Animais resgatados do tráfico são grande maioria em centros de tratamento

Após operação da polícia civil em fevereiro deste ano, mais de 300 espécies de animais silvestres foram apreendidos e encaminhados para instituições de apoio à fauna. Profissionais indicam como são feitos os cuidados e qual será o destino deles
Por Beatriz Moschetta Santos | Foto: Beatriz Moschetta Santos
Nos últimos anos, Curitiba passou a abrigar diversos centros especializados no cuidado e reabilitação de espécies silvestres vítimas do tráfico ilegal. Esses centros desempenham um papel crucial na recuperação de animais resgatados, proporcionando cuidados veterinários, alimentação e condições ambientais adequadas para sua reabilitação.
Além disso, eles trabalham na preparação para a reintrodução desses animais na natureza sempre que possível. Segundo a prefeitura municipal, o Centro de Apoio à Fauna Silvestre (CAFS) de Curitiba proporcionou uma nova oportunidade para mais de 8,6 mil animais silvestres através de seu atendimento. Essas iniciativas não apenas ajudam a proteger as espécies ameaçadas, como também servem de alerta à população a respeito dos impactos negativos do tráfico de animais silvestres e a importância da preservação da fauna nativa.
O comércio ilegal de animais silvestres é uma das principais atividades do crime organizado. Movimenta entre US$ 10 a US$ 20 bilhões anualmente e representa uma ameaça significativa para o ecossistema e as comunidades locais.
O Brasil é um grande alvo para quadrilhas e organizações criminosas. Segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), mais de 38 milhões de animais são retirados da natureza a cada ano. Porém, como também indica a organização, 9 em cada 10 animais traficados morrem antes de chegar aos consumidores finais.
Os pássaros representam um dos grupos de animais mais explorados por traficantes. O canto suave e a habilidade de imitar sons e vozes atraem a atenção de muitas pessoas, desenvolvendo nelas a vontade de possuir e domesticar essas espécies. A residente e médica veterinária do setor de fauna do Instituto Água e Terra (IAT) Fabiana Baggio comenta que o som das aves envolve muito dinheiro. “Existem torneios de canto e o pessoal gosta, às vezes, de ficar ouvindo dentro de casa.”
O Instituto Água e Terra (IAT) recebe animais apreendidos em operações e investigações da polícia civil e ambiental. Assim como da fauna vitimada, que se machucaram no meio urbano, mas esses representam um número pequeno perto da quantidade de apreensões.
Desde 2018, após um convênio entre o IAT e o Centro de Apoio à Fauna Silvestre (CAFS), são disponibilizados recursos e insumos para viabilizar a manutenção das espécies. O Centro recebe animais feridos para atendimento pelos mais diversos motivos.
A médica veterinária do IAT Fabiana Baggio explica que as espécies traficadas geralmente chegam no instituto em situações muito traumáticas. “Os bichos ficam em um nível de estresse muito grande por estarem em gaiolas superlotadas ou às vezes em ambientes muito insalubres. Nós recebemos, com bastante frequência, gaiolas extremamente sujas, com água podre, comida com fungo, e um grande acúmulo de fezes no interior.”
“Eles tinham uma mansão que era natureza e foram para uma quitinete, dentro da gaiola.”
Eles frequentemente exibem comportamentos agressivos, se debatendo contra as grades das gaiolas na tentativa desesperada de escapar, resultando em ferimentos e até mesmo na perda de penas. Mamíferos, embora menos comuns no tráfico, também podem sofrer, mas em menor escala. Os répteis, por sua vez, chegam desnutridos e com problemas de saúde devido às condições específicas de manejo que requerem, como luz, umidade e temperatura.
Arara-de-testa-vermelha sem as penas da cabeça
Por isso é muito importante que no processo de reabilitação, os profissionais analisem diferentemente cada espécie e o estado que ela foi encontrada. A veterinária Fabiana Baggio revela que demora muito mais tempo para recuperar espécies que apresentarem alguma fratura ou dificuldade em executar suas atividades. No entanto, alguns animais serão reabilitados com mais rapidez por não estarem tão feridos, e não apresentarem nenhum processo crônico.
A professora de biologia da PUCPR e especialista em conservação da natureza Lays Parolin diz que os cuidados com os indivíduos resgatados são muito delicados. Dependendo do tempo que ele ficou em cativeiro vai ser uma espécie que não consegue se adequar às questões ambientais. “Ele não vai conseguir caçar, não vai conseguir buscar recursos, nem se proteger. É uma espécie que não teve um aprendizado. Muitas vezes só com um grupo, ou com os seus pais, para que ele conseguisse desempenhar essas funções.”
Ao tratar das aves apreendidas, Fabiana Baggio enfatiza que, embora muitas estejam estressadas e relutantes ao contato humano, serão avaliadas criteriosamente antes da soltura, considerando sua capacidade de voo e ausência de lesões. Então, a soltura na natureza é uma opção viável, especialmente para espécies nativas do Paraná, que têm maior chance de reintegração bem-sucedida.
Por outro lado, a reintrodução de répteis na natureza é altamente desafiadora, devido à maioria dos répteis apreendidos não serem nativos do Paraná, limitando as opções de soltura. O critério principal para decidir sobre a soltura é se a espécie ocorre naturalmente na região. Espécies que não são nativas do Paraná enfrentam barreiras logísticas para retornarem à sua área de origem, tornando o cativeiro a única opção viável.
Quando o animal tem que ficar em cativeiro, eles sempre são levados a empreendimentos licenciados pelo Estado ou espaços públicos, como zoológicos, criatórios comerciais, entre outros. Em Curitiba, além do Zoo Curitiba, um outro espaço que recebe animais apreendidos é o Passeio Público, o parque mais antigo da cidade trata de variados tipos de aves. É possível praticar exercícios enquanto escuta o canto de lindos pássaros que foram salvos das mãos de criminosos.
As redes sociais influenciam o tráfico? Leia mais no infográfico abaixo:
Confira a galeria de fotos sobre as espécies de aves presentes no passeio público e seus estados de conservação
- Portal do parque, inspirado no portão do Cemitério de Cães de Paris
- Periquito de bourke: Pequeno papagaio nômade nativo da Austrália A espécie estava à beira da extinção devido à redução de seus habitats naturais pelas operações agrícolas. O governo australiano tomou medidas para salvá-la e agora sua situação é estável.
- Irerê: Presente em todo o Brasil. Fora do Brasil também ocorre na África, em Madagascar e nas Ilhas Comores. Estado de conservação é pouco preocupante
- Tucano de bico verde: É encontrado em toda a região Sul e Sudeste do Brasil, e também, no sul de Goiás (onde é bem raro), Paraguai e até no nordeste da Argentina. Estado de conservação é pouco preocupante
- Arara de testa vermelha: Encontrado principalmente na região central da Bolívia Está criticamente em perigo de extinção pois seu habitat natural sofre cada vez mais com alterações devido a atividades humanas
- Arara vermelha: A espécie é encontrada na Amazônia brasileira, em rios costeiros do leste do país, e também no Panamá, Colômbia, Venezuela, Bolívia e norte da Argentina. Estado de conservação é pouco preocupante
- Ararajuba Presente: no Brasil, principalmente no Pará e Maranhão Estado de conservação é vulnerável
- Mutum do nordeste: Presente no sul da Bahia, até o norte do Rio de Janeiro e Minas Gerais A espécie está extinta da natureza em decorrência da intervenção humana e da falta de compromisso dos órgãos ambientais e da sociedade com os últimos remanescentes de floresta em Alagoas e Pernambuco.
- Papagaio do mangue/Curica: A espécie tem uma ampla distribuição na América do Sul, desde os Andes na Colômbia até o sudeste do Brasil, incluindo também partes da Venezuela, Guianas, Suriname, Trinidad e Tobago. No Brasil, está presente na Bacia Amazônica, Mato Grosso, Pará, Bahia, Espírito Santo, entre outros estados. Estado de conservação é pouco preocupante
- Arara azul: Presente sobretudo no Brasil, porém também pode ser encontrada na Bolívia, próximo da divisa com o Brasil e norte do Paraguai. Estado de conservação é vulnerável
- Informativo sobre as aves presentes no Passeio Público