Cinema de Rua é sinônimo de nostalgia para curitibanos

Em um período de, aproximadamente, 20 anos, quase todos os cinema de rua de Curitiba foram extintos
Por Heloise Claumann, Giovana Tirapelli e Larissa Croisfett | Foto: Heloise Claumann e Larissa Croisfett
Durante as décadas de 1950 a 1990, a capital paranaense possuía cerca de 15 cinemas de rua com 50 salas distribuídas no centro de Curitiba. Essas salas fizeram parte da rotina de muitos curitibanos durante a infância e adolescência, criando memórias e histórias. Por volta de 1990, os cinemas de rua perderam sua praticidade, sendo substituídos por cinemas de shopping e canais de streaming.
O Cine Avenida foi o primeiro cinema de rua a ser construído para projeções cinematográficas na capital. Inaugurado em 1929, no Palácio Avenida, na Rua XV, deu início à Cinelândia curitibana. Essa expressão era usada para definir a região do centro da cidade, localizada entre as Rua XV de Novembro e Avenida Luiz Xavier, onde encontravam-se cerca de 15 cinemas de ruas. A localidade reunia os principais cinemas da cidade como o Ópera (1941), o Cine Palácio (1950), Cine Odeon (1934) e o Cine Luz (1939).
A Cinelândia, além de agrupar esses locais, dispunha de diversos serviços para o público, como as galerias de lojas e comércios externos, tal como as barraquinhas de doces e pipoca. Os cinemas eram espaços socialmente relevantes, considerados um dos únicos meios de entretenimento da cidade. Com as mudanças tecnológicas e o surgimento de cinemas em ambientes fechados, nos shoppings, os cinemas de rua foram perdendo sua segurança e falindo gradativamente. O Cine Luz foi o último local a funcionar únicamente como cinema de rua na cidade e foi fechado em 2009.

Marcos explicando sobre a preservação das latas de filme em película
Além dos espaços voltados para a projeção cinematográfica, em 1975, Valêncio Xavier (escritor e cineasta) idealizou a Cinemateca de Curitiba, a terceira mais antiga do Brasil. O espaço é responsável por armazenar a história do cinema na cidade e manteve a tradição dos cines antigos, exibindo diversos filmes ao decorrer dos anos. O coordenador do local, Marcos Sabóia, 54, explica que o acervo busca preservar materiais cinematográficos e, principalmente, expor os trabalhos audiovisuais à população de forma gratuita. A Cinemateca foi o único espaço a funcionar no estilo dos cinemas antigos na década de 2010. Porém, em 2019 surge o Cine Passeio, cinema de rua que, vagamente, retoma as características dos cinemas passados.
A tradição guardada nas memórias
Os cinemas de rua marcaram o progresso do centro de Curitiba e de seus habitantes. Além do desenvolvimento econômico e cultural que a região teve, muitos moradores que vivenciaram esse período vivem com nostalgia dessa época.
O promotor cultural George Struck relembra que ia com frequência ao Cine Avenida. Ele conta que a experiência de ir ao cinema na época começava antes de entrar nas salas de projeção, a emoção iniciava-se já na fila da bilheteria para tentar conseguir o ingresso da sessão. “Sempre que passo nos lugares que ficavam os cinemas, eu fico lembrando, dando saudade”, diz Struck.
Luciana Galeano, 49, é secretária, e passou a adolescência frequentando o ambiente, ela conta que cada vez que visitava os cinemas vivenciava algo novo. “Quando você entrava tinha aquele saguão grande, […] parecia um salão de teatro, com as poltronas e tudo.” Esses espaços tinham arquitetura externa e interna construídas para lembrar os teatros, com as entradas diretamente para a rua, as grandes fachadas, e as poltronas e paredes revestidas de carpete. “Hoje eu tenho saudade, um saudosismo de uma época que era diferente”, revive Galeano.
Todos esses elementos tornavam essa experiência algo único. Marcelo Munhoz, de 52 anos, é produtor, diretor e professor de cinema, e para ele, esses momentos eram especiais. “Tinha um certo ar mágico, romântico que eu acho que contribuiu para esse fascínio que eu tive pelo cinema e que, de alguma forma, definiu a minha carreira.”
Marcelo também narra que o centro de Curitiba era mais vivo nas décadas da Cinelândia e que costumava assistir o mesmo filme várias vezes no mesmo dia. “Eu me lembro que eu ia e, no intervalo, eu ia ao banheiro e voltava para ver o filme de novo. Tinha tardes que eu tirava, ia na primeira sessão e saía só no final da tarde”, relembra.
Os cinemas de rua também instigavam os espectadores a descobrirem novos estilos de filme, já que o público dependia desses ambientes para assistir produções audiovisuais. Marcos Sabóia conta que, na época, não havia muitas possibilidades de escolha como há atualmente, o que tornava os filmes memoráveis, já que não podiam ser vistos com frequência.

Valdenício na cabine do Cine Guarani, onde trabalhou exibindo filmes infantis
Os funcionários dos cinemas também carregam histórias. Valdenício da Silveira, 61, é projecionista desde a adolescência, e nunca largou da profissão. O veterano relembra seus dias mais ativos nas salas de exibição com emoção.
“Dependendo das reações das pessoas nas salas, era como se fosse eu que estivesse fazendo aquelas pessoas sorrirem, muitas vezes chorar”, reflete. Por mais que as máquinas de projeções antigas estejam sendo substituídas por equipamentos atualizados, o sentimento de operá-las nunca se afastará de Valdenício, que há 44 anos manuseia esses projetores.
Apesar da quase extinção dos cinemas de rua em Curitiba, a tradição permanece em cada morador que vivenciou a época. “No cinema você viaja no tempo e no cinema tudo é possível”, conclui Silveira.
CONTEÚDO EXTRA:
Conheça a história dos cinemas de rua de Curitiba
Por Giovana Tirapelli
A história do cinema na capital paranaense começou em 1897 com o empresário Annibal Requião, que produziu cerca de 300 filmes do cotidiano curitibano. Os locais para as projeções foram se desenvolver apenas em 1927, com o Cine República, antes eram utilizadas salas adaptadas sem estrutura apropriada para exibição. Leia mais sobre como eram os principais cinemas de rua da cidade:
Cine Avenida
Tendo sido o primeiro cinema de rua de Curitiba a ter um espaço construído propriamente para projeções, em 4 de abril de 1929 inaugurou-se o Cine Avenida, um dos cinemas mais populares da Cinelândia curitibana. O Palácio Avenida é localizado na Rua XV de Novembro, e abrigava não somente o cinema como o tradicional Bar Guairacá.
Conhecido principalmente pela exibição de filmes de faroeste (westerns), o cinema de rua que um dia foi o mais frequentado da Cinelândia, se viu em uma crise nos anos 1960, quando a competição locatária arrematou a rua XV, com mais de 15 estabelecimentos de projeção cinematográfica. O cinema foi fechado em torno de 1970, quando o Banco Bamerindus o comprou.
Atualmente, o Palácio é utilizado para as celebrações natalinas da cidade, tendo como evento, conhecido nacionalmente, o coral infantil natalino, presente nas festividades curitibanas desde 1991.
Cine Ritz
Em 1935 na Rua XV de Novembro, local onde a maioria dos cinemas de rua de Curitiba se situavam, ficava o Cine Imperial, a primeira versão do Cine Ritz. Não existem dados do funcionamento do estabelecimento apenas que foi fechado em 1946. Após a Segunda Guerra Mundial, o espaço se tornou Cine Vitória I, que logo se tornou Cine Ritz em 1948.
A sala que projetava os filmes, antes da inauguração do Cine Ritz I, era uma adaptação precária para a exibição das produções audiovisuais, que funcionou de 1935 até por volta de 1945. O período de reinauguração da 3° fase do cinema coincidiu com uma época de grande movimentação comercial no centro, uma vez que os cinemas de rua eram o principal meio de lazer. Em 1962, houve um alagamento na Rua XV de Novembro, isso fez os prédios do local serem demolidos, incluindo o Cine Ritz I.
Em 1985, a Fundação Cultural de Curitiba ganhou da prefeitura uma sala de cinema no subsolo de uma das lojas da Rede C&A, que foi construída no antigo local do Ritz. Assim surgiu o Cine Ritz II, que funcionou até 2005, quando fechou por falta de espectadores.
Cine Luz
O prédio do Cine Luz, assim como o Cine Avenida, foi construído justamente para projeções cinematográficas. Em 1939, era inaugurado um dos cinemas mais conhecidos, tendo exibido produções internacionais como Columbia e Paramount. Durante os 22 anos de abertura, o primeiro Cine Luz, localizado na Praça Zacarias, sofria fortes enchentes, devido à falta de infraestrutura para inundações. Após anos de deterioração, por conta das enchentes, em 1961 o local sofreu um incêndio durante a sessão de “O homem do Sputnik”, destruindo o cinema.
Em 1985, a Fundação Cultural de Curitiba conseguiu uma nova sala de exibição. Localizada na Praça Santos Andrade, o segundo Cine Luz, ficava no térreo da sede do banco Citibank. Era conhecido principalmente por exibir filmes “alternativos” e por ter sido o último cinema da Cinelândia curitibana a fechar suas portas em 2009.
Cine Ópera
Inaugurado em 1941, em um prédio residencial, o Cine Ópera foi uma das salas mais movimentadas da Cinelândia curitibana. Localizado na Avenida Luiz Xavier, o edifício Eloísa foi construído pelo professor David Carneiro que dividiu o térreo em duas partes, uma para a sala de projeções e a outra para uma confeitaria.
O Cine Ópera passou por algumas administrações, tendo Carneiro como segundo coordenador. A falta de estabilidade na administração do cinema se deve principalmente à grande concorrência, era localizado na frente do Cine Avenida, um dos clássicos do entretenimento da Cinelândia. Alguns anos antes do fechamento, o local foi vendido ao grupo Verde Martinez e Zonari, que foram responsáveis pela transformação do local, em 1979, numa loja de departamentos.
Cine Plaza
Em 1964, a Associação dos Servidores Públicos do Paraná (ASPP) inaugurou o Cine Plaza na Praça General Osório, tendo disponibilidade de 800 lugares. O local foi um dos cinemas mais frequentados de sua época, em que recebia 20 mil espectadores por semana, principalmente em 1987, com o lançamento de Robocop com 26 mil pessoas semanalmente.
Com o surgimento dos cinemas de shopping a popularidade dos cinemas de rua foi decaindo, isso levou ao fechamento de clássicos da Cinelândia curitibana. O Cine Plaza fechou em 2006, três anos antes do fechamento do último cinema de rua curitibano, o Cine Luz. Após alguns anos, em 2013 o espaço foi demolido, abrigando atualmente o Campus Central da Universidade Positivo.
Cinemas que existiram em Curitiba
Cinema | Local | Abertura | Fechamento |
Cine Éden | Av. João Pessoa | 1909 | 1917 |
Cine Mignon | Rua XV de Novembro | 1910 | sem dados |
Cine Smart | Rua XV de Novembro | 1910* | sem dados |
Cine Radium | Avenida do Portão | 1910* | sem dados |
Cine Bijou | Rua Marechal Floriano, 122 | 1910* | sem dados |
Cine Progresso | Rua Ivahy | 1910* | sem dados |
Cine Morgenau | Av. Sen. Souza Naves, 945 | 1919 | Aberto |
Cine República | Rua Voluntários da Pátria | 1927 | 1985 |
Cine Pálace | Rua Voluntários da Pátria | 1928 | 1950 |
Cine Avenida | Avenida Luiz Xavier, 11 | 1929 | 1988 |
Cine Odeon | Avenida Luiz Xavier | 1934 | 1952 |
Cine Imperial | Rua XV de novembro | 1935 | 1946 |
Cine Broadway | Rua XV de Novembro | 1936 | 1953 |
Cine Luz | Praça Santos Andrade | 1939 | 2009 |
Cine Luz (antigo) | Praça Zacarias | 1939 | 1961 |
Cine Ópera | Edifício Heloisa Carneiro | 1941 | 1979 |
Cine Curitiba | Rua Voluntários da Pátria | 1942 | 1968 |
Cine Marabá | Rua Mendes Leme | 1947 | 1973 |
Cine Ritz I | Rua XV de Novembro | 1948 | 1962 |
Cine Palácio | Av. Luiz Xavier – Rua Voluntários da Pátria | 1950 | 1971 |
Cine Arlequim | Edifício Carlos Monteiro | 1955 | 1979 |
Cine Guarani | Av. República Argentina, 3430 | 1955 | 2000 |
Cine Flórida | Rua Marechal Floriano | 1956 | 1974 |
Cine Barriqueiros | Av. Anita Garibaldi | 1957 | 1960 |
Bola de Ouro | Uberaba | 1957 | 1960 |
Cine Lido | R. Desembargador Ermelino de Leão, 160 | 1959 | Aberto |
Cine Rivoli | Rua Emiliano Perneta | 1960 | 1982 |
CIne Oásis | Av. Marechal Floriano – Hauer | 1960 | 1968 |
Cine São João | Rua Desembargador Westphalen, 165 | 1963 | 1997 |
Cine Vitória | Rua Barão do Rio Branco, 370, Centro de Convenções | 1963 | 1987 |
Cine Glória | Rua Saldanha Marinho, 698 | 1963 | 1991 |
Cine Plaza | Praça Osório | 1964 | 2006 |
Cine Picolino | Rua Bom Jesus – Cabral | 1964 | 1972 |
Cine Condor | Esquina de Ruas Ébano Pereira e Cruz Machado | 1971 | 1997 |
Cine Excelsior | Rua Saldanha Marinho | 1971 | 1974 |
Cinema 1 | Rua Saldanha Marinho, 698 | 1975 | 1987 |
Cine Ribalta | Rua Erasto Gaertner – Bachacheri | 1975 | 1980 |
Cine Bristol | Rua Mateus Leme, 127 | 1976 | 1987 |
Cine Astor | Rua Voluntários da Pátria, 262 | 1977 | 2000 |
Cine Groff | Galeria Schaeffer, rua XV de Novembro, 420 | 1981 | 1997 |
Cine Palace Itália | R. Mal. Deodoro, 630, 7° andar do Centro Comercial Itália | 1983 | 1997 |
Cine Ritz II | Rua XV de Novembro, 170 | 1985 | 2005 |
Cine América | Praça Tiradentes, 410 | sem dados | 1960 |
Cine Scala | Rua Riachuelo, 181 | sem dados | Aberto |
* – data aproximada de abertura
Entrevista com projecionista do Cini Guarani
Inaugurado em 1955 na Avenida República Argentina, o Cine Guarani era afastado da área da cinelândia de Curitiba, mas importante do mesmo modo. Por esse motivo era muito frequentado pelos moradores da região. O local atualmente é o Portão Cultural, um centro que reune o Auditório Antonio Carlos Kraide, a Casa de Leitura Wilson Bueno, o Museu Municipal de Arte de Curitiba, o Centro de Arte Digital, biblioteca, e o Cine Guarani.