Em Curitiba 37,9% dos moradores de rua não conseguem vagas em abrigos

por Giovana Tirapelli
Em Curitiba 37,9% dos moradores de rua não conseguem vagas em abrigos

Novo relatório do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) afirma que os serviços disponíveis para a população em situação de rua são precários

Por: Giovana Tirapelli | Foto: Giovana Tirapelli

Em 2023, o Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) estimou que  3.301 pessoas estavam em situação de rua na capital paranaense, considerando a utilização dos dados do Cadastro Único (CADU). Com 27 unidades de acolhimento, a prefeitura de Curitiba disponibiliza 2.047 vagas em todo município, número inadequado para abrigar esses indivíduos. Afinal, 37,9% não conseguem vagas nesses espaços. 

O relatório do MDHC aponta que os serviços de saúde e assistência social são insuficientes para cuidar das pessoas em situação de rua, por mais que casas de passagem sejam disponibilizadas pela prefeitura. A falta de recursos deixa esses locais com estruturas precárias. Tendo problemas de higiene, infestação de percevejos e práticas desumanas de tratamento, informa Rodrigo Alvarenga, professor e doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina.

 

Gráfico construído pelo Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) em que mostra o aumento da quantidade de pessoas em situação de rua na capital paranaense.

Com a precariedade estrutural dos abrigos, muitas pessoas preferem permanecer nas ruas. Como Jango, indígena vindo da aldeia de Faxinal no município de Cândido Abreu, junto com os três filhos e uma amiga. O grupo prefere morar em barracas ao invés de permanecer em abrigos. “Tem bastante casa de passagem aqui, mas é muita gente, nós não entramos no meio de multidões”. 

O projeto Cadastro Único (CADU), realiza coletas de dados todos os anos, para identificação de pessoas e famílias de baixa renda. Em 2023, a estimativa de pessoas em situação de rua era de 3.301, o que indicava que  37,9% não possuíam vagas nos abrigos fornecidos pela prefeitura. Além disso, a falta de acesso à tecnologia impede boa parte dessas pessoas de entrar em contato com os recursos sociais ofertados. Principalmente, cadastrar-se nos sistemas governamentais, aponta Alvarenga.

As casas de passagem

As casas de passagem são barracões com camas dispostas no mesmo ambiente. As quais recebem pessoas isoladas socialmente sem oportunidades de reintegração na sociedade. Dentro desses espaços, a violação de direitos humanos se expressa além da problemática estrutural. Práticas manicomiais de tratamento, e controle coercitivo estão predominantemente nesses locais, relata o professor. “Nós insistimos muito para o treinamento dos servidores, para que não ocorra uma espécie de fadiga da compaixão”. 

Esses serviços públicos devem ajudar temporariamente as pessoas em situação de rua. Porém, a problemática se apresenta quando é necessária a saída das casas de passagem. Deixando-os sem uma perspectiva de reestruturação social. 

A criação de uma política de moradias é essencial para retirar essas pessoas das ruas e integrá-las socialmente, informa Alvarenga. Além de estarem sujeitas a diferentes formas de violência, sem estabilidade de uma residência, obter uma renda fixa é quase impossível. “Nós temos um problema de achar que essas pessoas precisam dar um jeito em sua vida antes de obterem o direito à moradia.”, aponta o professor.

Com a situação atual dos programas sociais para essa parcela da população. A permanência nas ruas é uma consequência do modo como estão sendo tratados. O afastamento dessas pessoas, dos programas ofertados pela prefeitura, gera uma dificuldade de receberem auxílios básicos daqueles que realmente querem ajudar, aponta o professor.

 

CONTEÚDO EXTRA:

Conheça o Housing First, projeto que tornou a Finlândia o primeiro país a não ter população de rua

 

Homem dormindo nas ruas de Curitiba

Em 2007, a Finlândia foi pauta para a temática de reestruturação de pessoas sem moradia na sociedade. Com a criação do projeto “Housing First” (Moradia Primeiro), que visa a retirada de pessoas “sem teto” das ruas. Conseguiu diminuir em 8,3% os abrigos temporários da capital, Helsinque, em um período de dezesseis anos. 

O projeto foi criado com teor humanitário, tendo como lema “O futuro começa com um molho de chaves”. Uma afirmação de que com acesso à moradia a reintegração social se torna simples. 

Housing First 

Originalmente, o projeto foi proposto na década de 1990, pelo estadunidense Sam Tsemberis, um psicólogo. Que tomou a iniciativa de criar uma proposta que solucionasse o aumento das pessoas em situação de rua, problemática enfrentada em todo o globo. Com isso, diversos países adotaram a prática do “Housing First”, adaptando suas intervenções de acordo com os costumes e necessidades locais.

A principal ideia do projeto é oferecer moradia às pessoas em situação de rua. Estando elas sóbrias ou não. O objetivo é gerar oportunidades para que haja a possibilidade de reintegração social, de modo a gerar estabilidade através da moradia. Essa prática levou certo tempo para ser compreendida, afinal existem estigmas que pairam sobre quem vive nas ruas. 

Por mais que o projeto tenha sido criado nos Estados Unidos, a Finlândia se destacou. Adaptando a proposta original para sua localidade. O país conseguiu, praticamente, zerar o número de pessoas em situação de rua.

A quebra das relações familiares é um dos principais fatores que levam pessoas a morarem nas ruas. Como primeira iniciativa, o projeto finlandes fez com que esses indivíduos retomassem relações com pessoas de sua confiança. Para que pudessem se sentir participantes da sociedade. 

Para colocar a vida dessas pessoas nos eixos, o governo disponibiliza residências permanentes sem nenhuma norma específica a seguir. Pessoas com problemas de vício e desemprego são supervisionadas e ajudadas pelos assistentes sociais, com apoio físico e psicológico. Conseguindo um melhor convívio social. 

O projeto no Brasil 

O desenvolvimento do projeto Moradia Primeiro no Brasil ainda é recente. Em 2021, a capital paranaense foi escolhida como cidade-piloto para o desdobramento da proposta, em que pessoas em situação de rua crônica, com mais de cinco anos desabrigados, recebem uma moradia mobiliada com utensílios básicos para a construção de uma residência.  Além de especialistas que colaboram para a inserção dessas pessoas no meio social. Dando suporte para resolução de problemas, como desemprego e educação financeira.

Os resultados desse projeto serão visíveis somente em alguns anos. Afinal, é um processo de construção e adaptação da proposta no país. 

 

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