Mesmo com nova lei, seis mil crianças ainda esperam na fila da adoção

Com o intuito de facilitar o processo institucional, regulamento que promove celeridade de adoção completa um ano
Por Isabelli Pivovar, Laura Borro e Maria Fernanda Coutinho
Após um ano da aprovação da Lei nº 13.509/2017, que busca acelerar o processo de adoção no Brasil, seis mil crianças e adolescentes ainda aguardam na fila para adoção e pouco menos de 40 mil pretendentes na fila. Por esse motivo em 23 de outubro de 2017 foi sancionada a lei 13.509/2017, que tem como principal objetivo acelerar o processo da adoção de crianças e adolescentes e limitá-lo a até 18 meses, entre outras medidas.
Antes da sanção da lei 13.509/2017, o processo completo deveria levar em média dois anos até a efetivação da adoção. Porém, no sistema brasileiro, com a escassa estrutura institucional e excesso de burocracia por parte dos profissionais que se encarregam do processo –juízes, psicólogos e assistentes sociais–, tê-lo completo poderia levar o dobro, ou mais, do prazo. Parte da burocratização se deve ao fato de o juiz ter 24 meses para tentar reinserir a criança na sua família de origem, mesmo que a mesma já esteja separada e em um abrigo. A psicóloga da Recriar: Família e Adoção, Ana Lúcia Grochowicz afirma que: “Existe sim, na Lei, claramente definido que todos os esforços sejam feitos para que essa criança possa permanecer com a sua família. O cuidado que as equipes técnicas devem ter é de ver caso a caso, porque existem situações gritantes em que aquela reconciliação familiar não tem condição de acontecer e casos em que as famílias conseguem se organizar e se reaproximar dos seus filhos”.
Outra adversidade encontrada no processo é a divergência do perfil da criança institucionalizada para a de quem procura adotar exige. “São praticamente 36 mil candidatos para adotar uma criança e 6 mil crianças que estão aptas a serem adotadas no território brasileiro, o que dá uma questão de 6 casais para uma criança. Em específico: uma menina, de 0 a 3 anos, branca. Essa criança não existe, na maioria dos casos, e é por isso que o processo trava, pois o casal procura adotar uma criança que não existe e as outras crianças, que não se encaixam no perfil, vão ficando mais velhas e saindo da faixa de idade em que estão aptas a adoção”, afirma Ana Lúcia. Um obstáculo se dá também pela separação de irmãos, segundo o CNA, enquanto 64,76% dos pretendentes exigem apenas uma criança, 64,05% das crianças institucionalizadas os possuem.
Preferência na fila de adoção para interessados em adotar grupos de irmãos, crianças e adolescentes com deficiência, doença crônica ou necessidades específicas de saúde, estão entre as novas medidas aprovadas pela Lei e incluídas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Outra medida é a redução do tempo de reavaliação da situação da criança, ao que diz respeito à sua família biológica, para entre três e seis meses.
Arabella Galvão, mãe de dois filhos adotivos, conta que a ideia da adoção surgiu intuitivamente na juventude, quando ainda namorava Fábio, seu marido atualmente. “Naquele momento ainda era uma ideia de “após ter um filho biológico, vamos adotar”. Três anos depois do nosso casamento nós começamos a tentar ter um filho e não conseguimos e descobrimos que tínhamos alguns problemas de saúde que dificultavam a gravidez, fizemos algumas fertilizações in vitro sem sucesso e resolvemos partir para a adoção, que já era uma ideia que a gente tinha internalizada e que resolveria o nosso problema: a gente queria ter filhos. Não importa de qual fonte seria.” Para a designer e professora de expressão gráfica, a demora no processo também é influenciada pelos futuros pais que exigem perfis muito específicos de crianças. “Quando eu fiz a entrevista me perguntaram quais eram os meus critérios, os meus desejos, e eu não coloquei muitas limitações de idade, eu não queria ficar na fila por 5 anos esperando um bebê recém-nascido, eu queria ser mãe. E eu acho que criança não tem prazo de validade”. Arabella ainda afirma que “quando as pessoas reclamam muito da demora na fila de adoção muitas vezes o problema não é das crianças e nem do Governo, o problema é das pessoas que querem adotar”.
Outro projeto, feito pelo GAACO, em parceria com a Corregedoria-Geral da Justiça do Paraná (CGJ) e o Conselho de Supervisão das Varas de Infância e Juventude do Paraná (CONSIJ), e com o apoio do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-PR) e do Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR), foi o aplicativo A.DOT, lançado em maio deste ano. Por meio de dados, fotos e vídeos das crianças e adolescentes institucionalizados, o software promove visibilidade a jovens que estão fora do perfil da maioria dos pretendentes. “Muitas das crianças que já estão lá há 10, 11, 12 anos, estão lá por que são invisíveis. São invisíveis para a sociedade e todo o processo. Quando a gente tira do anonimato essa criança, quando a gente dá uma cara pra ela, uma voz, uma história e um sentimento, isso gera vínculos afetivos”, declara a presidente do GAACO, Adriana Rendak. O aplicativo está no ar há dois meses e o grupo já obteve uma adoção e dezenas de crianças com pedidos de aproximação.
A adoção no mundo
- Estados Unidos: a adoção é descentralizada. A adequação da família é avaliada pela agência de adoção com os serviços sociais de cada cidade. Depois o estágio de convivência, o processo leva em média seis meses, dependendo das exigências dos adotandos.
- Holanda: dois terços das crianças adotadas são estrangeiras, isso porque os pais biológicos holandeses podem reclamar a guarda durante o primeiro ano e o tempo médio de duração do processo, em média quatro anos. Candidatos acima de 46 anos são impedidos de adotar, mesmo que estejam no processo.
- Canadá: as crianças mais velhas e adolescentes são encaminhadas pelo Estado a lares provisórios, enquanto os bebês recém-nascidos, normalmente, são colocados para adoção por agências privadas. Essas são preferíveis às governamentais, que levam em média oito anos, porém apresentam custo elevado.
ONGs e projetos impulsionam adoções
O número de adoções cresceu 116% nos últimos 3 anos no Paraná, segundo informações do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR). Isso se dá, principalmente, pelos esforços de grupos e ONGs como o Grupo de Apoio Adoção Consciente (GAACO), que auxiliam não apenas as crianças, como também os futuros pais e mães. A Recriar trabalha com dois projetos principais, o Apadrinhamento afetivo e o Apoio à adoção, ambos com o objetivo de proporcionar às crianças e adolescentes, uma convivência familiar e comunitária, como é o caso do projeto de Apadrinhamento que possui o intuito de oferecer o direto da convivência familiar e comunitária que fora negado às crianças pela Instituição, além de preparar as famílias para o recebimento da criança com palestras abertas ao público que conta com profissionais –médicos, psicólogos, funcionários de abrigos e até da própria vara da infância– tratando de um assunto referente ao tema da adoção. Para a advogada e presidente da organização Recriar, Elza Dembiski, os abrigos não possuem a afinidade e apego estabelecidos por uma família. “É um pré-natal para a adoção”, avalia Elza.
Este conteúdo faz parte de uma reportagem sobre o tema publicada na edição #314 do jornal impresso Comunicare. Confira, abaixo, a edição digitalizada do jornal.