Exigência feita pelo MEC abre espaço para cenário econômico brasileiro obter mudanças a longo prazo

Até o final deste ano escolas de ensino fundamental devem adequar a educação financeira na grade curricular, para o ensino médio o prazo é até 2020
Por Mariana Castilho
Mesmo com a crise de 2014 ainda presente, a educação financeira não tem feito parte do vocabulário dos brasileiros. Segundo dados da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), 75% dos brasileiros não costumam poupar dinheiro e 12 milhões de jovens, entre 25 e 29 anos, estão inadimplentes, revela o estudo realizado em 2018. O cenário pode mudar para as gerações futuras, pois a partir de dezembro deste ano, as escolas devem implantar a educação financeira na grade curricular. A instância foi efetuada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Em uma pesquisa realizada em 2017 pela Universidade Estadual de Campinas junto ao Instituto Axxus, foi revelado que 93% das
pessoas nunca aprenderam a administrar o dinheiro, seja em casa na escola, mas em instituições que possuem educação financeira na grade curricular e 100% dos alunos apresentaram bom comportamento em relação ao dinheiro. Uma das principais causas de endividamento do país é consequência
da falta de preparo no ensino, afirma a educadora financeira e representante estadual da DSOP Educação Financeira Paula Nogoceke. Segundo Paula, educar crianças financeiramente traz mais resultados que educar adultos. “Para ensinar um adulto é necessário mudar os hábitos já construídos, o que torna um procedimento mais complexo e a longo prazo. Por outro lado, as crianças ainda não tiveram contato com esses hábitos, então é desenvolvida a consciência de sustentabilidade financeira, e elas vão poder levar para toda a vida”, explica a educadora.
Em Curitiba, a escola particular Madelena Sofia, localizada no Bairro Alto, tem implementado a educação financeira desde 2011, aplicada inicialmente para o ensino fundamental e depois estendida para o ensino médio. A pedagoga e coordenadora da escola, Camila Roberto, conta que os alunos mais novos se envolvem mais com o assunto, e os temas trabalhados em sala são levados à realidade do cotidiano. “Quando a professora trabalhou uma questão que envolvia racionalização de água, a meta era reduzir a conta de casa. Depois os pais vieram comentar ‘minha filha está até me vigiando escovar
os dentes”, relata a coordenadora sobre o feedback positivo dos pais.
A professora Élida Rodrigues leciona na escola a educação financeira e explica que a dinâmica das aulas não é apenas focada em gastos e despesas, mas também uma forma de aprender o funcionamento básico da sociedade. Do sexto ao nono ano são trabalhados assuntos variados, entre eles está o funcionamento de uma conta corrente e atividades que incentivam o empreendedorismo. Élida conta que não mantém as turmas apenas em sala de aula, ela também organiza palestras para acrescentar ao conteúdo. “Pedi para o RH da escola ensinar eles o funcionamento de uma empresa e coisas como, por exemplo, o que é um holerite. Quando comecei a trabalhar não sabia dessas coisas”, explica a professora.Para os alunos do terceiro ano do ensino médio, a educação financeira mostrou resultados na hora de economizar para a viagem de formatura. A turma trabalha em revezamento para vender doces e salgados na hora do intervalo. A aluna responsável pela comissão de formatura Juliana Machado de Oliveira explica que foi escalada para a função porque aprendeu desde criança a lidar com dinheiro, mas não nega a importância da prática. “Sei que para algumas pessoas vender na escola está sendo muito útil, não é uma viagem barata, os pais têm outras prioridades e essas vendas foram feitas para ajudar nesse sentido.”
O Colégio Estadual Rio Branco, no Batel, também oferta a disciplina que trabalha com a área financeira, mas dentro da matriz curricular do ensino médio técnico. Para a coordenadora do Técnico em Secretariado, Marcia Barbosa, as disciplinas adicionais ao ensino regular são o que complementam a formação do aluno e preparam para o mercado de trabalho. Na disciplina de Introdução a Finanças, o conteúdo vai além das finanças domésticas e estuda também um panorama geral do sistema financeiro do país. “É muito bom ver esse entendimento da parte dos alunos, não só na educação financeira de perceber quanto pagam em impostos e contas, mas também há um entendimento crítico”, relata a professora Mariã Torres explicando o interesse desenvolvido pelos alunos por assuntos que envolvem política e economia.
Incentivo à educação financeira deve também partir de casa
Pesquisa realizada pela Unicamp revela que apenas 33% das famílias brasileiras se reúnem para falar sobre dinheiro
Em uma pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2017, foi revelado que 6% das crianças, estudantes de instituições que não ofertam estudos relacionados a finanças, sabem da condição financeira dos pais. O estudo também mostrou que, em escolas que adotaram a educação financeira no currículo, nove a cada dez famílias fazem o orçamento doméstico em conjunto.
A empresa fornecedora de materiais didáticos de educação financeira, método DSOP, auxiliou na pesquisa da Unicamp e trabalha com as crianças quatro principais iniciativas do estudo: descobrir, explorar, expandir e construir. Cada uma das fases abrange uma faixa etária e nível escolar para estimular a construção do pensamento financeiro nos jovens. Segundo a educadora e representante da DSOP no Paraná Paula Nogoceke, a última fase e mais importante é a construir, trabalhada com o ensino médio, em que os estudantes aprendem a educação financeira relacionada a seus projetos de vida. “As pessoas devem ter planos para o futuro e esses devem vir antes das despesas”, explica a educadora sobre a importância de incentivar os filhos a construir os sonhos, mas também a planejar o futuro poupando dinheiro.
O consultor de educação financeira, Henrique Carcereri, explica a importância de buscar conteúdo para aplicar em casa com os filhos. E se finanças não for assunto de domínio dos pais, a construção do conhecimento básico é essencial antes de integrar a criança à atividade. Carcereri também destaca que a mesada é a melhor forma de incentivar o contato com o dinheiro. “É a partir da mesada que se extrai a essência de poupar, de entender que há um limite e dentro disso entram as escolhas, não podemos comprar tudo”, explica o consultor.