Feminicídios crescem na quarentena e motivam campanha contra violência doméstica em Curitiba

por Lorena Rohrich
Feminicídios crescem na quarentena e motivam campanha contra violência doméstica em Curitiba

Mais de 20 curitibanas se juntaram para criar uma campanha do combate à violência doméstica de mulheres durante o isolamento social

Por Lorena Rohrich

O número de feminicídio no Paraná cresceu de cerca de 12% desde o início do isolamento social, de acordo com o Sistema Pro-MP, do Ministério Público (MP). Pensando nisso, um grupo de curitibanas lançou na última terça-feira, 05, uma campanha sobre a violência contra mulheres nesse período. As idealizadoras assinam a iniciativa, cujo objetivo é alertar a população e ajudar as vítimas, como “#TMJ, uma ação espontânea e voluntária de mulheres que se importam.”

Desde que o governo estadual decretou as medidas de isolamento social, no dia 16 de março, até o dia 23 de abril,  os registros de inquéritos policiais que tratam da violência doméstica diminuíram aproximadamente 6% – de 2.704 para 2.545. De acordo com a promotora de justiça e coordenadora do Núcleo da Promoção da Igualdade de Gênero do Ministério Público do Paraná (NUPIGE), Ana Carolina Pinto Franceschi, há indícios que apontam que durante esse período há uma subnotificação dos casos, pois a mulher é impossibilitada de sair de sua casa por conta do isolamento social. O NUPIGE é vinculado ao Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos.

Em contrapartida, o Ministério Público aponta que houve um aumento de cerca de 12% no número de feminicídios no estado. Franceschi explica que há pesquisas que mostram que o aumento do consumo de álcool e drogas durante esse período, o estresse provocado pela crise econômica e o contato maior entre o agressor e a vítima podem ser condições que agravam o cenário de violência doméstica ou familiar. 

A promotora ainda conta que a Coordenadoria das Delegacias da Mulher, CODEM, revelou que em março de 2019 o número de Boletins de Ocorrência que tratavam desse crime era 1547. Em 2020, o número caiu para 1411 – redução de 10,3%. 

De acordo com a delegada de polícia da Delegacia de Proteção à Mulher, em Curitiba, Emanuele Maria de Oliveira Siqueira, o isolamento social afeta o conhecimento sobre o número de casos de violência contra a mulher. “Se presume uma maior dificuldade da vítima fazer a comunicação ou o registro”, afirmou Siqueira. Para, ela, devemos ter uma maior atenção com esse fenômeno neste período de quarentena. “Deve ser prioridade sempre, considerando número expressivo de casos de violência doméstica e contra a dignidade sexual das mulheres.

Ana Carolina Franceschi destaca a importância de divulgar esses dados para alertar a população. Além disso, lembra que “as delegacias, tanto da mulher quanto as regulares, estão funcionando durante o período da pandemia”. Os canais de atendimento às mulheres que estão sofrendo com violência doméstica e familiar também estão ativos. São eles aplicativo 190, que permite o compartilhamento da localização da vítima, o disque 190 e o “Ligue 180”. A promotora ainda afirmou a criação do aplicativo 180, “criado no final de março deste ano, por conta da pandemia” e que já está funcionando.

Problema tem dimensão nacional

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgou, no final de abril, um artigo sobre a consequência do isolamento social na vida de mulheres que vivem nessa situação. Segundo os dados coletados, o número de boletins de ocorrências diminuiu durante esse período, pois é necessário realizá-los presencialmente. 

Mato Grosso apresentou uma variação de 21,9% nos registros de boletim de ocorrência de violência doméstica (lesão corporal dolosa) em um ano. Em março de 2019 o estado havia registrado 953 boletins, em 2020 o número caiu para 744. Rio Grande do Norte apresentou um crescimento de 34,1% entre 2019 e 2020. De acordo com o Índice de Isolamento Social, plataforma criada pela empresa In Loco para rastrear o número de pessoas que respeitam a recomendação de isolamento, menos de 40% dos potiguares estavam cumprindo as medidas em março.

A pesquisa do FBSP contou com a ajuda das plataformas digitais para a realização do registro. Segundo o fórum, entre fevereiro e abril de 2020 houve um aumento de 431% dos relatos de vizinhos que apontaram brigas entre casais, no Twitter. Apurou-se 52 mil menções contendo algum indicativo de briga feitas pessoas próximas à casais. O estudo mostrou ainda que houve um grande aumento desses tipos de publicações no Twitter entre os meses. Em fevereiro, 10% dos tuítes relatavam brigas entre casal, em março o número mais que dobra, apontando 37% das menções, e em abril esse número soma 53%. Aproximadamente 25% do total desses tuítes foram publicados nas sextas-feiras, sendo a maioria realizados entre às 20h e 3h da manhã.

Campanha: um silêncio que salva

Foi observando o aumento do número desses casos no Paraná que um grupo de curitibanas, que reúne profissionais liberais de diversas faixas de idade, decidiu começar uma campanha contra a violência doméstica e familiar contra a mulher. Trata-se de um vídeo silencioso, inspirado em um material produzido pelo coletivo brasiliense MoviELAS, que traz imagens sequenciais de mulheres segurando cartazes contendo informações e dados para acolher as vítimas que sofrem com situações abusivas. 

O projeto evidencia o crescimento do número de casos de crimes contra mulheres e feminicídios no Paraná durante a quarentena. De acordo com a Polícia Militar foi registrado um aumento de 15% nas denúncias nesse período na capital do estado. As informações e os telefones divulgadas no vídeo foram retirados no site da Casa da Mulher Brasileira, centro integrado de serviços públicos voltados ao enfrentamento da violência doméstica e familiar.  

De acordo com a jornalista e uma das idealizadoras do projeto, Thea Tavares, o vídeo silencioso é a forma ideal de levar a informação à mulher que sofre esse tipo de violência e que está isolada em casa com seu agressor, nesse período de pandemia. “A gente sabe que o número dessas violências é subnotificado. Com o isolamento, ficou mais silenciado ainda, porque as mulheres estão 24 horas com o agressor”, afirmou Thea Tavares. O vídeo, segundo ela, também traz uma carga emocional muito grande. “Ele está dizendo para elas [vítimas]: você não está sozinha e para os vizinhos que não deixem elas sozinhas ”, explicou.

A ideia, que começou em Brasília e já se espalha por Curitiba, está se multiplicando. Uma curitibana que reside atualmente em Rondônia prepara uma versão sobre essa realidade em seu estado.

Confira o vídeo da campanha de Curitiba, a seguir:

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