Cobertura Olhar de Cinema: Retrato de Um Certo Oriente é uma viagem dentro da pluralidade cultural

Produção foi o filme de abertura do Festival Olhar de Cinema, exibido na Ópera de Arame no dia 12 de junho
Por Carolina Senff | Foto: Divulgação do filme Retratos de Um Certo Oriente
Retrato de um Certo Oriente é a narrativa intimista do conflito tênue entre o amor e a cultura. Emerge em uma pluralidade religiosa, que se desencadeia em uma Babel de línguas, Manaus.
A história de Amir e Emilie é sobre o desespero de guerra, o desejo de ter oportunidades e a dificuldade de se deparar com diferenças culturais. Em meio a imigração e fuga da iminente guerra, Emilie, da forma mais pura e ingênua possível, se apaixona por Omar, um comerciante muçulmano. Deste ponto em diante o telespectador encontra o preconceito religioso de Amir, que na verdade é a máscara dos ciúmes de sua irmã. Para o cristão fervoroso era inconcebível ter sua irmã “namorando” um homem que seguia a religião dos assassinos de seus pais.
A partir do momento que Emilie conhece Omar, seu pretendente, vemos que a solidão deixa de ser realidade. Wafa‘a Celine Halawi, a atriz libanesa que da vida a Emilie, é impecável ao usar de suas expressões corporais para criar a conexão com o público. Seus gestos nos dizem muito mais que suas palavras.

Cartaz do filme
Em 95 minutos, o diretor consegue casar uma paixão forte, o amor de irmão, criar o paralelo Líbano e Amazônia conectada por um navio. A profundidade trazida aos personagens dentro do navio é de cair o queixo, você cada vez quer mais e mais. Quando Amir, Omar e Emilie estão na floresta e encontram a cultura dos povos amazônicos o interesse cresce exponencialmente. Entretanto, com a chegada em Manaus, o interesse cai por terra.
De todas as conexões, a mais bonita é entre Anastácia e Emilie. As amigas se conhecem em um barco a caminho de Manaus e depois de Amir levar um tiro a família indígena de Anastásia abriga o trio árabe em sua tribo. O diálogo sobre seus diferentes cabelos por mais simples que seja é a maior beleza da confraternização entre culturas que o filme nos mostra.
A fotografia do filme não fala. Ela grita. Chega à beira de sair da tela e te chacoalhar. Quando você se dá conta, já se apaixonou por aqueles retratos. Pierre de Kerchove dá uma aula de enquadramento. O diretor de fotografia encontrou a linha tênue perfeita entre o conforto e o desconforto. A precisão do perto e branco, o uso das lentes para te teletransportar para o fim da década de 40, e a textura granulada do filme é o que se precisa para sentir o impacto de Retratos de um Certo Oriente.
Este é um daqueles filmes com muitas vozes, mas que sabe sintetizar cada uma delas a tornar a história acessível para todos. A língua árabe poderia ser um empecilho, uma barreira entre o público e a obra. O diretor Marcelo Gomes soube fazer com que seus atores não precisassem do diálogo para cativar o público. No fim das contas, este filme é narrado através de imagens e linguagem corporal, não por diálogos.
Para quem leu a obra vencedora do prêmio Jabuti que o longa se inspira, “Relatos De Um Certo Oriente”, a recomendação é assistir ao filme de mente aberta. Inclusive porque é possível se surpreender. O longa-metragem de Marcelo Gomes é belamente montada por Karen Harley. Por mais que não tenha um final fantástico, o começo e meio são de tirar o chapéu. Em certos frames você se pergunta se não está assistindo uma releitura fotográfica de Encouraçado Potemkin, ou um filme de terror sobre a Amazônia brasileira.
Após 95 minutos sentada na Ópera De Arame vendo a primeira exibição do filme no Brasil na abertura do Festival Olhar de Cinema, aprendi que Retratos de Um Certo Oriente é um filme sobre como religiões podem conviver. É sobre como o preconceito é desculpa para problemas e inseguranças pessoais e sobre como o cinema brasileiro tem muito a oferecer. Retratos de um Certo Oriente é o filme que vai de o desespero de morrer nos desertos libaneses a orgasmos ressuscitastes e o questionamento: o que pode ser maior para uma pessoa, o amor a sua cultura ou a sua irmã?
Este filme é literalmente uma viagem, mas uma muito mais longa e profunda do que ir de navio do Líbano até o Brasil. Essa é uma viagem da pluralidade cultural e religiosa.