Nova normativa do Departamento Escolar ocasiona crise em agremiações estudantis

por Lara de Oliveira
Nova normativa do Departamento Escolar ocasiona crise em agremiações estudantis

Colégio Cruzeiro do Sul, atualmente cívico militar.

No mês de março, diferentes escolas receberam uma normativa informando que os grêmios serão prorrogados e terão como obrigatoriedade ter dois anos de gestão a partir de 2025

Créditos: Lara de Oliveira| Foto: Lara de Oliveira

No dia 12 de março, uma nova normativa da Diretoria de Planejamento e Gestão Escolar (DPGE), encaminhada pelo Departamento Escolar, afirmou que a partir de 31 de março de 2024 todos os grêmios comunicados seriam prorrogados. A Informação Nº 02/2024 – DNE/DPGE/SEED conclui que a partir de 2025 será obrigatório que as agremiações tenham dois anos de gestão, contrariando o que era feito na maioria das instituições, as quais usavam apenas um ano. A decisão dividiu opiniões e perpetuou problemas antigos, como a falta de incentivo à autonomia de agremiações estudantis. 

1. Os atuais mandatos das diretorias dos Grêmios Estudantis das instituições de ensino da rede pública estadual serão prorrogados até o 1o dia letivo de 2025.

2. Para os Grêmios Estudantis com mandato vencido ou a vencer em março e estão organizando as eleições neste momento, a Ata de Posse deve ser protocolada até 31 de março de 2024, para envio ao NRE. Nesses casos, o  mandato da diretoria eleita será até fevereiro de 2025, sem possibilidade de reeleição.

(Trecho retirado do documento encaminhado pelo Departamento Escolar)

O movimento estudantil existe no Brasil há mais de cem anos. São instâncias, sem fins lucrativos, que promovem ações feitas por estudantes para os estudantes. Apesar de existir uma co-dependência de outras partes de um colégio, o grêmio tem autonomia para dizer e fazer o que não está sendo feito. Os estudantes reconhecem a decisão tomada pelo Departamento Escolar como válida porque “um ano de mandato não é um tempo que você consegue desenvolver tanta coisa”, mas se mostram descontentes na maneira como foi feito, pois, por lei, não cabe ao DPGE definir o tempo de gestão das agremiações. 

Cada colégio e cada gestão tem sua particularidade e reconhece o que é melhor ou pior. A falta de aviso prévio e de consulta aos estudantes resultaram em vacâncias durante os mandatos de diferentes grêmios. 

Alguns dos alunos que compunham as agremiações estavam cursando o último ano do Ensino Médio e não concordaram em continuar na organização. Os que aceitaram os novos termos viram grandes dificuldades. É o caso de Raissa Campos, de 16 anos, vice-presidente do grêmio estudantil do Colégio Protasio de Carvalho, que assumiu a posição de extrema relevância no segundo ano do Ensino Médio, imaginando que o mandato acabaria no primeiro trimestre de 2024. Não eram seus planos permanecer na organização. “Não posso estar presente em todas as reuniões, não consigo realizar nenhuma atividade à tarde por conta do meu trabalho e também já não tenho tanta disposição para desempenhar meu papel como antes.” 

Em conversa com a Secretaria da Educação, por troca de e-mails, foi esclarecido que realmente não houve votação dos estudantes. “No entanto, os argumentos emanaram da escuta de diretorias dos grêmios. Esclarecendo que em momento algum tivemos intenção de cerceamento da participação dos envolvidos.” A SEED afirma que a decisão foi tomada após reuniões com os técnicos dos Núcleos Regionais de Educação (NREs), que acompanhavam a citada demanda e sugeriram a prorrogação do mandato, tendo como argumento que um ano não era suficiente. A sugestão foi fruto da percepção da atuação interativa dos grêmios junto às instituições de ensino. 

Hewerton da Silva, de 14 anos, faz parte do grêmio do Colégio Estadual Cívico Militar Cruzeiro do Sul e afirma que para ele e sua gestão faz sentido a mudança para dois anos, mas a forma que foi feita deixa muito a desejar. “Para o aumento desse mandato ter acontecido, deveria ter sido realizado novas eleições, com alunos que tenham interesse em assumir por dois anos”. Ressalta ainda a falta de sentido em tal decisão ser tomada naquele momento, visto que o ano letivo estava pela metade. Hewerton e sua gestão entendem que uma nova eleição deveria ser feita. “A opinião de todos os alunos deveria ser levada em consideração”.

Segundo o IBGE, na capital paranaense, atualmente temos cerca de 494 escolas de ensino fundamental e 206 de ensino médio. Em 2022 foi instituído pela Secretaria da Educação uma normativa de que todos os colégios do estado deveriam ter grêmios em aproximadamente um mês, iniciativa que implantou agremiações em 146 escolas diferentes. A prática foi necessária e de grande importância, mas abriu portas para alguns problemas em diversas instituições.

O atual Diretor de Escolas Públicas da União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (UPES), Gustavo Belão, destaca como o Paraná construiu um histórico de grêmios fortes e um movimento estudantil atuante que infelizmente se perdeu na pandemia da Covid-19. “Houve uma troca geracional nas escolas e, com isso, houve também um número expressivo de desconstrução de grêmios nas instituições”. O cenário encontrado após ensino à distância era de estudantes desmobilizados e desinformados sobre as lutas estudantis. Resquícios do movimento ainda existiam em algumas escolas que possuíam grêmios fortemente estabelecidos, essas instituições e o trabalho de entidades estudantis foram essenciais para a reconstrução da luta dos estudantes.

Sophia Cloches Guedes, de 18 anos, participou da antiga gestão do grêmio do Colégio Estadual Cívico Militar Jayme Canet, que, na época, em 2022, ainda não era militar. Ela conta que houve mobilização dos estudantes para a criação de um grêmio em 2019 e, apesar dos problemas com a direção do colégio, isso de fato ocorreu, mas com a pandemia os integrantes saíram e a instância se dissolveu. Foi em 2022 pela normativa da SEED que montou uma chapa e ganhou. Mesmo assim, afirma que o estatuto que seguiam era algo próprio feito em anos anteriores, não o da Secretária de Educação. “A gente teve alguns problemas, assim, com a direção para fazer as coisas na escola, sabe?”

O Grêmio Estudantil do Colégio Estadual do Paraná (GECEP) é um dos mais atuantes e influentes no cenário do movimento estudantil há muitos anos. O GECEP se consolidou como um exemplo. No final de 2022 levou os estudantes para a rua, garantindo, junto a direção, o regime especial da instituição. Beatriz Regina Drzevieski, de 17 anos, é a atual presidente e mostra preocupações com a atual normativa do Departamento Escolar referente a dois anos de gestão. Comenta como a parte do trabalho poderia ser mais eficiente, sim, mas privaria diversos alunos que cursam o terceiro ano do ensino médio da oportunidade de participação, pessoas mais maduras e experientes essenciais nas agremiações. “Esse documento tira completamente a autonomia daquilo que deveria ser um grêmio. A gente já tem há alguns anos a Lei do Grêmio Livre que tá em vigor aqui no Brasil. E ela é soberana a isso”. Beatriz faz menção à parte jurídica e posteriormente acrescenta: “A partir do momento que é colocado normativas sobre aquilo que, pela lei, estaria sendo livre, eles também estão sendo inconstitucionais, sabe?”.

A lei nº 7.398, de 4 de novembro de 1985, conhecida como a Lei do Grêmio Livre, assegura a organização de grêmios estudantis como entidades autônomas representativas dos interesses dos estudantes secundaristas. Art. 1º – § 2º – A organização, o funcionamento e as atividades dos Grêmios serão estabelecidas nos seus Estatutos, aprovados em Assembleia Geral do corpo discente de cada estabelecimento de ensino, convocada para este fim.

Jornalismo Investigativo - Série especial do Comunicare

 

Esta reportagem foi desenvolvida na disciplina de Jornalismo Investigativo do curso de Jornalismo da PUCPR.

 

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