Apenas 13,79% dos homenageados pela Alep com títulos de cidadania são mulheres

por Álefe Nícolas dos Santos de Carvalho
Apenas 13,79% dos homenageados pela Alep com títulos de cidadania são mulheres

Títulos de Cidadania Honorária ou Benemérita são concedidos majoritariamente para homens brancos

Por Álefe Nícolas dos Santos de Carvalho | Foto: Dálie Felberg/Alep

Desde o início da última legislatura da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), em janeiro de 2019, apenas quatro mulheres receberam títulos de Cidadania Honorária ou Benemérita, contra 25 homens, de acordo com levantamento do Portal Comunicare. Uma dessas das homenageadas foi a parnanguara Damares Alves, ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Dos 29 homenageados, oito são empresários, quatro são líderes religiosos e quatro são generais ou almirantes. Os dados, coletados nas publicações dos Diários Oficiais da Alep entre janeiro de 2019 e maio de 2022, indicam pouca diversidade e baixa representatividade de grupos minoritários no recebimento dos títulos.  De acordo com a historiadora Maria Eduarda Keska Sampaio Pinto, pesquisadora dos conceitos de memória, representação, imaginário e história do Paraná, o Brasil preserva uma cultura que considera o homem branco como ocupante de um papel civilizatório, excluindo a participação de mulheres e homens negros em momentos cruciais da história.  

De acordo com a Lei Estadual 13.115, de 15 de fevereiro de 2001, essas honrarias deveriam reconhecer a trajetória de vida de figuras relevantes na história do Estado. A diferença entre Cidadania Honorária e Benemérita é que a primeira é concedida a cidadãos nascidos em outros estados, enquanto a segunda é concedida a paranaenses natos. Os próximos nomes a receber títulos da Alep devem ser Junior Durski, fundador da rede de restaurantes Madero, e Luciano Hang, dono da marca varejista Havan.

O título de Cidadão Honorário ou Benemérito é concedido por meio de projetos de lei de deputados estaduais para personalidades que cumpram cinco critérios estabelecidos na lei que institui essas homenagens: “ter contribuído com o desenvolvimento das ciências, letras, artes ou da cultura em geral; ter ação destacada na área de filantropia ou em favor de obras sociais; contar com uma biografia com registro de postura ética; apresentar notório conhecimento e saber na área de atuação; e dispor de publicações de abrangência estadual em periódicos, jornais, revistas ou outros meios de comunicação”. 

O deputado que mais concedeu títulos foi Alexandre Curi (PSD), autor ou coautor de quatro homenagens. Ele é seguido por Ademar Traiano (PSD), presidente da casa, e Luiz Claudio Romanelli, primeiro secretário, que foram autores ou coautores de três homenagens cada. De longe, o partido que participou de mais concessões de títulos foi o Partido Social Democrático, que teve deputados envolvidos na concessão de dez títulos. Em seguida, estão União Brasil e Partido Progressista, com cinco cada.

Falta de representatividade

Para a historiadora Maria Eduarda Keska Sampaio Pinto, a falta de diversidade não é uma exclusividade do Paraná. Segundo ela, esse mesmo padrão pode ser observado em todo o país. Maria Eduarda relembra que, apesar de Maria Leopoldina ter realizado um enorme esforço para articular a independência do Brasil, Dom Pedro foi o único creditado pelo feito. “A mulher sempre foi colocada em segundo plano, através desse pensamento europeu que foi criado em que a mulher tinha que ser submissa”, diz ela.

Na história do Paraná, não foi diferente. Maria Eduarda diz que outro exemplo histórico é o Cerco da Lapa, um importante episódio de história paranaense durante a Revolução Federalista (1894). “Tivemos escravos e escravas que participaram do Cerco, e não há nada relatado sobre eles. Esses erros gravíssimos estão impregnados em nossa cultura desde 1500″, afirma Maria Eduarda. “A ausência da mulher nessas homenagens da vida política contemporânea é um problema herdado da nossa colonização.”

Para combater essa falta de reconhecimento das mulheres que influenciaram o curso da história, Maria Eduarda salienta que é necessário que o Poder Público crie possibilidades para aumentar a participação feminina no âmbito político. Ela também defende investimentos em instrução política nas escolas para valorizar a participação das mulheres na história, assim como políticas públicas de pesquisa sobre a presença feminina na sociedade. “Não temos investimento em pesquisas históricas e geográficas sobre o papel feminino no Paraná”, diz. 

As homenageadas

Damares Regina Alves é uma advogada, pedagoga e política, atualmente filiada ao Republicanos, nascida em Paranaguá. Ela ganhou notoriedade nacional após se tornar Ministra do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Enquanto exerceu o cargo, Damares colecionou polêmicas e se tornou conhecida por produzir cortinas de fumaça para distrair o debate público dos escândalos que cercavam o governo Bolsonaro. 

Clemilda Thomé é uma empresária paranaense. Hoje, ela é dona de um holding que comanda empresas nas áreas de educação e saúde. Nascida no interior do Paraná, em Sapopema, a empresária teve uma infância humilde. Certa vez, um incêndio florestal na região que matou mais de 100 pessoas atingiu sua casa, incendiou toda a plantação da família e matou todos seus animais. Em 1992, após deixar o interior para estudar na capital, Thomé e seu marido venderam um terreno e um carro velho para abrir uma empresa de implantes dentários, que 20 anos após ser fundada foi adquirida pelo Grupo Suíço Straumann. Hoje, Thomé é considerada uma das mais influentes empresárias paranaenses.

Tereza Rosa de Oliveira Rodrigues, natural de Guaranta (SP), é uma líder religiosa umbandista conhecida por ter participado do processo de consolidação da religião no Estado do Paraná. Ela prestou serviços de atendimentos e benzimentos para a população do interior e da capital.

Vani Quadros Fadel nasceu no município de Ibaiti, e em 1982 conheceu a Rede Feminina de Combate ao Câncer de Ponta Grossa. Hoje, quatro décadas depois, Fadel já cumpriu dez mandatos como Presidente da Rede e foi responsável pela sua expansão e consolidação. A sede de Ponta Grossa atende mais de 200 pacientes carentes em tratamento oncológico na cidade. 

Controvérsias

Apesar de a lei estabelecer que o recebedor do título de Cidadania Honorária ou Benemérita tenha “biografia com registro de postura ética”, alguns dos homenageados já estiveram envolvidos em polêmicas. Por exemplo, Junior Durski, que deve receber a Cidadania Benemérita em breve, foi condenado a pagar mais de meio milhão de reais em ações trabalhistas. O Ministério do Trabalho e Emprego autuou a rede de hamburguerias do empresário, o Madero, com 80 infrações em 14 unidades no ano de 2017. Em média, cada multa foi de R$36 mil reais. A Advocacia Geral da União afirmou que “a empresa, visando o lucro, imputou condições abusivas aos empregados”.

Outro nome que chama a atenção é o do General Augusto Heleno Ribeiro Pereira. Atual chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Heleno tornou-se conhecido por seus ataques à democracia e pelos esforços para manter sigilo sobre informações que poderiam prejudicar a imagem pública do Governo Federal. 

Damares Regina Alves, uma das poucas mulheres homenageadas, foi condenada pela Justiça Federal em conjunto com o Presidente Jair Bolsonaro e o Ministro da Economia Paulo Guedes em ação movida pelo Ministério Público Federal em São Paulo, após falas discriminatórias contra as mulheres. A juíza Ana Lúcia Petri Betto, da 6ª Vara Cível Federal de São Paulo, determinou que a União pagasse R$5 milhões a títulos de danos morais coletivos em razão das declarações misóginas. Damares sugeriu que meninas são exploradas sexualmente por não usarem calcinha.

Adalberto Jorge Xisto Pereira, desembargador homenageado, também se envolveu em um escândalo. Sem saber que sua conversa estava sendo transmitida ao vivo pelo YouTube do Tribunal de Justiça do Paraná, o magistrado Edison de Pacheco Macedo afirmou que levaria mulheres para conhecer seus colegas de corte em seu próximo encontro. “Vou levar as duas lá para você ver. Uma para você e uma para o Xisto. A loira é do Xisto”, disse.

Lista completa

Confira abaixo a lista completa dos homenageados e os autores dos Projetos de Lei que concederam a honraria para cada um deles.

Damares Regina Alves recebeu o título de Cidadã Benemérita por meio do Deputado Delegado Francischini.

Jair Alfredo Pereira recebeu o título de Cidadão Honorário por meio da deputada Michele Caputo (PSDB).

Carlos Eduardo Thompson Flores recebeu o título de Cidadão Honorária por meio do deputado Ricardo Arruda (PL).

Joaquim Silva e Luna recebeu o título de Cidadão Honorário por meio do deputado Soldado Fruet (PROS).

Arístides Spósito recebeu o título de Cidadão Honorário por meio do deputado Rodrigo Estacho (PSD)

Augusto Heleno Ribeiro Pereira recebeu o título de Cidadão Benemérito por meio dos deputados Tião Medeiros (PP) e  F. Francischini (UB).

Mauricio Gehlen recebeu o título de Cidadão Honorário por meio do deputado Soldado Adriano José (PP).

Sérgio Castro de Oliveira recebeu o título de Cidadão Benemérito por meio do deputado Gilson de Souza (PL).

José Jacó Vieira recebeu o título de Cidadão Benemérito por meio do deputado Soldado Adriano José (PP).

Adriano Rocha Lago recebeu o título de Cidadão Benemérito por meio da deputada Michele Caputo (PSDB).

Odacir Antonelli  recebeu o título de Cidadão Benemérito por meio dos deputados Ademar Traiano (PSD) e Artagão Júnior (PSD).

Adonai Aires de Arruda recebeu o título de Cidadão Benemérito por meio do deputado Anibelli Neto (MDB).

Clemilda Thomé recebeu o título de Cidadã Benemérita por meio do deputado Alexandre Curti (PSD).

Vani Quadros Fadel recebeu o título de Cidadã Benemérita por meio da deputada Mabel Canto (PSDB).

Adalberto Jorge Xisto Pereira recebeu o título de Cidadão Benemérito por meio dos deputados Ademar Traiano (PSD), Luiz Claudio Romanelli (PSD), Gilson de Souza (PL), Alexandre Curi (PSD).

José Moacir Turquino recebeu o título de Cidadão Benemérito por meio dos deputados Alexandre Curi (PSD), Delegado Jacovós (PL), Tiago Amaral (PSD).

Alexandre da Rosa recebeu o título de Cidadania Honorária por meio da deputada Cantora Mara Lima (REP).

Barcimio Sucupira Junior recebeu o título de Cidadão Benemérito por meio dos deputados Ademar Traiano (PSD), Luiz Claudio Romanelli (PSD), Alexandre Curi (PSD), Galo (PP).

Tereza Rosa de Oliveira Rodrigues recebeu o título de Cidadã Honorária por meio do deputado Goura (PDT).

Carlos Alberto Garcia recebeu o título de Cidadão Honorário através dos deputados Tercílio Turini (PSD) e  Luiz Claudio Romanelli (PSD).

Anderson Mathias Bonin Bueno recebeu o título de Cidadão Benemérito por meio do deputado Mauro Moraes (UB).

Wilson Picler recebeu o título de Cidadão Benemérito por meio do deputado Hussein Bakri (PSD).

Sebastião Ferreira Martins recebeu o título de Cidadão Honorário por meio do deputado Anibelli Neto (MDB).

Luis Carlos Gomes Mattos recebeu o título de Cidadão Honorário por meio do deputado Hussein Bakri (PSD).

Anatalício Risden Junior recebeu o título de Cidadão Benemérito por meio dos deputados Maria Victoria (PP) e Elio Rusch (UB).

Otto Santos da Cunha recebeu o título de Cidadão Honorário através do deputado Plauto Miró (UB).

Metodologia de pesquisa

O levantamento do Portal Comunicare foi realizado a partir de pesquisa nos Diários Oficiais da Assembleia Legislativa do Paraná, disponível no site da Imprensa Oficial. Por meio do mecanismo de pesquisa nos arquivos, foram buscados os seguintes termos: “Cidadania Honorária”, “Cidadão Honorário”, “Cidadã Honorária”, “Cidadania Benemérita”, “Cidadão Benemérito”, “Cidadã Benemérita”. Informações complementares foram retiradas do site oficial da Assembleia Legislativa do Paraná.

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