Apesar de lei criada recentemente, assédio em transporte público aumenta em Curitiba

Ainda que o número de usuários tenha caído nos últimos anos, o crime não dá trégua. No transporte privado, alternativa a favor das mulheres surge por meio de aplicativo
Por Enzo Destefani, Giulia Militello e Guilherme Fagundes | Foto: Guilherme Fagundes
Os casos de assédio sexual em transporte coletivo na capital paranaense ocasionaram 39 inquéritos policiais e sete flagrantes registrados pela Guarda Municipal nos primeiros quatro meses de 2020.
Estatísticas publicadas pela URBS apontam que a quantidade de usuários de transportes públicos vem tendo uma diminuição significativa em Curitiba desde 2015 devido ao surgimento de aplicativos de transporte particular. Em 2019, foram registrados 1.365.615 passageiros que foram transportados utilizando o sistema público. A redução dos passageiros do meio de condução comunitário poderia significar, em tese, a queda dos casos de assédio sexual, porém não é o que ocorre.
Considerando que muitos dos usuários de transporte coletivo são mulheres, é necessário também o investimento em segurança, visto que as ocorrências de importunação sexual dentro de ônibus aumentaram. Em contato com a assessoria da Guarda Municipal, a orientação passada é que a vítima ou uma testemunha ligue para o número 153 e que a denúncia seja feita dentro do transporte coletivo para que a abordagem possa acontecer antes do desembarque.
Em 2017, a vereadora Maria Letícia Fagundes (PV) manifestou o desejo de criar um espaço exclusivo para mulheres nos biarticulados (a linha de maior incidência de casos), mas o projeto não foi levado para frente. “Alguns movimentos sociais dizem que a solução não seria separar lugares e, sim, campanhas educacionais”, declara a vereadora. Ainda de acordo com Maria Letícia, a importância da denúncia é não deixar o agressor impune. “Os dados são a prova de que o assédio existe e de que a violência sexual é real”, acrescenta.
Isabily Miranda, 18 anos, relata que tinha apenas 14 anos na primeira vez que foi assediada. “O cara ficou indo atrás de mim no ônibus pra ficar se encostando. Como estava com minha mãe, não tive muita reação, pois não tinha entendido na hora.” Isabily conta, além disso, sobre outra ocasião: “Ele entrou no ônibus e olhou direto pro meu peito, aí sentei. Ele sentou ao meu lado e ficou olhando pra dentro da minha blusa. Eu fiquei mal depois, mesmo que sem reação na hora, mas fiquei pensando que eu não deveria estar com aquela blusa decotada.”
Quando perguntada sobre melhorias, Isabily considera “perfeita” a ideia de implantação de uma área de ônibus exclusiva para mulheres. Já Adrielli Szajda, 20 anos, também vítima de assédio em veículo coletivo de Curitiba, sugere uma “maior facilidade de denúncia, algum aplicativo que falasse com a polícia com um botão que indicasse a localização do ônibus e desse pra mandar mensagem do ocorrido e uma foto do criminoso”. Nenhuma das mulheres entrevistadas denunciou o ocorrido, por achar que não levaria a lugar nenhum ou por não saberem como proceder.
Aplicativos de carro particular
Apesar de a maioria dos casos de importunação sexual contra mulheres ser registrada dentro de transportes públicos, vemos também muitos casos que acontecem dentro de carros particulares de aplicativos. O que era para ser uma opção de transporte segura, para algumas mulheres acabou se tornando um pesadelo.
A importunação sexual dentro de transportes privados geralmente ocorre quando os motoristas levam mulheres. Assim, a situação pode vir a ser ainda pior do que as vividas em transporte público, considerando que a vítima pode estar viajando sozinha, o que a faz sentir-se desprotegida.
Para evitar que situações como essa se repitam, alguns desenvolvedores de aplicativos de todo o Brasil criaram apps de carros particulares exclusivos para as mulheres, garantindo a segurança tanto da motorista, quanto da passageira. Em Curitiba, além dos aplicativos tradicionais mais conhecidos entre a população, entrou também em funcionamento o Drivers Mulheres que, segundo avaliações das próprias usuárias, é “muito tranquilo e seguro”. O aplicativo pode ser utilizado a qualquer momento, apenas por mulheres, abrindo exceção para menino de até 12 anos ou homem de 60 anos para cima, obrigatoriamente acompanhados de mulheres. Assim sendo, a única maneira de homens fazerem uso da plataforma feminina.
Em entrevista, Adriane Vergara, 46 anos, usuária do aplicativo Drivers Mulheres, afirma que além de se sentir segura e protegida em suas viagens, se sente acolhida pelas motoristas da plataforma. A usuária diz que apesar do app ser bom, falta divulgação e mais motoristas disponíveis. “Na primeira vez que solicitei uma viagem, tive que esperar 30 min uma resposta, por ter apenas 12 carros disponíveis em toda a cidade. No fim, acabei pedindo um carro de um aplicativo famoso.”
Essa situação deixa Adriane com medo, mesmo sem ter sofrido assédio e transporte público ou privado. “Tenho medo de motoristas de outros aplicativos, uma vez que nós mulheres nunca sabemos o que vai acontecer conosco. Sempre iremos andar de mãos dadas com o medo.” A usuária do aplicativo diz recomendar a plataforma pra suas amigas sempre e concluí que motoristas mulheres dão mais segurança e conforto.
Lei a favor das vítimas de assédio sexual
A lei se encontra no artigo 216-A do Código Penal, que diz: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. A pena é, segundo a Polícia Civil, de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos. Na Lei nº 13718/2018, a importunação sexual, na qual se enquadram as condutas ocorridas dentro dos transportes públicos, passou a ser crime punido com pena de reclusão de 1 a 5 anos (se não constitui crime mais grave).