Disseminar imagens de atentados é nocivo e antiético, alertam especialistas

Fotos e vídeos dos tiroteios em Suzano e Christchurch, que ocorreram em 13 e 14 de março, circularam pelas redes sociais e nos noticiários
Por Marina Prata
Após o tiroteio realizado na Escola Estadual Raul Brasil em Suzano, São Paulo, imagens das agressões e dos corpos foram compartilhadas nas redes sociais. No dia seguinte, a transmissão ao vivo do atirador das mesquitas na Nova Zelândia circulou na internet, mesmo após ter sido tirado do ar. O compartilhamento dessas imagens tem implicações legais e pode fomentar novos ataques, de acordo com psicólogos.
O interesse da população por imagens violentas é um fenômeno chamado curiosidade mórbida. A especialista em psicologia social Neuzi Barbarini explica que a maioria das pessoas fica entre a repulsa e a necessidade de ver o conteúdo. “Elas vão atrás para saber o que e como está acontecendo, pra tentar aplacar o próprio medo e dizer ‘isso não acontecerá comigo’. Compartilhar as fotos e vídeos é uma questão social, a pessoa não suporta aquilo sozinha”, explica.
O especialista em direito digital Hélio Abreu adverte que compartilhar imagens dos tiroteios pode ter consequências legais, mesmo não havendo lei específica. “A pessoa que recebe pode entrar com uma ação contra quem envia conteúdo indevido, e as famílias das vítimas podem processá-lo por danos morais”. Abreu adverte que, por serem imagens de menores de idade no caso de Suzano, há um agravante previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
A mídia contribui
Sobre a cobertura midiática de Suzano, o analista de comunicação Tomás Barreiros ressalta a importância do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que prevê no item III do artigo 6º o respeito à honra e imagem do cidadão, e no item II do artigo 11º proíbe a imprensa de divulgar informações de caráter mórbido ou sensacionalista ao cobrir crimes.
O jornalista considera que a divulgação das imagens conflita liberdade de imprensa e direito à privacidade. Na cobertura de Suzano, Barreiros considerou a exposição dos vídeos sensacionalista. “É uma divulgação desnecessária, que não acrescenta à notícia”. Borrar as imagens e colocar advertências de conteúdo sensível é, para ele, o mínimo a se fazer. “Seria ideal sequer divulgar quem é o agressor”.
A postura da primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, que se recusou a citar o nome do responsável pelo ataque às mesquitas, foi elogiada pela professora do Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria da UFPR Sabrina Stefanello. Ela ressalta que a melhor forma de noticiar atentados como esse é evitar detalhes, como recomendado em manuais de imprensa. A ideia é prevenir o chamado efeito Werther. “É quando pessoas fazem um ato semelhante àquele que foi publicitado”, explica. Pessoas que querem atingir a mesma repercussão podem ser encorajadas com as imagens. “Quando isso é compartilhado em massa ou na mídia, você não vê em quem a informação chega”. A psicóloga ressalta que, sem o devido cuidado, as imagens podem atingir outros públicos sensíveis, como crianças.
Impedir formação de atiradores
Devido à inteligência e à capacidade de manipulação típicas de pessoas psicopatas, é difícil identificar sinais do agressor antes de massacres em massa. Para evitar atentados, o ideal é combater as condições sociais nas quais a personalidade psicopata se forma.
É o que defende o diretor-secretário da Associação Paranaense de Psiquiatria, Ricardo Assmé, ao explicar que a personalidade antissocial se origina na construção do caráter pela sociedade, escola e principalmente pais. Segundo ele, a falta de uma base familiar sólida enfraquece a personalidade e deixa os jovens psicologicamente vulneráveis. Já atividades coletivas na comunidade promovem a integração e suprem a falta de vínculo afetivo, gerando cidadania e respeito ao próximo.
Em contrapartida, a especialista em psicologia social Neuzi Barbarini acredita que é quase impossível que atiradores como os de Suzano não deem sinais. “Qualquer adulto antenado que convivesse notaria a compra das armas”. Mas quando se trata de uma escola pública como a Raul Brasil, Neuzi acredita que a falta de recursos dificulta a identificação dos adolescentes sob risco.