Curitiba enfrenta avanço da pandemia com restrições decretadas pela bandeira vermelha

Professores: Saúde amplia vacinação anticovid-19 para 47 anos. Foto: Luiz Costa/SMCS
A superlotação dos hospitais e o ritmo lento de vacinação prejudicaram a abertura do comércio e das atividades gerais na capital paranaense
Por Giovanna Catapan e Letícia Fortes | Foto: Luiz Costa – Divulgação SMCS
Curitiba está em estado de alerta máximo para a pandemia desde 29 de maio, quando foi decretada bandeira vermelha na cidade diante da taxa de ocupação de 104% nos leitos UTI SUS para tratamento da Covid-19. Assim como ocorreu entre 12 e 21 de março deste ano, apenas os serviços essenciais estão liberados na cidade, com restrições de dias e horários de funcionamento. Além disso, o decreto restringe a circulação de pessoas nas ruas das 21h às 5h, ampliando o toque de recolher previsto durante a última bandeira vermelha. Porém, o decreto entrou em vigência 17 dias após o colapso do sistema, isto é, a ocupação dos hospitais acima de 100%. Por isso, com uma taxa elevada de transmissão do vírus e a sobrecarga do sistema de saúde, Curitiba pode enfrentar uma nova piora da pandemia.
Para decretar a segunda bandeira vermelha desde o início da pandemia, a Prefeitura de Curitiba tomou essa decisão a partir da análise de três indicadores principais de saúde pública: a quantidade de casos ativos, o número de óbitos e a taxa de ocupação de leitos hospitalares de enfermarias e UTIs. Com o agravamento da pandemia e a lotação dos hospitais, todas as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) começaram a internar pacientes com Covid-19 a partir de 31 de maio. A mobilização dos profissionais e da estrutura das UPAs visa absorver mais casos da doença e diminuir a fila de espera por leitos, que já reunia 197 pessoas esperando por um leito de enfermaria e 162 aguardando uma vaga nas UTIs em Curitiba.
A possibilidade de uma terceira onda da doença é plausível para o médico sanitarista Gilberto Martin. De acordo com o ex-secretário de saúde do Paraná, o aumento de casos ativos de Covid-19 entre dezembro e janeiro constituiu a segunda onda de lotação e pressão da doença sobre os hospitais, e essa sobrecarga ainda não foi completamente vencida pelo sistema de saúde. “Em maio, a segunda onda estabilizou em um patamar elevado em relação à primeira onda, comparando os números de casos e mortes e a taxa de ocupação dos hospitais. E agora, a gente começa a perceber outro aumento do número de casos e da demanda por internações e atendimento hospitalar. Então estamos com a tendência de entrar no que pode ser uma terceira onda sem acabar com a segunda, e ela já começa em um patamar elevado em relação às duas ondas anteriores. E isso coloca então, uma perspectiva de preocupação. Pode ser que a gente realmente tenha que enfrentar o pior período da doença agora, nos próximos meses”, afirma o médico.
Embora seja necessário diminuir a transmissão do vírus e desacelerar o aumento de casos, o sanitarista questiona a eficácia de um lockdown, pois não há um programa de auxílio financeiro para as famílias que não estão trabalhando, especialmente para os profissionais autônomos. Porém, ele ressalta que o isolamento social feito de forma consciente é a única saída para aplacar a possibilidade de uma terceira onda. “Sair de casa? Só para fazer o que é estritamente necessário. Tem pessoas que são obrigadas a sair de casa porque têm que trabalhar. Então, é preciso fazer com que, se possível, essas pessoas saiam de casa apenas nesses momentos essenciais. E quando saírem, precisam intensificar as medidas de distanciamento social, uso de máscara e higiene das mãos com álcool em gel”, recomenda Martin.
O aumento de casos está relacionado com o relaxamento de muitos curitibanos com as medidas de prevenção contra o coronavírus, e um indicador importante para aferir isso é a circulação de veículos na cidade. A Superintendência de Trânsito de Curitiba constatou que o número de veículos em circulação vem aumento semanalmente desde abril. No início do mês passado, o fluxo era de 1.972.000 veículos. Até 19 de abril, o número aumentou 25%, evoluindo para 2.68.000 veículos. Esse indicador corresponde ao fluxo medido em todos os radares da cidade e, por isso, não mostra exatamente o total de veículos que circulam por dia, porque um mesmo veículo pode passar por mais de um radar. O aumento da circulação de pessoas é um indicador preocupante para a evolução da pandemia, pois pode aumentar o R0 da doença, isto é, o índice de reprodução e transmissão do vírus. Quando a bandeira vermelha foi decretada novamente em 28 de maio, Curitiba estava com R0 acima de 1 há 17 dias, o que confirma a aceleração da pandemia um mês depois do aumento de veículos e pessoas circulando pela cidade.
Apenas a vacinação em massa é eficaz contra a Covid-19
Segundo o médico Gilberto Martin, a crença na eficácia não comprovada do tratamento precoce também influenciou o aumento de casos e óbitos pela Covid-19. “A ideia de que há um tratamento precoce é um problema muito sério, que faz com que as pessoas se considerem protegidas e as faz baixar a guarda sobre a importância de tomar a vacina contra a Covid, manter o distanciamento social e usar máscara, que é o que realmente combate o vírus”, explica o sanitarista.
O médico cita o caso do Amazonas, no qual a política do tratamento precoce mostrou-se ineficiente e ainda contribuiu para o surgimento de uma nova variante do vírus, a P.1., considerada até duas vezes mais transmissível que as formas anteriores. Além disso, Martin reforça que, até o momento, o único tratamento existente é o paliativo, capaz de tratar apenas os sintomas dos pacientes internados em estado grave nas UTIs. Ele acredita que as pesquisas científicas podem descobrir medicamentos comprovadamente eficazes para o tratamento da Covid, mas ressalta que eles ainda não estão disponíveis.
Martin afirma que a vacinação em massa é a única estratégia eficaz para alcançarmos o fim da pandemia da Covid-19. “Só que, para que a gente tenha uma vacinação que repercuta do ponto de vista do quadro de pandemia, nós teríamos que vacinar pelo menos 70% da população”, ressalta o sanitarista. Apesar de Curitiba ter aberto a vacinação para o público geral dos 59 aos 18 anos de idade nesta quarta-feira (2), a campanha já foi interrompida sete vezes na capital paranaense por falta de doses da vacina, entregues pelo Ministério da Saúde.
Portanto, mesmo com a possibilidade de vacinar o público geral, a campanha contra a Covid-19 pode continuar em um ritmo lento, propiciando o surgimento de novas variantes do vírus. “Estamos vivendo uma realidade que, em decorrência de uma vacinação ineficiente, a parcela da população que foi coberta pela pouca cobertura vacinal está sendo menos atingida nesse momento da pandemia, no qual há um predomínio de pessoas abaixo de 50 anos nos óbitos, ao contrário do que aconteceu nas primeiras ondas da pandemia. Então, já que a população idosa diminuiu demais, o vírus mudou sua genética e atingiu a população mais jovem. O vírus pode sofrer mutações inclusive de resistência à vacina, para que a população jovem continue como hospedeira do vírus”, alerta o médico.
Para que a imunização seja realmente efetiva, a população precisa se imunizar com duas doses das vacinas oferecidas no país, que são a CoronaVac/Instituto Butantan, a CoviShield/AstraZeneca e a Pfizer. “Se você tomar uma dose e não tomar a segunda, não vai resolver o problema. E muito menos tomar uma dose de um tipo de vacina e a segunda dose de outro laboratório, porque você não vai pegar imunidade de nenhuma das duas vacinas. Então a vacinação tem que ser completa. Lembrando que a vacina não isenta a pessoa do risco de ter a doença. O que a vacina faz é induzir a evolução do vírus dentro do corpo de uma maneira branda, que não vai evoluir para um caso grave e te matar”, recomenda Martin.