Festival de Teatro de Curitiba tem concentração em regionais com maior renda da cidade

Mais de 80% dos espaços ofertados pela Fringe 2020 se localizam na Matriz, regional com maior rendimento médio de Curitiba
Por Lorena Rohrich
A 29° edição do Festival de Teatro de Curitiba migrou para plataformas online e teve início no dia 17 de setembro. O evento é um dos mais relevantes no cenário das artes no Brasil e em Curitiba apresentando estreias e espetáculos premiados do país. Para este ano, a programação estava prevista para os dias 24 de março a 05 de abril, mas por conta da pandemia do coronavírus (COVID-19) foi adiada e reformatada. Em nota, a equipe do Festival de Teatro anunciou, em junho, que as atrações, então exclusivamente montadas por profissionais curitibanos, seriam organizadas “em 12 espaços abertos espalhados pela cidade e apresentadas gratuitamente ao público”. A nova edição ficou remarcada, então, para os dias 17 e 27 de setembro.
Desde o início da pandemia, a equipe se comprometeu em seguir as recomendações das autoridades competentes, embasadas cientificamente, e para tal decidiu abrir o evento em ambiente virtual. Nessa nova proposta levou 6 espetáculos gratuitos para o canal do Youtube do festival e outras plataformas na internet. Além de apresentações, a programação contou com lives, cursos e outras atividades. “A versão ao ar livre permanece programada e irá acontecer assim que as condições forem propícias.”
Essa reportagem, criada para o Portal Comunicare – intitulada “Festival de Teatro de Curitiba tem concentração em regionais com maior renda da cidade” – tem como objetivo mapear as apresentações do evento espacialmente e temporariamente trabalhando-se com a hipótese de que localização e horário podem evidenciar falta de acessibilidade às apresentações. O material foi desenvolvido a partir da análise da proposta inicial do Festival de Teatro de Curitiba, anterior à pandemia.
Os dados utilizados para o desenvolvimento da reportagem foram captados do banco de dados do próprio Festival de Teatro de Curitiba, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, Ippuc – Nosso Bairro.
As exibições do Festival de Teatro de Curitiba se concentram nas regionais com maior renda da cidade. Dos 69 espaços que oferecem exibições da Fringe 2020 e da Fringe: Mostras Especiais 2020, 57 estão localizados na Matriz de Curitiba. Segundo dados do Ippuc 2010, a essa é a regional com maior rendimento médio da cidade, somando R$6.456. Seguindo nesse ranking estão as regionais Portão, com R$5.294, e Santa Felicidade, com R$ 4.822, correspondentemente, sendo essas as regionais que também abrigam maior número de espaços dessas categorias no Festival de Teatro de Curitiba.
As performances da Fringe 2020 e Fringe: Mostras Especiais 2020 somam 348 espetáculos. Dessas, 171 são exibições acessíveis, ou seja, são gratuitas ou no esquema “Pague quanto puder”, sendo o valor do ingresso definido pelo próprio espectador, a partir das suas condições de investimento, incluindo a possibilidade de não pagar. Levamos em conta na reportagem que este número trata da quantidade de exibições apresentadas nos locais. Muitos dos shows são apresentados mais de uma vez e em mais de um lugar. Sendo assim, o número total de de apresentações acessíveis em diferentes lugares é 348, mas o número de espetáculos acessíveis (as peças) é 171.
Exibições acessíveis?
No segmento Fringe 2020 do Festival de Teatro de Curitiba são mais de 50 espetáculos ofertados. Aproximadamente, 62,3% das exibições custam de R$10 a R$30, 14,8% oferecem o sistema “Pague Quanto Puder”, 13,1% das exibições custam mais de R$30 e apenas 8,2% são gratuitos. Já do segmento Fringe: Mostra Especiais 2020, 46,1% segue com o sistema “Pague Quanto Puder”, 31,2% são gratuitos e 22,7% tem um custo fixo sobre o ingresso (custando mais de R$10). Gráficos 1 e 2
São 69 as casas de apresentação na cidade que fazem parte do segmento Fringe 2020 e Fringe: Mostras Especiais 2020 do evento. Desses, 82,6% dos espaços se localizam na Regional Matriz, em Curitiba, 4,6% se localizam na Regional Santa Felicidade e 2,9% na Regional Portão. As Regionais Bairro Novo, Pinheirinho, Boqueirão, Cajuru e Boa Vista não oferecem nenhuma apresentação acessível. O festival também oferece espetáculos na Região Metropolitana de Curitiba, representando 8,7% do total de espaços do evento. Araucária, Pinhais e Piraquara oferecem 6 espaços com apresentações do tipo acessível. Gráficos 3 e 4
Para a socióloga e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Márcia dos Santos, por mais que exista um grande número de espetáculos que acontecem em locais públicos e sejam gratuitos o fato de acontecer na região central se torna complicada, pois as praças são “corredores”, locais de passagem, para as pessoas da periferia que passam “sempre com muita pressa, indo de um ponto à outro, na hora de ir ao trabalho, para buscar os filhos na creche”.
Veja nos mapas abaixo sobre a distribuição dos espaços do Festival de Teatro de Curitiba e das apresentações acessíveis do evento.
Casas de Apresentações ofertadas pelo Festival de Teatro (em vermelho) Vs. Regionais de Curitiba (em amarelo)
Casas de Apresentações ofertadas pelo Festival de Teatro (em vermelho) Vs. Apresentações Acessíveis (em roxo)
Embora dos 39 espaços que oferecem apresentações acessíveis do catálogo do festival, 22 (ou seja, mais de 50%) são locais fechados (instituições ou estabelecimentos culturais), neles são exibidas apenas 75 apresentações, enquanto, nos espaços abertos são oferecidas 270 apresentações. As praças Santos Andrade, Rui Barbosa e João Cândido são os espaços com maior número de espetáculos do Festival de Teatro em Curitiba, respectivamente 68, 63 e 46 apresentações. O Teatro Novelas Curitibanas e a Comparsaria Cênica são os espaços fechados que oferecem maior número de exibições acessíveis a todos, 12 e 10. Todos os espaços mencionados se localizam na Regional Matriz. Gráfico 5
Sobre a programação, das 421 apresentações do tipo acessível, 235 são realizadas em horários comerciais de trabalho (das 8h às 17h), 78,6% dos horários disponíveis. “As pessoas que trabalham terão pouquíssima chance de assistir as apresentações, ainda que gratuitos ou muito baratos”, afirma Santos. “A ideia de democratização tem que ser revista”.
Os horários com maior número de apresentações acessíveis são das 10h às 10h30, com 68 apresentações, e das 17h às 17h30, 66. Gráfico 6. Neste caso, deve-se levar em conta que a reportagem trata dos horários das apresentações. Muitos dos shows são apresentados mais de uma vez (em mais de um horário). Sendo assim, o número total de de apresentações acessíveis são 345, mas o número de horários que um espetáculo acessível é apresentado é de 421.
Sobre Curitiba
De acordo com dados divulgados pelo Ippuc 2010, as regionais com maior rendimento médio mensal são respectivamente Matriz, Portão e Santa Felicidade. A renda per capita nessas regionais é, na ordem, R$2.646, R$1.863 e R$1.552, enquanto nas regionais que computam menor rendimento médio mensal – CIC, Bairro Novo e Tatuquara – a renda per capita registrada é respectivamente de R$660, R$610 e R$492. Gráfico 7
Segundo a pesquisa realizada pelo instituto, a Matriz possui 39,2% dos domicílios com mais de 5 Salários Mínimos. A regional com a menor número de domicílios com mais de 5 Salários Mínimos é o Bairro Novo, com 1,1%
Para o estudo sobre as taxa de alfabetização/educação, um dos índices que o Ippuc analisa é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (o Ideb). A pesquisa evidencia que em 2015 o índice nos anos iniciais da educação básica em escolas municipais é maior em regionais com maior rendimento médio – Santa Felicidade, 6,6, Matriz e Portão marcando 6,5. Ainda que a CIC, citada como uma das regionais de menor renda, registre o Ideb um pouco maior (6,3), Bairro Novo e Tatuquara registram 6,2 e 6 e a regional do Cajuru aparece com o menor Ideb da cidade, com 5,9, e seu rendimento médio, segundo o Ippuc 2010, é de R$ 660.
A pesquisadora Márcia dos Santos afirma que, assim como muitas atividades que acontecem na cidade, o festival é destinado a uma minoria com um perfil muito semelhante – envolvendo renda, classe social e região habitada. “As pessoas que moram mais na periferia da cidade acabam não tendo acesso”, pois para ir ao teatro é necessário ter condição de pagar a entrada e a locomoção. “Dependendo do horário e onde a pessoa mora não é possível ir de ônibus. […] O Festival só está refletindo todo este contexto social complicado que existe, toda essa dinâmica territorial da cidade”.
A Nova Configuração
Com a pandemia do coronavírus (Covid-19), o evento teve que se reconfigurar. A equipe inicialmente adiou o festival, mas no meio do ano decidiu oferecer apresentações exclusivamente de artistas curitibanos em 12 espaços abertos na cidade. Ainda que o sistema optava por diminuir o número de locais, para não gerar aglomeração, eles ainda se localizavam na regional Matriz. Entre os 12 espaços escolhidos estão os auditórios Guairão, Guairinha e Bom Jesus e as principais praças da cidade.
No início de setembro a equipe decidiu por voltar atrás e as apresentações migraram para o ambiente online. Segundo uma nota divulgada pela organização do evento, os espetáculos ainda acontecerão ao vivo, após a pandemia – ainda não há data prevista.