Editorial: Curitiba e a cidade do futuro

Curitiba investe em projetos de automatização de processos que garantem o destaque em inteligência e tecnologia dentre as capitais brasileiras, mas deixa de lado investimentos locais que beneficiam cotidiano da população
Se houve um tempo em que a perspectiva de um futuro automatizado poderia ser um delírio coletivo das mentes mais futuristas, a realidade atual da sociedade confirma que os tempos, de fato, mudaram e vemos o futuro e a revolução da tecnologia acontecer de forma um tanto quanto sutil. Curitiba, há anos conhecida pela qualidade de vida e uso da tecnologia para impulsionar seu status de inovação, flerta com essa automatização de serviços em busca de destaques em comparação às capitais vizinhas.
Para corroborar essa perspectiva em 2023, não faltam evidências e novidades lançadas pelo Governo Municipal a todo instante. Por exemplo, o projeto de lei criado pela vereadora Noemia Rocha (MDB), que busca o uso de criptomoedas para pagamento de impostos municipais como o IPTU, aprovado pela Câmara Municipal. Prevista para ser iniciada em 2024, a medida demonstra o interesse nítido de Curitiba e seus gestores em automatizar serviços e inserir práticas cotidianas em um universo virtual.
Partindo dessa simples iniciativa, é possível analisar o público com o qual trabalha-se, quando o assunto é inovação e tecnologia. Curitiba possui um percentual de população com 60 anos ou mais maior que a média nacional, de acordo com levantamento feito pelo setor Socioeconômico da Diretoria de Informações do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc). Embora isso seja um ponto positivo para a cidade, como indicador de boa qualidade de vida e aumento da expectativa etária, até que ponto vale a pena investir o dinheiro público em automatizações que excluem 21,90% dos curitibanos?
Investimentos necessários que usam a tecnologia como base para inovação são bem-vindos e devem ser estimulados, como a implementação dos ônibus à gás e 100% elétricos, que recentemente entraram na fase de testes pelas ruas de Curitiba. Voltados para o meio ambiente, esses investimentos potencializam fatores que contribuem ainda mais para a qualidade de vida urbana na cidade, visando muito mais que títulos e influência.
Curitiba e sua política de boa vizinhança com os meios tecnológicos, coloca seu nome em instrumentos de Inteligência Artificial quando o assunto é referências em automatização e inteligência no Brasil. No entanto, o status que a cidade constrói há anos é colocado em cheque quando olhamos para seu interior, nas áreas que não se encaixam no padrão inovador visualizado pelos futuristas: as faltas de manutenção em sistemas de drenagem no Parolin, reclamações constantes quanto à falta de ciclovias seguras na cidade, entre muitos outros problemas recorrentes na vida da população, que não está preocupada com o preço das criptomoedas para pagar seus impostos.
Na vida real, folha da bolha de tecnologia como substituta de funções humanas, bairros da “cidade mais ecológica do país” vivem com medo de alagamentos, ciclistas percorrem faixas exclusivas de ônibus e o transporte público fica cada vez mais inacessível às classes mais baixas. Em quais medidas a cidade deve mesmo investir: a que a torna referência fora das fronteiras,ou a que realmente garante o bem estar dos seus cidadãos?