Paraná tem 140 denúncias trabalhistas relacionadas à Covid-19 em maio

Desrespeito às normas sanitárias e redução de salários são algumas das principais reclamações
Por Letícia Fortes e Vinícius Bittencourt | Foto: Reprodução Google Street View
O Ministério Público do Trabalho do Paraná (MPT-PR) registrou 140 denúncias de irregularidades trabalhistas relacionadas à Covid-19 em maio. Os dados da instituição apontam que o Paraná, com um total de 888 denúncias registradas e 130 inquéritos civis instaurados desde o início da pandemia, é o segundo estado do país em número de reclamações, atrás apenas de São Paulo. Segundo levantamento do aplicativo MPT Digital, 29 denúncias foram realizadas na última semana de abril, resultando em um total de 748 registros. Em maio, a instituição recebeu mais 140 denúncias, registrando em média 35 delas por semana.
Até 20 de maio, as denúncias de violações trabalhistas relacionadas à Covid-19 provocaram a abertura de 130 inquéritos civis no Paraná, procedimentos administrativos responsáveis por investigar a veracidade das alegações veiculadas nas denúncias. No mesmo período, foram instaurados 3.193 inquéritos em todo o país, marcando um crescimento de 82% e de 42%, no Paraná, em relação ao mês passado, quando 1.747 inquéritos civis estavam em andamento no país e 91 no Paraná até o dia 20 de abril.
Setores mais afetados
Segundo o MPT, as empresas de call center concentravam a maioria das denúncias registradas no estado do Paraná no início de março, devido ao grande número de funcionários trabalhando em um mesmo espaço físico. Agora, quase três meses depois do início da pandemia, o MPT registra denúncias de trabalhadores de todos os setores econômicos.
Embora o setor de telemarketing ainda concentre o maior número de denúncias, as queixas de trabalhadores nas áreas de saúde e também da construção civil têm avolumado as estatísticas. A falta de equipamentos de proteção individual nos hospitais e clínicas e o grande número de trabalhadores reunidos nos canteiros de obras e em alojamentos lotados (os quais contam com uma ocupação média de três trabalhadores por quarto) são os principais fatores que aumentam o risco de contaminação desses profissionais.
A procuradora-chefe do MPT-PR, Margaret Matos de Carvalho, afirma que a maioria das denúncias recebidas ainda partem dos funcionários de empresas privadas, regidas pelas normas da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). “A maioria das denúncias são feitas pelos próprios empregados, descontentes com as condições de proteção à saúde. Outra reclamação é o fato de a empresa não afastar os trabalhadores que integram os grupos de risco e os menores aprendizes também, que devem paralisar suas atividades por terem mais chance portar o vírus de maneira assintomática”, revela a procuradora.
As medidas sanitárias têm sido desrespeitadas não apenas pelas empresas privadas, mas também por alguns setores do serviço público. Em relação ao setor estatal, o MPT alega que grande parte das denúncias incluem a falta de equipamentos de segurança e de proteção individual (como máscaras e álcool em gel) e o não afastamento de servidores pertencentes aos grupos de risco, tal qual as empresas privadas.
Visão jurídica
A advogada trabalhista Alice Duarte Mendonça comenta que a pandemia afetou diretamente a economia e o faturamento das grandes empresas, especialmente o setor de comércio e serviços. “Embora o governo tenha adotado medidas para amenizar os impactos da crise, elas ainda não foram suficientes. O endividamento das empresas com certeza é uma realidade durante e depois da pandemia”, afirma.
É importante ressaltar que, mesmo diante das dificuldades financeiras causadas pela pandemia, minimizar os gastos da empresa com obrigações trabalhistas é um crime, visto que contradiz o dever da empresa de reduzir os riscos inerentes ao trabalho, um dos direitos dos trabalhadores protegidos pela Constituição Federal em seu artigo 7º, inciso XXII.
A advogada ressalta que adotar as medidas de proteção aos trabalhadores, além de constitucionalmente correto, é mais vantajoso financeiramente para o empregador. “Essa atitude acaba reduzindo os gastos da empresa, a longo prazo, com uma possível ação trabalhista. Isso porque os gastos a pequeno e médio prazo com EPIs [equipamentos de proteção individual] são bem mais leves em comparação com os gastos jurídicos, visto que, depois de muitas denúncias ao MPT, a empresa fica sujeita ao pagamento de multas bem altas. Além do mais, com os EPIs, menos profissionais se contaminam, e, consequentemente, a empresa terá que afastar menos pessoas do serviço.”
Assim como os demais setores da sociedade, as mudanças no setor jurídico estão acompanhando a descoberta de novos dados sobre o vírus e a evolução da doença. Por isso, muitos Tribunais Regionais do Trabalho, incluindo o do Paraná, têm se posicionado a favor da disponibilização gratuita, por parte das empresas, de álcool em gel 70% e máscara descartável aos seus empregados. Essas medidas são avaliadas positivamente pela advogada, visto que responsabilizam o empregador pela saúde dos funcionários e diminuem a desproporcionalidade da a relação de emprego na maioria dos casos.
Protestos on-line dos trabalhadores
Com o objetivo de dar visibilidade às demandas da classe trabalhadora, a campanha “Muro da Vergonha – Quem coloca o lucro acima da vida”, feita pelo perfil do Instagram Corona Capitalismo, veicula denúncias anônimas de trabalhadores sobre empresas que desrespeitam as medidas sanitárias, reduzem salários, forçam seus empregados a trabalhar sem proteção, demitem ou praticam assédio moral para garantir a produtividade durante a pandemia.
Uma das empresas mais atingidas por denúncias nesse perfil são os Correios, maior empregador do país. Com base no último levantamento realizado pelo sindicato, 5.800 trabalhadores diretos, entre carteiros e atendentes, atuam nos Correios no estado do Paraná. O secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios do Paraná (SINTCOM-PR), Adaílton Cardoso, ressalta que “o que antes era objeto de privatização, agora [durante a pandemia] o governo entende como serviço público essencial”, em referência à assinatura do Decreto 10.282/2020.
De acordo com o secretário geral, o sindicato recebeu as demandas de inúmeros paranaenses trabalhando sem as mínimas condições de proteção e higiene desde o início da pandemia. Uma dessas demandas foi registrada na última segunda-feira (8), quando o sindicato divulgou, em site oficial, o pedido de interdição imediata do Centro de Distribuição Domiciliar da cidade de Londrina, no qual seis dos cerca de 100 funcionários já testaram positivo para a Covid-19.
Além da ação judicial, o sindicato solicitou ao MPT uma fiscalização criteriosa na unidade para constatar a falta de cuidado da empresa com a saúde dos trabalhadores. “Falta tudo nessa unidade. Desde água e sabão líquido a álcool gel, máscaras, luvas e, principalmente, cuidados mínimos de distanciamento e uso de máscaras”, apontou o secretário-geral do sindicato.
O outro lado
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos optou por não se manifestar publicamente sobre as reclamações dos trabalhadores da categoria. Diante da pressão sindical, os Correios emitiram um release no dia 18 de março, anunciando a adoção de uma série de medidas sanitárias nas agências dos Correios ao redor do país.
[box] A Reforma de 2017 e a flexibilização das leis trabalhistas
Além da pandemia, a mais recente Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467 de 2017) também teve grande influência na flexibilização das leis trabalhistas. Visando reduzir indiretamente o desemprego ao diminuir os gastos trabalhistas das empresas, as medidas propostas pela Reforma foram tão amplas que alguns de seus aspectos foram, inclusive, questionados sobre sua inconstitucionalidade.
“É importante refletir que, havendo a diminuição de obrigações trabalhistas por parte dos empregadores, não pode haver exploração dos trabalhadores, já que a flexibilização aconteceu para se adequar à nova realidade”, afirma a advogada trabalhista Alice Duarte Mendonça, em referência à crise econômica que acompanhou o governo Temer e se estende até hoje. “Posto isso, o empregador não pode se utilizar da legislação flexível para desrespeitar os direitos do funcionário”, ressalta a advogada.[/box]