A realidade da comunidade LGBT em 2018

Entre avanços e retrocessos, entenda quais os desafios que a comunidade LGBT ainda enfrenta no cenário político brasileiro.
Por: Vanessa Bononi, Wesley Fernando
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Grupo Dignidade vídeo
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Igor Francisco – Transgrupo Marcela Prado
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Tatiana Fagundes tem 24 anos. Há dois, ela saiu de casa para morar sozinha, uma vez que seu salário como advogada já permitia arcar com todas as suas. A vida da Tati, como gosta de ser chamada, podia ser como a de muitas outras meninas da idade dela, exceto por uma questão: ela é lésbica, assumiu o namoro há pouco tempo e morar longe da família foi uma decisão para evitar que as brigas fossem mais constantes. Tati sabe que sua identidade sexual é motivo de preocupação para sua família, mas acredita que se mostrar forte e segura de sua condição é o caminho para que algum dia entendam que ser gay é apenas mais uma de suas tantas características.
Junho é o mês em que se celebra o Orgulho LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais). Passeatas e paradas ao redor do planeta celebram as conquistas da comunidade e reforçam pedidos para uma sociedade mais tolerante com os diferentes tipos de sexualidade. Apesar de ser um movimento amplo e bastante atuante, nem sempre as vozes são ouvidas. No Brasil, desde 2013 o casamento entre pessoas do mesmo sexo é permitido por uma solução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), porém, essa vitória jurídica não representa, necessariamente, mais respeito.
Tony Reis, diretor executivo do Grupo Dignidade, revela que, de acordo com pesquisa realizada em 2018 pela ONG que preside, 84% da população LGBT de Curitiba já foi discriminada. “Além de nortear os trabalhos do Grupo, essa pesquisa deve ser uma forma de pressionar por políticas públicas para essa população. Nós precisamos falar abertamente sobre esse problema para atacar as causas: a discriminação, a violência e a falta de perspectiva de vida para estas pessoas”, defende Reis.
De acordo com o relatório de 2018 do Grupo Gay da Bahia (GGB), o Brasil permanece no topo da lista de países que mais matam LGBTs em todo o mundo. Em 2017, o crescimento da violência contra gays, lésbicas, bissexuais, trangêneros e travestis aumentou 30% em relação ao último levantamento, de 2016. Foram registrados 445 assassinatos contra 343 do ano anterior. Isso quer dizer que, a cada 19 horas, uma pessoa não heterossexual é morta por ter um comportamento sexual fora do padrão. A causa das mortes registradas em 2017 segue a mesma tendência dos anos anteriores:a maioria por uso de armas de fogo (30,8%), depois armas brancas cortantes, como facas (25,2%).
Ainda de acordo com o levantamento, 56% das mortes ocorreram em via pública, como ruas e praças, mas também é alto o número de crimes que aconteceram dentro das casas das vítimas: 37%. A pesquisa mostra, ainda, que crimes como esses costumam ficar sem punição para os assassinos. A cada quatro homicídios, o criminoso foi identificado em menos de 25% das vezes. Menos de 10% das ocorrências registram abertura de processo e punição aos culpados. O GGB utiliza como ferramenta de pesquisa notícias publicadas na imprensa, na internet e informações pessoais compartilhadas com o grupo.
Exemplos dessa realidade não faltam. A estudante de artes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Matheusa Passarelli, de 21 anos, foi assassinada e teve o corpo incinerado por traficantes na zona norte do Rio de Janeiro em maio deste ano. Ela se identificava como não-binário, ou seja, não se reconhecia a nenhum sexo. Outro caso recente é de um jovem de 16 anos que foi morto pelo pai após ele descobrir que o filho era homossexual. Gabryel Schneyder Ribeiro foi vítima de espancamento dentro de casa.
O arquiteto João Marcelo Dias não sofreu violência física, mas também foi vítima do preconceito em seu próprio local de trabalho. Ele lembra de um episódio em que deu um beijo em seu namorado em frente ao prédio onde trabalhava. A cena foi rapidamente reprimida pelo segurança da empresa. “Ele veio, no mesmo instante, nos dizer que ali não era local para beijo, que as pessoas estavam comentando e que eu deveria respeitar meu local de trabalho. Fiquei tão sem reação que só consegui responder que não fazia nada de errado”, recorda.
Outro acontecimento que coloca em cheque a segurança de LGBTs no Brasil é a liminar, de setembro de 2017, que permite que psicólogos ofereçam tratamento de reversão de orientação sexual para pacientes que procurem esses métodos. Embora gays e lésbias não sejam considerados doentes desde 1990, o juiz da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal autorizou psicólogos a desenvolverem terapias para essa finalidade. A decisão permanece válida.
Outra pauta que ainda é um problema na realidade de LGBTs é a criminalização da homofobia – leis federais que procuram tornar crimes o preconceito e a discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Não há qualquer lei em tramitação no congresso nacional que fale desta agenda. O projeto de Lei 122, que tinha essa finalidade, foi arquivado após oito anos no Senado sem obter aprovação.
Ainda referente a projetos arquivados, o programa “Escola sem homofobia”, que ficou conhecido como “Kit Gay”, também foi um banho de água fria no movimento. A cartilha do governo federal levava a escolas, para crianças acima dos 11 anos, informações sobre aceitação, diversidade sexual e respeito às diferenças. Setores conservadores da sociedade, da bancada evangélica da Câmara dos Deputados e de igrejas pressionaram o governo, pois enxergaram que o material iria “estimular o homossexualismo e a promiscuidade”. A presidência, então, suspendeu o programa.
O lado positivo
Foi possível também notar avanços nos últimos anos em algumas questões referentes à população LGBT. Da aprovação do casamento LGBT, em 2013, até 2016, foram registrados 19,5 mil casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Embora não esteja na Constituição, a decisão do CNJ permitiu que os casais gays pudessem ter os mesmos direitos dos heterossexuais. Segundo a central de dados dos cartórios de notas de todo o Brasil, de janeiro a maio de 2018, foram oficializadas 735 escrituras declaratórias de união estável homoafetiva no País.
O profissional de marketing Luiz Marinho é parte dessa estatística. Ele se casou em junho de 2018 com o noivo em festa para 200 convidados e entende que faz parte de uma realidade privilegiada. “Casar foi uma opção não apenas porque a gente se amava e queria compartilhar essa felicidade com o mundo, mas porque entendemos como ato político declarar o amor entre duas pessoas do mesmo sexo em um mundo que, muitas vezes, reprimi amor como o nosso”, pontua Marinho. “Se pago meu imposto como todo mundo, por que não poderia ter o direito de me casar? Nenhuma igreja é obrigada a aceitar casamento gay, mas o estado, sim. Se ele me cobra direitos, eu também posso exigir”, esclarece.
Uma importante vitória, especialmente da população trans, aconteceu em 2018. Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou com a necessidade de cirurgia de mudança de sexo e de autorização judicial para a retificação do registro civil. Isso, na prática, significa que o nome social, isso é, o nome pelo qual a pessoa deseja ser chamada, deve passar a ser aceito no registro civil dependendo apenas da vontade dela. Na época do julgamento, o princípio do respeito à dignidade humana foi o mais citado pelos ministros para decidir pela autorização.
Outra mudança significativa que tem contribuído para ampliar o respeito é uma mudança na forma da mídia retratar a população LGBT. Para Yuri Bianco, homossexual assumido, é perceptível que as produções estão mais sensíveis à temática. “Não é mais engraçado rir de piadas com gays ou qualquer tipo de minoria. Se antes o humor era em cima de algo caricato, hoje, o que é valorizado, é rir do preconceituoso”, explica Bianco, que cita como exemplo a extinção do programa Pânico e a reformulação do Zorra Total – hoje, só Zorra.
Outro exemplo dessa realidade foi visto recentemente na novela “A Força do Querer”, que abordou o processo de transexualização de forma explicativa. A personagem Ivana se descobriu um homem trans ao longo da novela. A narrativa teve aceitação de público e crítica e colocou no debate o assunto, que nunca havia sido tratado de forma elucidativa. A própria TV Globo já se mostrou mais resistente ao assunto. Em 2005, a direção boicotou, minutos antes de ir ao ar, a exibição do então primeiro beijo gay em novelas. Em 2013, porém, a histórica foi diferente, com a exibição do beijo entre dois homens em uma novela da emissora.
A transexual Leila Furquim percebe alguns avanços, mas ainda vê como distante um mundo em que essa questão seja indiferente.“As pessoas ligam a transexualidade à prostituição, à violência, mas isso só acontece pela oportunidades que não são nos dadas. Aí, o único caminho para ganhar dinheiro para muitas é ir para a rua”, explica Leila que relembra uma frase da colega Alicia Kruger: “Precisamos de mais mulheres trans em cima dos palcos e menos nos caixões”, finaliza.
O início do movimento
Dia 28 de junho é o dia escolhido para celebrar o orgulho LGBT devido à resistência. Na madrugada desse dia, no ano de 1969, homossexuais que frequentavam o bar StoneallInn, em Nova York, nos Estados Unidos, enfrentaram uma ação violenta da polícia americana contra a população LGBT. Na época, manter qualquer relação com pessoas do mesmo sexo era considerado crime. Milhares de gays e lésbicas se confinaram dentro do bar sendo apoiados por outros milhares de cidadãos americanos que se amontoaram ao lado de fora. O episódio ficou marcado na história e, um ano depois, foi realizada a primeira parada gay americana.
As comemorações ao redor do mundo têm como inspiração a Revolta de Stonoeall, sendo a de São Paulo a mais populosa do mundo. A última edição, no dia 3 de junho, reuniu mais de 2 milhões de pessoas e 18 trios elétricos, segundo a organização. Outros países que possuem comemoração semelhantes são França, Alemanha, Holanda, África do Sul, Canadá, Israel e Portugal.
Legislação em outros países
O Brasil ao mesmo tempo que comemora alguns avanços no tratamento aos homossexuais, anota casos de retrocesso. Porém, em outros países, a situação é ainda mais retrógrada. Casos de violência contra a população LGBT nem entram nas estatísticas da polícia. A Anistia Internacional aponta que em 38 países do continente africano a homossexualidade é crime previsto em lei, com várias tentativas do governo de enrijecer ainda mais a legislação. Em Uganda, por exemplo, os ativistas lutam contra a aprovação da “Lei Anti-homossexualidade”, que promove pena de morte para os casos de “homossexualidade agravada”. Leis parecidas estão em tramitação em países como Sudão do Sul, Nigéria, Libéria, Somália e Mauritânia.
Países de economia mais desenvolvidas também não ficam atrás quando o assunto são os direitos a LGBTs. Na Rússia, embora não seja crime ser gay, é proibido fazer o que o governo chama de “propaganda de orientação sexual”, o que, na prática, representa qualquer manifestação de apoio ou de carinho entre pessoas do mesmo sexo em locais públicos. Na Copa do Mundo, uma campanha online procura mostrar o orgulho de LGBTs. Hasthgas como #rainbowcup (copa do arco-íris), no twitter, e bandeiras com as cores do movimento, no Instagram, mostraram uma Copa mais aberta às diferenças formas de amor.
Atualmente, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é permito nos seguintes países: Holanda, Bélgica, Canadá, Espanha, África do Sul, Noruega, Suécia, Argentina, Islândia, Portugal, Dinamarca, Brasil, França, Nova Zelândia, Uruguai, Escócia, Inglaterra, Luxemburgo, País de Gales, Irlanda, Finlândia, Estado Unidos, Colômbia, Taiwan, Alemanha, Malta, Áustria e Austrália.