Cursinhos gratuitos enfrentam dificuldades para levar as aulas a todos

Em uma das ONGs, mais da metade dos alunos não está acompanhando as aluas remotas em Curitiba
Por Guilherme Fagundes e Milena Chezanoski | Foto: Guilherme Fagundes
Durante a pandemia instaurada pelo novo coronavírus, muitos vestibulandos de baixa renda estão tentando se adaptar ao ambiente online, ao qual foram obrigados a migrar repentinamente. Porém, a maioria encontra uma série de dificuldades para estudar pelo computador. O cursinho Em Ação relatou que mais de 60% dos alunos matriculados não estão conseguindo acompanhar as aulas. Além de todas as distrações existentes nos lares, os jovens precisam cuidar da saúde mental, e alguns encontram extrema dificuldade com o acesso à internet.
Uma pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic) em 2018 apontou que, na Região Sul, apenas 34% dos domicílios possuem computadores de mesa e 18% computadores portáteis. Alguns cursinhos preparatórios gratuitos que não tinham estrutura online transferiram suas aulas para métodos remotos neste período e enfrentam uma defasagem de acompanhamento dos alunos.
A ONG Em Ação fundada em 2002 em Curitiba e que já preparou mais de 7 mil estudantes de baixa renda enfrenta dificuldades neste ano. Apesar de estarem disponibilizando os conteúdos e aulas gravadas em uma plataforma EAD, apenas 35% a 40% dos 180 alunos matriculados estão conseguindo acompanhar ativamente os materiais postados. Em números, isso significa que mais de 108 alunos matriculados não estão conseguindo assistir às aulas remotas disponibilizadas.
“A participação não é tão grande. Nosso público alvo são alunos de baixa renda. Sendo assim, alguns não possuem computador em casa ou acesso à internet. Além disso, muitos estudantes ainda estão concluindo o ensino médio e precisam conciliar a carga horária do curso com a da escola”, relata Rafael da Costa Santos, coordenador pedagógico do curso Em Ação.
O cursinho Vai Cair na Prova, que contém 390 estudantes matriculados, também não identifica um número grande de interações vindas dos alunos. Segundo a coordenadora de alunos, Bruna Cristina França, alguns feedbacks em relação às aulas foram positivos e acreditam que os estudantes estejam aceitando bem o ambiente online. Por mais que seja complicado mensurar corretamente quantos estão assistindo as aulas e praticando exercícios referentes as matérias.
Vestibulandos confirmam dificuldade
É quase unânime entre os estudantes o reconhecimento das dificuldades para se concentrar nas aulas online. É o caso da estudante do cursinho Em Ação Kesly Gouveia Rosa, 17, que pretende fazer o curso de Direito na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ela relata estar enfrentando problemas para estudar em sua casa: “Estudar em casa é um desafio, ainda mais por morar nos fundos do terreno da família, onde tem muita criança e barulho”. A jovem, que sempre teve o apoio da família, diz não se sentir preparada para os vestibulares deste ano.
Aluna do curso Em Ação há 2 anos, Thaís Carneiro de Mattos, 20, acredita que até o fim do ano estará preparada para as provas por conta da experiência em vestibulares e da ajuda dos professores. “Acredito que os mais prejudicados serão os novatos”, conta a vestibulanda que sonha em cursar Odontologia desde os 4 anos de idade na Universidade Federal do Paraná.
Veterana em vestibulares, Thaís disse ainda que sua maior preocupação no momento é com quem não tem acesso à internet. “Fiquei muito feliz quando adiaram o Enem, porque se for pra conquistar a minha vaga, eu quero conquistar de igual pra igual!”, disse. Outra aluna da ONG, Isabelly Vitória Langner dos Santos, 17, acredita não estar preparada para passar em direito até o fim do ano. A estudante conta também que ajuda um colega de classe que não tem acesso à internet em casa, levando as matérias para ele.
Para Kawane da Silva Serra, 19, que vem tentando Medicina há três anos, esse ano tem sido bastante complicado. A aluna do cursinho Formação Solidária frisa não ter a mesma disciplina estando em casa e que isso acarretou em uma queda de seus estudos diários. Além disso, algo que a afeta muito é não saber por quanto tempo mais ficaram assim e o quanto isso irá afetar as universidades no próximo ano.
Leonardo Chicora Neto, 20, também aluno do Formação Solidária, afirma que a ansiedade tem sido o maior problema. “Está bem complicado para manter uma rotina de estudos, acabei sendo demitido logo no início da pandemia e tenho alguns problemas com relação à ansiedade.” O estudante ainda relata que seu maior medo é desistir do curso de Medicina que tanto sonhou.
A novata em vestibulares Adriellen Aparecida Albino, 17, aluna do Vai Cair na Prova, está no terceiro ano do ensino médio e quer cursar Letras, ela conta que está se esforçando muito para alcançar bons resultados no Enem. Apreensiva em relação ao retorno das aulas presencias, a estudante diz que foi a favor do adiamento do Enem para dar mais oportunidades a outros vestibulandos que estão em situações precárias de estudo. Adriellen afirmou ter alguns colegas que não conseguem estudar devido à falta de internet em suas residências.
Tensão sobre o Enem também cresce
A maior prova do país, que serve como vestibular para muitas instituições, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é uma grande aflição para todos esses alunos que estão se preparando para entrar em uma faculdade. Neste ano o Ministério da Educação (MEC) registrou 6,1 milhões de inscritos, além da novidade do Enem Digital, o qual teve as inscrições esgotadas após pouco mais de quatro dias do início das mesmas com 101,1 mil participantes. Números bem superiores ao ano passado que chegou a 5,1 milhões de candidatos.
A demora de um pronunciamento do MEC referente à data da prova porém, trouxe uma grande insegurança aos inscritos e aos cursinhos que tentam preparar esses alunos. Como é o caso do cursinho Vai Cair na Prova, no qual o planejamento do conteúdo depende diretamente das datas anunciadas pelo governo e pelas instituições nos casos dos vestibulares. E, sem essa informação, estava difícil desenvolver um calendário para as aulas.
Após o aviso do adiamento do exame, a coordenadora Bruna conta que conseguiram se organizar de maneira mais eficaz. “É bom porque vamos conseguir preparar o nosso aluno ainda melhor.”
O coordenador Rafael da Costa Santos do Em Ação também afirma serem a favor do adiamento, já que a maioria dos alunos é de baixa renda. “Acreditamos que o mais justo é o adiamento, até para não agravar ainda mais a diferença de oportunidades.”
Conforme anunciado no edital do MEC, a prova será adiada por meio de uma pesquisa digital pela Página do Participante, durante os dias 20 a 30 de junho, com os inscritos no exame. Acompanhe no infográfico a seguir as datas possíveis que foram votadas.
Cursinhos tentam oferecer apoio aos estudantes
Apesar de haver uma estatística, Rafael da Costa Santos conta que é difícil identificar quais são os casos de alunos com pouco ou nenhum acesso à internet. Visto que a pandemia interrompeu as aulas logo no começo, não foi possível criar um vínculo com os alunos. Além de que a maioria que se encontra sem acesso se sente envergonhada para se pronunciar e até solicitar algum auxílio. Mesmo assim, o Em Ação tem promovido lives para tentar aproximar o grupo por meio de interações. E todo material disponibilizado online também está em apostilas físicas que os alunos possuem.
No Vai Cair na Prova, a coordenadora ainda conta que não tem conhecimento de alunos que realmente não tenham nenhum acesso à internet, mas sim conexões mais fracas e falta de computadores para que todos na casa possam fazer suas atividades, como muitos dos pais têm feito home office. Mas, infelizmente, é um problema no qual não conseguem intervir.
Bruna salientou também que mais de 50% dos estudantes do cursinho entram em contato para solicitar uma ajuda na organização dos estudos. Por conta disso a ONG já possui, de anos anteriores, um material de planejamento de estudos, no qual conseguem adaptar para a realidade do jovem e assim melhorar sua rotina.
Dicas
O professor de Geografia dos cursinhos, Em Ação, Formação Solidária e Vai Cair na Prova, Alysson Miko conta que realmente a maior preocupação é o acesso à internet dos estudantes, mas que não pode ter certeza de quantos e quais alunos estão enfrentando dificuldades. Apesar disso, acredita que pela internet há mais caminhos de comunicação entre professor e aluno, e assim o preparo poderia ser até melhor se as condições fossem mais favoráveis. O professor ainda cedeu algumas dicas de como conseguir se manter bem e ativo durante o distanciamento social.
“Estabelecer um horário e um cronograma para assistir as vídeo aulas, e também para resolver exercícios. Ficar em casa e não levar em conta as pessoas que ficam dizendo coisas negativas.”
Novas datas dos principais vestibulares
A maioria das universidades públicas do Paraná já adiou as datas de seus vestibulares por conta da pandemia do novo coronavírus. Confira as novas datas das provas:
Universidade Federal do Paraná (UFPR) | 10 de janeiro de 2021 |
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) | 6 e 7 de dezembro de 2020
(pelo site da universidade) |
Universidade Estadual de Maringá (UEM) | 7 e 8 de fevereiro de 2021 |
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) | 6 de dezembro de 2020 |