Obra ameaça cerca de 4 mil araucárias no Paraná

por Leticia Fortes Molina Morelli
Obra ameaça cerca de 4 mil araucárias no Paraná

Rio Iapó - Cânion do Guartelá - Campos Gerais - PR

Ofício do MP-PR revela que a obra da empresa Engie foi subdividida em partes menores para que a fiscalização ambiental passasse para o poder estadual, e não federal. 

Por Juliane Capparelli e Letícia Fortes | Foto: Observatório Justiça e Conservação – Divulgação

Uma obra cercada de controvérsias ameaça uma área do Paraná, nos Campos Gerais, que abriga aproximadamente 4 mil araucárias, numa extensão correspondente a 220 campos de futebol. As árvores estão sendo derrubadas pela multinacional francesa Engie, vencedora do leilão para a instalação de mil quilômetros de torres de transmissão de energia elétrica até setembro de 2021. A licença ambiental foi concedida em outubro do ano passado pelo Instituto Água e Terra (IAT), organismo de licenciamento estadual. Mas ambientalistas e representantes dos Ministérios Públicos Estadual e Federal alegam que o projeto deveria ter sido submetido ao Ibama. 

O órgão ambiental federal alega não ser responsável pelo licenciamento da obra porque, ao considerar os empreendimentos individualmente, ou seja, a instalação de cada torre, nenhum deles atingiria os limites definidos pelo decreto federal que define a competência do Ibama. Para ambientalistas, essa manobra permitiu que se aumentasse a cobertura de desmate total da obra, o que pode prejudicar o equilíbrio do ecossistema, as reservas ambientais e o turismo ecológico na região.

Os impactos ambientais da obra foram medidos por um estudo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), feito a pedido do Observatório de Justiça e Conservação, uma organização sem fins lucrativos que defende a legalidade e a transparência na área socioambiental. Os pesquisadores identificaram que a obra exigirá o desmatamento de 400 quilômetros de áreas verdes, afetando ao menos 30 comunidades indígenas e/ou quilombolas e prejudicando o turismo ecológico no interior do estado. 

O projeto foi aceito em 2017, quando a empresa Engie venceu um leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e obteve o direito de instalação das torres de transmissão. Os objetivos do licenciamento foram reforçar o sistema de energia elétrica e gerar empregos no Paraná.

Impactos ambientais

Um dos especialistas responsáveis pelo estudo, o geógrafo Eduardo Vedor, aponta que as consequências desta obra vão além do desmatamento. “Outra questão importante é a fragmentação dos ecossistemas da região”, afirma. “Por exemplo, existe um projeto de criação de uma unidade de conservação de proteção integral na bacia do Rio Tibagi, para conectar algumas unidades já existentes na região, como o parque Estadual de Vila Velha. Com a construção dessas torres, a conectividade entre estas unidades de preservação será ainda mais comprometida.” 

Vedor também alerta que os impactos ambientais provocados pela obra podem ser irreversíveis. “Embora as torres passem a pouco mais de cinco quilômetros do Parque Estadual de Vila Velha, vimos que essas torres serão visíveis em várias porções do parque. Então, ficou claro que o impacto paisagístico sobre as florestas de araucárias, um patrimônio cultural do estado, não foi devidamente estudado.”

Apesar de o leilão ser organizado pelo governo federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informa que o Instituto Água e Terra, órgão ambiental do Paraná, seria o responsável por estabelecer os parâmetros do licenciamento. Para o grupo de estudos da UFPR que analisou as licenças, não houve transparência no processo. Um dos sinais seria o de que a empresa Engie não divulgou a localização exata por onde as torres vão passar.

“Sem transparência, não acessamos as informações, não conseguimos dialogar e, consequentemente, fica praticamente impossível qualificar o processo”, diz Vedor. “Os termos de referência, por exemplo, são documentos no âmbito do licenciamento ambiental básicos, no qual o órgão ambiental licenciador, no caso o IAT (Instituto Água e Terra), apresenta o escopo mínimo do estudo ambiental. Nós [pesquisadores] levamos mais de 120 dias para acessar esses documentos e conseguimos apenas por vias judiciais, mesmo se tratando de um documento público.” 

O estudo da UFPR, encomendado pelo Observatório de Justiça e Conservação, foi enviado ao Ministério Público do Paraná e ao Ibama, para solicitar a realização de um novo estudo de impacto ambiental junto ao governo federal. 

Além de avaliar os impactos futuros da obra, o estudo também propôs algumas estratégias para reduzir os prejuízos ambientais. “Entregamos ao Ministério Público opções de ajustes de traçado, que desviem a instalação das torres de florestas, assentamentos do Incra, comunidades tradicionais e unidades de conservação e, principalmente, de áreas de interesse turístico, como a colônia Witmarsum e São Luiz do Purunã.” 

Segundo o pesquisador, o objetivo do estudo é apenas apontar as falhas técnicas do empreendimento. “Uma dessas irregularidades é, por exemplo, o fato de o estudo não considerar uma resolução do Paraná que fala exclusivamente sobre a preservação de áreas úmidas”, diz Vedor. “Existe um potencial de cavernas gigantesco na região das obras. Um grupo de espeleólogos especialistas identificou dez cavernas nesse trecho, mostrando que a Engie não seguiu o protocolo de levantar as informações tal como as normativas nacionais vigentes. Por isso, apontamos recomendações técnicas de como qualificar esse processo.”

 

Intervenção do MP-PR

Por ofício, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) pediu a paralisação das obras. Os promotores alegam que o dano ambiental ocorrido no início das obras, entre 2018 e 2019, ocorreu em áreas de floresta em estágio médio, protegidas pelo artigo 5.º da Lei da Mata Atlântica. Esse artigo prevê que as árvores em qualquer estágio de regeneração do bioma Mata Atlântica não devem ser derrubadas, pois elas não perdem essa classificação em casos de incêndio, desmatamento ou derrubada ilegal.

O Parecer Técnico do Núcleo de Biodiversidade e Florestas (Nubio-PR) do Ibama, feito para visualizar o alcance das obras ainda no início das construções, determinou que 49,62 e 44,24 hectares de vegetação seriam derrubados para instalação das torres dos trechos 1 e 2, respectivamente. No entanto, uma vistoria do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo (CAOPMAHU) do MP-PR identificou que 0,42 hectares desmatados para a instalação de duas torres do grupo 1 não foram contabilizadas no Estudo de Impacto Ambiental da obra feito pela Engie.

Caso as obras continuassem no mesmo ritmo, os hectares desmatados para a instalação de todas as torres de transmissão superaria o estimado. A fim de evitar essa devastação, o Ministério Público pediu judicialmente a interrupção das obras até a realização de novos estudos. 

“Acreditamos que a interrupção do empreendimento trará benefícios para toda a sociedade paranaense e, no período de dois a três anos, poderemos pensar em ajustes de traçado para a instalação das torres, para retomar a implantação do empreendimento de maneira consistente”, defende o pesquisador Eduardo Vedor, do grupo de estudos da UFPR. 

 

O outro lado

O Instituto Água e Terra, que aprovou a realização das obras, afirmou que o licenciamento está de acordo com a lei. Sobre as consequências que a obra gerará tanto para o meio ambiente quanto para a população afetada, o instituto afirma que haverá uma compensação e que ela não será baixa, mas não apresentou mais detalhes. 

Uma nota divulgada pela Engie Brasil afirma que os impactos ambientais das linhas de transmissão são reduzidos. Segundo a empresa, a obra não afeta a agricultura local e procura evitar áreas de preservação, como reservas particulares de patrimônio natural, reservas legais, unidades de conservação de proteção integral, núcleos comunitários, urbanos e turísticos consolidados. 

Em relação aos imóveis interceptados pelas linhas de transmissão, a Engie informa que os proprietários estão sendo indenizados e que, além da contribuição ao desenvolvimento econômico, o projeto gera múltiplos benefícios nas comunidades locais, sendo a geração de empregos a principal vantagem. 

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