Mulheres encontram dificuldades de atuação em cargos políticos

por Carla Giovana Tortato
Mulheres encontram dificuldades de atuação em cargos políticos

Dificuldades começam ainda no período da campanha:  são poucas as candidatas que conseguem se eleger

Por Carla Tortato, Gabriela May e Gustavo Ferraz

As mulheres são a maioria da população brasileira, cerca de 51,6% de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mas, ainda assim, encontram grande dificuldade para conseguir representação na política, lugar majoritariamente dominado por homens. As dificuldades começam ainda no período da campanha e, mesmo com as cotas que determinam 30% das candidaturas destinadas a elas, são poucas as que conseguem se eleger.

Para as que se elegem surge outro desafio, o de conseguir atuar no ambiente político. A cientista política Luciana Panke, professora e pesquisadora que está entre as 12 mulheres mais influentes da comunicação política no mundo (pela The Washington Academy of Political Arts & Sciences 2016) trata de como é a situação das mulheres nesses cargos.

1) Como é a situação das mulheres na política?

R:Não apenas no Brasil, mas na América Latina e na maioria dos países a representação feminina é muito limitada. Não apenas por questão legal (leis afirmativas, que podem favorecer a entrada das mulheres na política), mas também por questões culturais. Então existe uma subrepresentação, as mulheres praticamente não estão na política eleitoral. Isso é uma questão importante de caracterizar, elas quando entram têm uma série de dificuldades. É importante pensar na questão da política não apenas como política eleitoral. Eu tenho observado bastante que as mulheres estão em ação política, estão em associações, em ongs, elas estão em outras formas de articulação política, mas não nessa eleitoral partidária maior.

2) Há perfil das mulheres que trabalham na política?

R:O traço em comum das mulheres que estão na política é a iniciativa, a proatividade, mulheres que têm perfil de “tomar a frente”, de liderança. E uma das questões que eu observei na pesquisa que eu realizei na América Latina toda é que a origem das mulheres na política pode ser sintetizada em três caminhos. O primeiro caminho são as mulheres que nasceram já em famílias políticas, então a origem da mulher na política é familiar. Outro caminho de chegada das mulheres na política é aquele no qual as mulheres já participavam como líderes de sindicatos, de ONGs, de associações de bairro, ou associação de escolas;  elas já tinham liderança de outras áreas e partiram para a política eleitoral. Por fim, outro caminho são mulheres que se destacam em suas áreas de atuação profissional, por exemplo, médicas, advogadas, agrônomas, professoras; são mulheres que têm um destaque profissional e se motivam a participar da política eleitoral, ou até são convidadas dentro dos partidos para concorrer e entram nesse caminho.

3)Quais as principais dificuldades que as mulheres enfrentam?

R: Entre as principais dificuldades que as mulheres eleitas acabam enfrentando, está ser ouvida, que é uma das questões principais. Porque a política é masculina, feita por homens, para uma sistemática masculina. Assim, a política é muito morosa, burocrática, cheia de articulação, de conversas e eu tenho observado que essas mulheres que eu tive contato elas são ativas, querem resolver as coisas e o ritmo acaba sendo diferente, então essa acaba sendo uma dificuldade. Os horários funcionam quando as mulheres são obrigadas a cuidar de outros afazeres como os domésticos (família, filhos, etc.).

Mas principalmente ser escutada [é a principal dificuldade], conseguir apresentar projetos, articular, chegar e ser respeitada nos espaços políticos e também de estar na mesa de decisão. Eu passei por uma experiência interessante, esse ano eu fui convidada para dar uma palestra na Bolívia, um país que eu tinha a maior admiração em relação a representatividade feminina porque a Bolívia é um dos primeiros no mundo em termos de representação, cerca de 52% da Câmara dos Deputados lá é composto por mulheres. Assim, para mim esse problema não existia na Bolívia, mas o que acontece lá e em outros países [também] é que as mulheres estão no parlamento, mas elas não têm voz nas mesas de decisão. Então elas estão lá, mas não estão, por exemplo, nas comissões ou como presidentes de mesa, cargos mais decisivos dentro de uma assembléia.

4) Há machismo na política?

R: O machismo na política existe bastante e ele acaba refletindo toda a realidade da sociedade. Primeiro gostaria de caracterizar o que é o machismo, ele é uma forma de ver a vida, as pessoas que são machistas, isso pode ser mulher, pode ser homem, independente da orientação sexual, até já ouvi dizer que todos somos um pouco machistas, essa forma de ver a vida ainda está tão enraizada que quando a gente vê acaba tendo atitudes machistas até sem perceber. E esse machismo significa atribuir características masculinas como se fossem melhores que as femininas e também acreditar que cabe ao homem tomar as decisões, ter a última palavra, o papel ativo e que a mulher tem o papel de submissão, de acatar as ordens, sugestões ou então os encaminhamentos masculinos, caberia à mulher um papel secundário.

Quando a gente repete piadas que questionam por exemplo a capacidade da mulher dirigir ou quando dizem a frase “atrás de um grande homem tem uma grande mulher”. São afirmações que vão mostrar uma cobrança de comportamentos para a mulher e que colocam ela como realmente secundária. Pela cultura machista é a mulher que é responsável pela criação dos filhos, ela é quase obrigada a maternidade, como se ser mulher fosse um sinônimo de ser mãe. Mas a maternidade na verdade é construída, ela não deveria ser uma obrigação e nessa cultura machista só se admite mulher como mãe.

Então na política ela se reflete porque várias das atividade ocorrem a noite e a mulher é socialmente cobrada para cuidar dos seus filhos e da casa. Assim, elas não conseguem participar desses eventos, jantares ou reuniões a noite, esse é um dos exemplos. Outro exemplo é a insinuação da capacidade feminina, várias das minhas entrevistadas se queixaram disso, que elas eram questionadas em relação ao seus saberes. Um comentário de uma das minhas entrevistadas, uma deputada federal mexicana, que em um jantar, um dos deputados falou sério que as mulheres para serem deputadas deviam fazer um teste para saber se elas sabiam cozinhar e passar roupa. Ela respondeu pra ele que os homens deveriam passar pela mesma coisa.

Então, explicitamente e implicitamente, os homens na política acabam dizendo que aquele não é um lugar das mulheres. Como elogios por exemplo, as roupas, o cabelo, “você está embelezando o lugar”, a mulher não está lá para embelezar, ela está lá para trabalhar. Então várias mulheres ficam muito ofendidas, chateadas e os homens muitas vezes tratam as mulheres assim mesmo dentro dos partidos. As mulheres estão lá,  grande parte dos partidos brasileiros têm, no mínimo, a metade de mulheres, mas as diretorias são compostas por homens, uma outra forma de machismo. Como se elas tivessem lá particuladas, pra arrumar o cafezinho, reunião, etc. Outro caso que uma entrevistada boliviana comentou, ela é deputada e quando ela ia falar via cara de deboche, risadas, homens que ridicularizavam a fala feminina.

5) Há situações de assédio por parte dos próprios companheiros de trabalho?

R: O assédio existe, tanto o moral como o sexual. O moral está relacionado a ridicularização do discurso, a pressão, a questionamentos constantes da atuação política dessa mulher. O sexual está a partir de insinuações, de convites e elogios. Das minhas entrevistadas, algumas já tiveram problemas explícitos nesse sentido e outra de forma não explícita e boa parte delas acaba tomando uma atitude bem reservada, evita estar em jantares e outros eventos porque existe esse assédio sim.

6) Por que as mulheres muitas vezes quando tem que se impor no meio político acabam levando fama de histéricas e loucas, enquanto os homens conseguem respeito?

R:Quando as mulheres acabam se impondo, elas acabam refletindo um modelo que vai dizer que se impor ou usar a força é uma característica masculina. Portanto, quando a mulher se impõe ela é chamada de louca, de histérica, de exagerada; porque isso está relacionado com o padrão do feminino submisso. Quer dizer, o que se espera do feminino é que seja delicado, receptivo, que seja o que ouve, que acolhe; isso não está relacionado diretamente com a força, com erguer o tom de voz ou com uma atitude um pouco mais firme. Agora com relação ao homem, se espera da masculinidade que seja ativa, forte, que o cara até fisicamente mostre força. Se ele fala grosso, alto, quer dizer que ele é forte, másculo, de atitude. Enfim, acaba rotulando, usando adjetivações que são positivas, essa que é a diferença porque existe estereótipos do que seria o masculino e do que seria o feminino. Então, da mesma forma que a mulher pode sofrer estereótipo de gênero, o homem também. Porque até se o homem tem um tipo físico mais magro ou se não é forte no falar ou na hora de iniciativa, ele também pode sofrer o mesmo tipo de violência de gênero, por não corresponder a um padrão que era desejado, que é estipulado socialmente.

Este conteúdo faz parte de uma reportagem sobre o tema publicada na edição #314 do jornal impresso Comunicare. Confira, abaixo, a edição digitalizada do jornal.

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