Apesar de Lei, transexuais têm direitos negados em cartórios

Associação afirma que está recebendo denúncias de desserviço no processo de mudança de nome e sexo
Por Ana Cláudia Iamaciro, Mariana Meyer, Matheus Koga
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em março deste ano, assegurar o direito dos transexuais de mudar o nome e sexo no registro civil sem precisar, necessariamente, ter realizado a cirurgia de redesignação sexual. No entanto, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) recebeu denúncias de descumprimento desta decisão em cartórios pelo Brasil. Em agosto, no Rio Grande do Sul, uma mãe transexual, que fez a transição após sua namorada engravidar, não pôde registrar seu filho no cartório – tendo que se registrar como “mãe socioafetiva”.
A questão da intolerância sofrida pelo grupo LGBTI+ no Brasil é amplamente discutida – o país lidera o ranking de mais assassinatos de transexuais no mundo (veja no mapa abaixo).
A deputada Maria do Rosário (PT) apresentou, em 2014, um projeto de lei contra a discriminação, preconceito, violência ou homicídio – considerando-os crimes de ódio. O projeto ainda prevê maior pena para a infração, que, atualmente, chega até, 6 anos de prisão. Porém, a maioria dos crimes contra transexuais não são registrados como crimes de ódio ou crimes por transfobia.
Para o diretor executivo da Organização Brasileira LGBTI, fundador e Secretário de Educação da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), Toni Reis, é importante trabalhar na educação. “Nós temos pesquisas que 73% da nossa comunidade sobre LGBT fobia nas escolas, 60% se sente inseguro e 36% sofre violência física”, afirma o diretor.
Apesar da cirurgia de mudança de sexo não ser um requisito para a mudança de nome no registro civil, alguns cartórios solicitam laudos médicos para o prosseguimento – o que é considerado uma prática abusiva. A ANTRA em parceria com o Instituto PRIOS de Políticas Públicas e Direitos Humanos criaram o projeto “Eu Existo”, que tem o objetivo de monitorar se a garantia do direito de alterar o registro civil está sendo cumprido, e da forma correta. A transexual e educadora social na Associação Transgrupo Marcela Prado, Sabrina Mab Taborda afirma que, apesar da decisão do STF ter trazido mais inserção dos transexuais na sociedade, houve dificuldades no processo. “De início, através da regulamentação, havia resistência por parte de alguns cartórios. E, como tudo no Brasil, quando o assunto é direitos das pessoas LGBTIs, é o movimento social que tem sempre de monitorar se está sendo cumprido ou não.”
O procedimento da redesignação sexual é feito gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2008, entretanto, pessoas que desejam realizar a operação correm o risco de esperar até 10 anos na fila e a cirurgia particular pode chegar a até R$100 mil, levando muitos brasileiros a recorrerem a países onde o procedimento seja mais barato. Nações como a Índia e a Tailândia não tem fila de espera para a realização da cirurgia e recebem, anualmente, cerca de 250 mil pacientes cada uma.
A invisibilidade dos transexuais foi objeto de estudo do psicólogo Pedro Sammarco, que constatou que, visando a realidade violenta do país, transexuais e travestis que chegam até os 30 anos de idade podem ser considerados sobreviventes. Victor Gouvea, que ainda passa pela transição, conta que já teve que sair correndo na rua por medo de violência. “O medo é diário, na verdade, porque as pessoas não entendem e não tentam entender. Não mudei meu nome formalmente ainda, e, tem gente – familiares, conhecidos, que insistem em me chamar pelo meu nome de nascença, mas não é mais meu nome. Só que não adianta falar.”
Em nota oficial, a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg) se posicionou em prol da causa transexual. Fernando Abreu Costa Júnior, assessor jurídico da instituição, disse: “O princípio da dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil e está insculpido no artigo 1º da Constituição Federal, portanto, a carta magna há que ser interpretada mercê desse princípio, e no condão de regulamentá-la a legislação infra-constitucional deve dar guarida à aplicação prática de tal princípio. A carteira de identidade (Lei nº 7.116/1983) sofreu alterações em 05/02/2018 quando da edição do Decreto Presidencial nº 9278, que dispôs que por requerimento do interessado poderá ser incluído no RG o nome social (Art. 8º,XI). Porém manteve a inconveniência da mantença do nome registral (ou seja, nome que consta dos registros e averbações constantes dos livros do registro civil de pessoas naturais).”