Após encerrarem greve, professores da rede estadual são submetidos a investigação por iniciativa do governo Ratinho Junior

por Ricardo de Siqueira
Após encerrarem greve, professores da rede estadual são submetidos a investigação por iniciativa do governo Ratinho Junior

Professores saem da paralisação de três dias sem acordos para barrar projeto que privatiza os setores administrativos das escolas

Por Lara de Oliveira e Ricardo de Siqueira | Fotos: Ricardo de Siqueira

Professores da rede estadual de ensino do Paraná encerraram na primeira quarta-feira do mês (5) uma greve de três dias, depois da aprovação e sanção do projeto de lei “Parceiro da Escola”. Após uma reunião geral, a categoria definiu um conjunto de ações para ainda tentar barrar o programa nas escolas.  O projeto foi aprovado com 38 votos favoráveis e 13 contrários em segunda votação realizada na tarde de terça-feira (4) na Assembleia Legislativa. Mesmo com a mobilização realizada em várias cidades do estado, os profissionais da educação encerraram o movimento sem acordos ou negociação para impedir a implementação do projeto. Ao contrário, agora são alvo de uma investigação para apurar as circunstâncias da ocupação do prédio no Centro-Cívico.

Na segunda-feira (05), a primeira votação foi realizada remotamente após a ocupação das galerias da Assembleia pelos professores. A ocupação se encerrou após o fim da segunda votação. Mesmo com clima de derrota, os professores pareciam já prever o resultado e agora traçam novas medidas para derrubar o projeto nas escolas. A presidente da APP Sindicato do Professores, Walkiria Olegário Mazeto, afirma que a organização entrará com recurso na Justiça em conjunto com os deputados da oposição para questionar a constitucionalidade do projeto.

Como infelizmente nós não conseguimos, na forma do diálogo, que este projeto fosse retirado para que pudesse ser debatido com toda a sociedade e conosco trabalhadores da educação, agora temos duas frentes de ação. A primeira é judicial: nós vamos recorrer ao judiciário, porque este programa é inconstitucional, ele é ilegal para além de imoral. A gente não compreende qual é a pressa do governador em aprová-lo de forma tão atropelada. Tirou todos os demais projetos em pauta, mantendo somente este projeto para poder ser votado.

Walkiria Olegário Mazeto, presidente da APP Sindicato

Walkiria comenta que a segunda frente de ação é o diálogo com a comunidade escolar, para tentar bloquear a privatização das escolas, caso haja a prometida consulta prévia com a comunidade. “Devemos dar todas as informações pra que a comunidade escolar resista à privatização”, afirma. “Precisamos preparar a população paranaense para outros ataques contra a educação.”

Com o anúncio da continuação da greve após a aprovação, o Governo do Paraná pediu a prisão da presidente do sindicato, pelo descumprimento da ordem judicial contra a manutenção da paralisação. Pelas redes sociais, Walkiria Mazeto chamou a petição de “descabida” e disse que é mais uma tentativa do governo de criminalizar o movimento dos professores.

O deputado estadual Goura Nataraj (PDT) classifica como antidemocrática a forma como Ratinho Junior (PSD) trata projetos ideologicamente estratégicos para o governo. Ele afirma que em vários momentos a bancada governista entrou com regime de urgência para aprovar propostas voltadas para educação pública e setores públicos, sem a construção de um debate com a sociedade.

Esse debate nunca houve por conta do regime de urgência. Não falo apenas dessa questão pontual desses dias tristes, quando tivemos a aprovação da privatização. Em 2019 teve um episódio em que a Assembleia foi transferida para a Ópera de Arame por causa dos protestos dos servidores, quando se teve ações do governo do Estado em conjunto com a bancada da Assembleia, para aprovar projetos que retiraram direitos dos servidores. Então não é surpresa alguma que o mesmo instrumento, o mesmo modus operandi tenha sido novamente aplicado.

Deputado estadual Goura Nataraj (PDT)

Goura confirma que os deputados da oposição vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal e afirma que Ratinho Junior e os deputados governistas estão beneficiando o enriquecimento de empresários. “Nós vamos entrar no STF com uma ação direta de inconstitucionalidade. A terceirização das escolas públicas é algo assombroso, isso vai para outro nível de precarização do ensino público”, diz Goura. “Há elementos que demonstram isso, principalmente em relação ao repasse do Fundeb, Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica, que não pode ser aplicado para entidades privadas. É um grande negócio, Ratinho Jr e os deputados que estão junto com ele estão trabalhando para enriquecer grupos empresariais.”

Para o líder do governo na Assembleia, deputado estadual Hussein Bakri (PSD), há uma incompreensão e uma questão ideológica por parte das pessoas que não apoiam o projeto. O deputado afirma que o projeto é democrático, pois haverá a possibilidade de a comunidade escolar poder votar e decidir o futuro das escolas com a consulta prévia.

A decisão está na comunidade escolar. A rigor, é a comunidade que vai decidir, pois o processo todo é feito aqui, mas é a comunidade escolar que vai decidir sim ou não.

Deputado estadual Hussein Bakri (PSD)

Hussein ainda afirma que o projeto teve o tempo suficiente para ser debatido e aprovado. “Inclusive durante esse tempo tivemos deputados nossos que fizeram visitas pessoais às escolas, puderam perceber o funcionamento”, diz. A Assembleia Legislativa iniciou a tramitação do projeto no dia 27 de maio e em apenas uma semana a proposta foi aprovada e sancionada pelo governador do estado.  São 204 escolas previstas para terem a gestão administrativa entregue para o setor privado. A proposta foi recebida com ânimo pelo presidente da casa, Ademar Traiano (PSD) que classificou a iniciativa como um avanço para o estado.

Usando, inconstitucionalmente, de um banco de dados que continha as informações e número telefônico de pais dos alunos da rede pública de ensino, a Secretaria de Educação do Paraná (Seed) fez um disparo de vídeos que são uma campanha contra a greve realizada pelos professores na semana do dia 3 de junho. Apesar de confirmar a autoria dos vídeos, não há assinatura por parte da pasta. A ação realizada pela Secretaria é denominada como abuso dos dados por especialistas, uma vez que fere a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

Manifestação durante votação na Alep

Manifestantes recebem os professores que desocuparam a Alep após mandado de reintegração de posse

Polícia Militar ameaçou dispersar manifestantes após pequeno conflito

Durante a segunda votação, na terça-feira da semana passada (4), os professores acompanharam os votos através de um carro de som. Ao final da votação, os professores desocuparam o prédio da Assembleia, recebidos com rosas brancas pelos manifestantes do lado de fora. Houve um pequeno conflito entre um grupo de estudantes com uma pessoa contrária à manifestação. A polícia militar interviu e ameaçou dispersar os manifestantes, mas os professores fizeram um cordão para evitar a ação de alguns estudantes.

A professora de artes Thais Catharin, presente na manifestação dessa terça-feira, conta suas motivações para estar na manifestação. “Esse projeto tem várias camadas de destruição”. Assédio, pressão para uso de plataformas digitais inefetivas e perdas de direito, são algumas das coisas que Thaís alega acontecer atualmente nas escolas, onde os professores estão perdendo seu lugar de educador. A perspectiva de perder seu emprego a qualquer momento assusta e evidencia a desvalorização do ensino segundo a professora. Uma das críticas da categoria se refere à contratação de CLT´s: os funcionários podem estar à mercê de empresas que podem demiti-los e recontratá-los por um salário menor e injusto. Thaís finaliza com uma perspectiva do que seriam as escolas privatizadas no futuro, sem instâncias deliberativas. “Não tem mais nenhuma instância democrática e a gente vai ter que obedecer a isso”.

Muitos estudantes  foram às ruas ao lado de professores para lutar contra a privatização das escolas. Motivada pela busca de uma educação de qualidade, Lidiane de Souza, estudante do Colégio Estadual do Paraná, cursa o terceiro ano do Ensino Médio e afirma que vender uma escola pública para iniciativa privada não é correto, uma vez que a escola pública é, por lei, dever do Estado. Ressalta também que o Novo Ensino Médio não mostra resultados, pelo contrário, vários estudantes recorrem a cursinhos privados para suprir a falta de disciplinas como história e sociologia. Apelidado como CEP, o Colégio Estadual do Paraná está fora da lista de instituições a serem privatizadas. Mesmo assim, “Temos uma mobilização grande no CEP”, diz Lidia, afirmando que os alunos se mobilizaram por conta própria e que estavam recebendo falta normalmente, apesar da maioria não estar presente nas salas de aula.

No dia seguinte, quarta-feira (05), os professores realizaram um ato em frente à Secretaria Estadual de Educação, e também em Núcleos Regionais da Educação ao redor do estado. No final do dia foi realizada uma assembleia geral, com a votação e a decisão pelo encerramento da greve.

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