Breaking enfrenta dificuldades para se desenvolver em Curitiba

por Davi Guiarzi
Breaking enfrenta dificuldades para se desenvolver em Curitiba

Novo esporte olímpico luta contra a escassez de demanda, a desvalorização e a marginalização

Por Arthur Froes, Davi Guiazi, Pablo Ryan | Foto: Pablo Ryan

Desde a década de 80, jovens curitibanos se reúnem na calçada em frente ao Shopping Itália para praticar breaking. Parte do movimento hip hop, a dança enfrenta preconceitos e marginalizações devido ao seu caráter popular e periférico. Entretanto, a estreia do esporte nas Olimpíadas em 2024 representa uma evolução contínua que acontece nos dias atuais.

Quem almeja viver da dança na capital paranaense enfrenta dificuldades devido à falta de demanda no cenário. Um dos obstáculos são as oportunidades de trabalho, que além de serem poucas, são desvalorizadas. Essa depreciação não se restringe apenas à remuneração, mas também à percepção das pessoas que não estão inseridas nesse meio.

Dançarino há mais de 30 anos, Rafael Benthien estrutura eventos de hip hop e competições de breaking há 10 anos em São Paulo. Ele relata que um dos motivos para os grupos de dança acabarem é a falta de oportunidades para apresentarem seus talentos. “Em Curitiba, existe uma grande necessidade da realização de eventos, porque mesmo a cidade tendo uma comunidade forte, não é um lugar em que tem muitos festivais que apoiam a dança”.

Batalha de breaking da 18º edição do evento Street Style em Curitiba | Foto: Davi Guiarzi

Um dos fatores para a baixa frequência de eventos é a repulsa e os estereótipos que parte da população tem com o breaking. Professor de dança do Estúdio JS, Samuel Silva critica que, por ser enraizado na comunidade negra e de classe média, existe uma apropriação cultural das características do movimento. “Infelizmente é comum ver casos de apropriação, em que locais são totalmente grafitados. Há música de hip hop, mas o público é predominantemente de classe alta”.

Samuel lamenta que o preconceito faça com que o desenvolvimento da dança e do movimento regrida. “Enquanto ainda houver marginalização das pessoas, essa cultura também será marginalizada”.

Crescimento e desenvolvimento

Competições e eventos de Hip Hop, quando é feito um trabalho de divulgação, atingem todo tipo de público. As pessoas se impressionam com os movimentos do breaking, gerando interesse e até mesmo vontade de praticar. Benthien relata como o papel do
marketing é importante para o desenvolvimento do movimento. “Acredito que, nos dias de hoje, devido a um maior uso do marketing e da propaganda, nós temos um espaço maior do que tínhamos há 10 anos atrás”.

Presidente da Federação Paranaense de Breaking (FPRB), Sesóstris Filipe analisa a estreia do breaking nos Jogos Olímpicos Paris 2024 como uma oportunidade de ganhar visibilidade e valorizar o esporte. “Acreditamos que muitos olhares vão se voltar para essa dança e as possibilidades de multiplicação são imensuráveis, mais projetos, apoios, mídia e muitas possibilidades de patrocínios”.

Nesse pensamento, ainda em 2024, a FPRB pretende realizar o Circuito Paranaense de Breaking. A previsão é que a competição tenha ao menos 4 etapas. Como parte das medidas de incentivo, a Federação também oferece aulas gratuitas de dança, no Cajuru, no Boa Vista e no Bairro Alto. As aulas têm como foco dar ênfase em apoiar e investir em atletas de breaking.

A renovação de gerações é um dos pontos essenciais destacados por Benthien. Segundo ele, o cenário do breaking se fragiliza quando não há novos dançarinos para fomentar o movimento. “Vemos uma constante de várias crews (grupos de dança), que têm uma história grande dentro do hip hop, acabando por não formar novos dançarinos para manter o legado”.

A história do hip hop em Curitiba

O hip hop é um movimento cultural que surgiu no início da década de 1970, em Nova Iorque, no Bronx. Existia muita criminalidade em bairros periféricos da cidade, onde viviam latino-americanos, afro-americanos e caribenho. Para confrontar a situação, utilizavam de poesias, pinturas, danças e canções como representações da realidade vivenciada.

Na década de 80, no Brasil, jovens começaram a se reunir e formar grupos de breaking dance. Eles se encontravam na Rua 24 de maio e, posteriormente, na estação de metrô São Bento, em São Paulo. A partir deste momento, o lugar marcou o início e virou referência do hip hop em solo brasileiro.

Com a rápida propagação no país, não tardou para o movimento chegar ao Paraná. Veja como o hip hop iniciou e se desenvolveu em Curitiba:

Fotos: Pablo Ryan

O movimento deu seus primeiros passos na década de 1980. Alguns jovens curitibanos começaram a se encontrar na calçada em frente ao Shopping Itália, no centro da cidade

A esquina da Rua João Negrão com a Rua Marechal Deodoro tornou-se um ponto de encontro para quem buscava manifestar sua expressão cultural e artística por meio do breaking. Na imagem, o professor de dança Samuel Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Esses encontros inspiraram outras organizações em diferentes cidades e regiões do estado. Dançarinos, DJs e grafiteiros começaram a surgir por todo o Paraná

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O movimento gradualmente se popularizou nas periferias e nos subúrbios da cidade. Com o tempo, alcançou um público diverso, de pluralidade étnica, social e de gênero

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em Curitiba, foi criada a Dope Girls Crew, grupo focado em dar mais espaço para as mulheres no cenário. Na imagem, a apresentação de uma B-girl. Os termos “B-boy” e “B-girl” significam, respectivamente, break-boy e break-girl, ou seja, dançarinos de breaking

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O ritmo das canções, as pinturas de grafite e as performances de breaking tinham como objetivo expor a realidade dos participantes. Era necessário dar voz a quem não tem voz, lutar contra a discriminação racial e incentivar o pensamento crítico da sociedade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

As batalhas de breaking também serviram para pacificar conflitos de gangues, que aconteciam nas ruas da cidade. Na imagem, dois B-boys se cumprimentando após uma batalha

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por essas razões, durante muito tempo, B-boys e B-girls eram taxados como “maloqueiros” e “vagabundos”. A marginalização estava em seu ápice, o que levou a comunidade se organizar para combater o preconceito

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vários grupos foram essenciais para reconhecer o hip hop como expressão artística. A Foot Work Crew e a Flying Boys Crew, ambas criadas em 1997, são organizações que conseguiram profissionalizar a cena e adquirir o respeito do restante da população

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Algumas crews foram se formando nas chamadas cyphers (rodas de breaking). Posteriormente, o cenário começou a se desenvolver e se organizar em eventos. Na imagem, “A Rua Grita”, batalha de hip hop realizado em Pinhais

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por ser um espaço aberto para inclusão e desenvolvimento social, o hip hop se tornou um dos maiores exemplos culturais de Curitiba. Finalmente reconhecidos como artistas, o movimento cresce dia após dia na capital paranaense