Caem restrições de doação de sangue por homossexuais

por Giovana Juliatto Bordini
Caem restrições de doação de sangue por homossexuais

Novas medidas de doação de sangue por homossexuais é concluída, mas Anvisa contraria STF

Por Giovana Juliatto Bordini e Noel Junior | Foto: Pixabay

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, no começo do mês de maio, a restrição que impossibilitava pessoas da comunidade LGBT+  de doar sangue. Essa restrição considerava inaptos homens que mantiveram relações sexuais com outros homens dentro de 12 meses, mesmo tomando as devidas precauções. Houve 7 votos favoráveis e 4 contrários à derrubada da restrição.

Hemocentros, no entanto, vinham rejeitando as doações de homens homossexuais mesmo após a decisão do Supremo Tribunal Federal. Isso se deu porque um ofício divulgado em 14 de maio pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dizia para que os laboratórios não cumprissem a decisão do STF até a “conclusão total” do caso.

Segundo integrantes do STF, a decisão já é válida desde a publicação da ata do julgamento, em 22 de maio, conforme a jurisprudência da corte. Além disso, a agência e o Ministério da Saúde foram notificados dia 18 de maio. Ações no STF afirmam que a Anvisa vem descumprindo decisão do órgão. Mas, desde o dia 15 de junho, o Ministério da Saúde integrou totalmente as novas medidas impostas pelo STF nos hemobancos de todo Brasil. A Anvisa também informou que está iniciando o processo para cumprir a decisão.

A pauta foi levantada no poder Judiciário em 2016, quando o Partido Socialista Brasileiro (PSB) propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5543. A medida começou a ser votada em 2017, porém foi interrompida por Gilmar Mendes, quando solicitado mais tempo para análise da proposta. A proposta se opõe diretamente à resolução n° 34, de 2014, da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa); e à portaria n° 158, de 2016, do Ministério da Saúde, que determinavam a inibição de doação por parte de homossexuais e transexuais, mesmo que os bancos de sangue tivessem baixa no estoque.  

Diante dos baixos estoques de sangue no mês de abril, devido à pandemia do coronavírus, a Defensoria Pública da União (DPU) solicitou agilidade no julgamento da proposta no STF. De acordo com uma pesquisa de 2009 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil há um total de 101 milhões de  homens, e do total, 10,5 milhões é homo ou bissexual. Em 2016, baseada nos dados apresentados pelo IBGE, a revista Superinteressante calculou uma estimativa de que mais que 18 milhões de litros de sangue são desperdiçados por ano. 

Com a decisão da inconstitucionalização da proibição com a nova lei, que agora, de fato, garante que todas as esferas da sociedade possam praticar sua cidadania. A  comunidade LGBT+ não está mais privada exercer esse esse direito, já que por muitos anos foram impedidos por conta do preconceito.

Para o professor Clau Lopes, que trabalha na direção da Secretaria dos direitos LGBT+ no Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP – SINDICATO), doar sangue é um ato de amor e solidariedade, além de ser um direito daqueles e daquelas que precisam sobreviver, uma vez que todo o sangue que é doado é testado antes da coleta.

Clau Lopes preside o Conselho em Direitos Humanos no estado do Paraná.

Mesmo que desde sempre tenha escutado que doar sangue era proibido, um dia ele tentou fazer doação para praticar sua cidadania. Quando foi preencher a ficha do cadastro e viu que tinha que indicar se era ou não homossexual, não quis negar quem era em uma ficha e acabou sendo barrado.“É uma sensação de exclusão, de negatividade muito grande. Saí muito chateado (do banco de sangue), já que sempre acreditei que o preconceito estava na sociedade, e não na ciência e na medicina”, conta Clau.

 O professor acredita que o preconceito continuará a existir e que não é porque hoje a lei permite que pessoas homoafetivas doem sangue, que não serão mais barrados. Ele diz que sabe de casos em que pessoas foram vetadas recentemente, mesmo com a recente derrubada dessa proibição. Acredita que a comunidade vai continuar a enfrentar esse preconceito, e que conseguir doar sangue é um ato de direito de todos. 

Entidades celebram conquista

O presidente da Associação Paranaense da Parada da Diversidade (APPAD), Thon Cris Paiva, disz que nunca tentou doar sangue, pois sempre soube que não poderia doar e não queria mentir para exercer tal ato.  Thon recebeu a notícia com alegria e acredita em um futuro no qual todos serão tratados da mesma forma e respeitados em todas as esferas sociais.

A APPAD foi criada em 2004 e, desde então, atua durante todo o ano atendendo a vítimas de violência e discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. O órgão oferece atendimento com apoio psicológico, organiza vários eventos durante o ano e promove a Parada da Diversidade em Curitiba. 

A associação ainda não iniciou nenhuma campanha da divulgação para conscientização da doação de sangue para a população LGBTI+, pois está esperando um protocolo da Secretaria Municipal de Saúde de como estão ocorrendo as doações no período da pandemia.

O diretor do Grupo Dignidade, Lucas Siqueira,  acredita que a derrubada dessa restrição mostra um avanço muito grande, em que “o Estado começa a reconhecer os seus preconceitos e que somos todos iguais perante a lei”.

O Grupo Dignidade é uma organização não governamental (ONG) fundado em 1992 em Curitiba. É pioneiro no estado do Paraná na área da promoção da cidadania LGBT e promovem interação com a comunidade, desenvolvimento organizacional, defesa para políticas públicas, pesquisas e formação focadas nas diversidade sexuais. Em 2016, a ONG lançou a campanha “Igualdade na Veia”, em que buscava eliminar a portaria da Anvisa que impedia que homossexuais doarem sangue. Em relação a situação atual, o grupo ainda está pensando em campanhas para doação de sangue da comunidade LGBT+.

Doação de sangue em Curitiba

No Paraná, a quantidade de doadores de sangue vem caindo desde o começo da pandemia da Covid-19, mesmo com novos protocolos que prezam isolamento social em vigor. O Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná (Hemepar) registrou no começo de maio apenas 11.823 doações em toda a Hemorrede, sendo essa a menor quantidade de doadores desde o começo do ano.

Uma das instituições privadas que realiza doações de sangue em Curitiba informou que ainda esperam autorização da Anvisa para oficialmente liberar que o público LGBT faça doações de sangue. 

 

 

 

 

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