Até quando as atletas serão apenas bonitas?

Apesar das recentes manifestações contra a imposição machista nas modalidades esportivas femininas, a sociedade como um todo ainda não entendeu a mulher. Quando acreditamos estar avançando, somos obrigadas a ouvir comentários como “elas deveriam estar peladas para ser mais atrativo”, de um internauta sobre o álbum de figurinhas da Copa do Mundo de Futebol Feminino da França, que aconteceu neste ano. Esse comportamento ainda é respaldado por alguns jornalistas machistas que seguem dando opiniões irrelevantes. O caso dos comentaristas da Fox News deixa bem clara a visão de uma maioria, que ao falarem das esportistas americanas que participariam dos Jogos Olímpicos em 2016, disseram que elas deveriam usar maquiagem, já que “toda a razão para este treinamento, para o trabalho de conseguir chegar até lá, é endossar a beleza.”, disse Mark Simone. “Eu acho que, quando você vê uma atleta, por que eu deveria ter que olhar para suas espinhas?“ Dietl acrescentou. “Por que não corar um pouco seus lábios, e cobrir as espinhas? Eu gostaria de ver uma pessoa que ganha a medalha de ouro subindo ao pódio bonita”, continuou. Para piorar sua situação vexatória, Dietl tentou justificar afirmando que quando uma pessoa tem boa aparência, ela recebe mais apoio, e completou dizendo que nenhuma empresa investiria dinheiro em uma medalhista olímpica que se parecesse com “um pedaço de pano desbotado”.
Discursos como esses são comuns no cotidiano das atletas que deveriam ter seus nomes veiculados apenas pelas suas conquistas dentro do esporte pelo qual dedicaram boa parte de sua vida treinando, e não sendo questionadas sobre sua aparência. A comparação beira o absurdo ao pensarmos que, se na conquista da medalha olímpica do futebol masculino, Neymar fosse criticado pelo seu cabelo desalinhado depois de uma partida, deixando de lado seu desempenho na competição. Pelo contrário, quando os torcedores não se satisfazem com os resultados por ele apresentados dentro de campo, a primeira opção é sempre especular sobre seu excesso de vaidade e as mudanças de seu corte de cabelo. Para a mulher, no entanto, tem-se o contrário.
O machismo está enraizado na cultura há anos. O decreto lei número 3.199 de 14 de abril de 1941 dizia: “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”. Entendia-se que esportes como futebol e lutas masculinizavam a mulher, tornando-as menos atraentes. O verdadeiro pedaço de pano desbotado é o sexismo, que sequer deveria ser pauta em pleno 2019. A questão é o patriarcalismo, que reduz a mulher ao olhar masculino. Atletas fantásticas são criticadas pela aparência, enquanto suas performances emblemáticas são colocadas de lado. O corpo da mulher não é sobre como o homem se sente, mas como ela mesma se enxerga. As atletas não estão lá para serem bonitas e atraentes, embora elas sejam. Elas treinam diariamente para bater recordes de velocidade, fazer gols, dar saltos espetaculares, não para agradar um público que apenas finge ser amante do esporte. Ao agir dessa forma, não só as atletas são reduzidas a um estereótipo, mas todas as mulheres. Até aquelas que apresentam discursos equivocados como esses. A luta também é por elas, que ainda não entendem que suas falas acabam ferindo elas mesmas.
Este texto faz parte da edição 320 do jornal-laboratório Comunicare