras, devido a pandemia do COVID-19 em 2020. Desde então, apenas um filme nacional conseguiu aparecer no top 20 de 2021 a 2023. O filme ‘Minha irmã e eu’ parece ter reacendido o desejo dos brasileiros por consumir comédia e se consagrou como a 18º maior bilheteria do Brasil em 2023.
Essa tendência tem aumentado. Ainda em 2024, o filme “Os farofeiros 2” manteve-se em primeiro lugar nas bilheterias das salas de cinema brasileiras por duas semanas, acumulando um total de R$20 milhões, mesmo concorrendo com filmes de grande nome como ‘Duna 2’ e o novo terror da Blumhouse, ‘Imaginário’.
Segundo Marden Machado, crítico e curador de uma sala de cinema de rua em Curitiba, todo esse contexto do cinema brasileiro pode ser explicado por um simples motivo. A comédia é, e sempre foi, o gênero favorito do Brasil. “O gosto pela comédia não é recente, é bem antigo. Historicamente, mesmo antes da popularização do cinema, o teatro mais popular que existia no país era o chamado teatro de revista, que se apoiava no humor”.
A preferência pelo humor apenas se moldou ao longo dos anos, mas nunca mudou. Marden entende que a linha do tempo se inicia no teatro, passa pelo rádio, vai para a TV e se consolida no cinema. Ele ainda ressalta que mesmo que o brasileiro tenha parado de ir ao cinema por conta do COVID-19, uma retomada é bem perceptível a partir de 2023. A produção de filmes que voltou a ativa, resultou também na volta do público às salas de cinema, mais uma vez consumindo o mesmo gênero que antes havia parado.
Alguns filmes têm sido responsáveis por preencher de volta às salas de cinema com risos ao invés, como por exemplo ‘Os farofeiros 2’, ‘Minha irmã e eu’ e até mesmo ‘Evidências do amor’, que mesmo lançado apenas há algumas semanas, já arrecadou mais de R$2 milhões. Mesmo com essa preferência, o crítico comenta que isso não pode ser levado como uma regra para o gênero de comédia mundial. “Tem comédias de outros países que não funcionam aqui no Brasil porque estão muito ligados à cultura do país. E há certas comédias de vários países da Europa, do Oriente e mesmo dos Estados Unidos, que apesar de fazerem sucesso lá, não repetem o mesmo sucesso no Brasil”.
Um dos motivos pelo qual isso pode acontecer é justamente porque a comédia brasileira cativa a população por trazer os aspectos, do mais cotidiano até do mais absurdo, dentro de um contexto de identificação. Todos conhecem alguma pessoa que não sabe contar uma piada sequer, todos têm o tio do pavê. É nesse ponto que Marden bate quando defende o diferencial da comédia do país. Para ele, a maioria das produções cômicas brasileiras funcionam pela habilidade dos atores brasileiros saberem o que o público quer consumir e como oferecer isso a eles. De acordo com o crítico, as pessoas se divertem mais com o tipo de humor físico, aquele humor mais ‘pastelão’.
Essas características, vem diretamente do teatro. São comediantes com esse tipo de bagagem que resultam no sucesso de alguns programas televisivos, e que em seguida são levadas para as telonas, se tornando grandes astros do país. Como principal exemplo disso, ele aborda Paulo Gustavo, que antes de ser o protagonista da maior bilheteria do cinema nacional como um todo, ficou conhecido ao levar para todo o país sua peça ‘Minha mãe é uma peça’. Após isso, o homem por trás de uma peruca com bobs e um vestido florido ganhou destaque no canal Multishow, estrelando programas como ‘220 Volts’ e ‘Vai Que Cola’. Foi justamente a legião de fãs, criada por ele ao longos dos anos e com seus papéis icônicos, que ele se tornou parte importante para o cenário do cinema: “Toda essa bagagem, esse público que ele conquistou com o teatro e com a televisão, migrou e trouxe um público novo para os filmes que ele fez no cinema”.
Dona Hermínia, a mãe do Brasil
Mesmo com Marden afirmando isso, existe um ceticismo em ‘bater o martelo’ nessa afirmação. Porém, muitas pessoas parecem concordar. Em um estilo de pesquisa de campo, de 30 pessoas que responderam a uma simples pergunta de qual o gênero cinematográfico favorito delas, 22 delas corresponderam a afirmação de Marden. Essas pessoas também foram questionadas sobre quais suas produções favoritas e você já pode esperar de tudo. Um senhor de 70 anos e cabelos bem brancos disse amar “Os trapalhões na terra do rei Salomão”.
Uma mulher de salto alto, apressada para o trabalho bem no estilo o diabo veste prada, disse que sempre que “De Pernas Para o Ar” está passando ela e a filha param para ler. Ao mesmo tempo, uma franquia em específico apareceu com mais frequência durante a tarde de perguntas.
Aparentemente Minha Mãe é uma Peça vive nos corações dos brasileiros. Isso se aplica a Christian Souza, um rapaz de 24 anos que estava com uma ecobag e um óculos de sol andando tranquilamente pelo centro da cidade como se vivesse a realidade de Carrie Bradshaw de Sex And the City. Para ele, o cinema braisleiro tem grandes pérolas que muitas pessoas desconhecem ou simplesmente não dão valor por um preconceito com o cinema nacional: “Eu adoro ir no cinema e gosto ainda mais de ir assistir uma comédia brasileira. Acho que eu rio muito mais com eles do que aqueles mais famosos tipo Gente Grande ou As Branquelas porque eles mostram a realidade do país em um contexto que beira o ridículo”. E fazendo parte de uma maioria dos entrevistados, para ele Minha Mãe é uma Peça 3 é um dos melhores filmes de comédia nacional, o longa não apenas representa a realidade de apenas de muitas mães, mas de muitas famílias em geral.
O garoto contou que teve lágrimas nos olhos enquanto assistia ao filme no cinema com seus amigos, porém que chorou mais ainda ao descobrir que Paulo Gustavo deixou esse mundo e milhares de fãs. Isso vai além da história contada nas telas.
Para Christian, o comediante foi de grande importância para ele por representar algo muito simbólico: “Acho que muitas pessoas agradecem até hoje pela existência do Paulo. Não é sempre que você vai ver um homem de vestido e peruca dominando as telas do cinema e da TV. Ele ser assumidamente gay mostrava muito para as pessoas que, independente de quem você era, você ainda podia ser feliz e orgulhoso. Criar uma família e usar a plataforma e o público pra falar de respeito e de amor acima de tudo”. É possível perceber que essa sensação não seja exclusiva dele, mas sim de muitas pessoas. Esse fato pode ser percebido quando se descobre que Minha Mãe é Uma Peça 3 é o filme de maior bilheteria da história do país.
Mesmo com o brasileiro amando uma boa comédia, o cinema teve uma parada brusca em 2020 devido a pandemia. Mas para Marden Machado, outros dois fatores auxiliaram nisso. Para ele, o governo foi muito danoso para aumentar a separação do brasileiro com a cultura de modo geral. “Até 2022, nós tínhamos no país um governo que investiu zero em cultura e fechou as portas das leis de incentivo”. Foi a troca do governo que reacendeu a esperança para aqueles que sentiam falta das comédias ‘pastelão’ nas salas de cinema. E mesmo tendo partido, mais uma vez ele surge como um herói distante em uma capa. Paulo Gustavo deu nome à lei Complementar nº 195/2022. Ela representou o maior investimento direto já realizado no setor cultural do Brasil, que destinou R$ 3,862 bilhões para a execução de ações e projetos culturais em todo o território nacional.
Porém, como a fênix de Dumbledore renascendo após queimar subitamente, o cinema nacional de comédia tem voltado a todo o vapor. Como afirmado por Marden, Cristian também concorda com isso. O jovem ficou quase dois anos sem ir ao cinema devido às restrições do COVID-19, mas tem adquirido o hábito novamente de voltar às salas escuras com aquele mesmo balde de pipoca cheio de manteiga. O último filme que ele viu foi o longa protagonizado por Fábio Porchat e Sandy: “Eu fui com um amigo ver ‘Evidências do amor’ e nossa, eu tinha até esquecido como o brasileiro sabe fazer piada com tudo. Aquela parte que a personagem fala ‘então você é um homem perfeito né? Nossa nunca vi isso’, nessa cena eu acho que fiquei até com falta de ar”. Christian, assim, se tornou mais uma pessoa responsável por trazer de volta às risadas ao país.
Esta reportagem foi desenvolvida na disciplina de Jornalismo Investigativo do curso de Jornalismo da PUCPR.