Produção de cinema paranaense ainda não se recuperou da pandemia

De frente para as dificuldades, produtores audiovisuais do Paraná acreditam que o mercado tende a aquecer nos próximos anos
Por Ivan Cintra e Luís S. Bocatios | Foto: Divulgação/Fundação Cultural de Curitiba – Cido Marques
A pandemia de COVID-19 impactou diversos setores, dentre eles, o da produção audiovisual. Dados fornecidos pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) revelam uma significativa redução na quantidade de produtos audiovisuais registrados no Estado do Paraná nos anos seguintes ao início da pandemia. A relação dos dados apontam um fator adicional que pode ter contribuído para essa redução: a falta de políticas públicas culturais e editais de fomento do governo federal desde 2019, ano em que Jair Bolsonaro assumiu a presidência. A recuperação do setor audiovisual paranaense depende de várias ações coordenadas, como políticas públicas de incentivo e subsídios que podem ajudar a revitalizar a produção local.
Entre 2018 e 2019, a média de registros de produtos audiovisuais, no sistema da Ancine, provenientes do Paraná foi de 77,5 por ano. O levantamento da agência inclui curtas, médias e longa metragens, séries e programas de TV. 2020 sofreu uma queda drástica, com apenas 50 produtos registrados. Em 2021, a produção permaneceu baixa, com 49 registros.
Ainda, os dados mostram que a recuperação ainda não ocorreu. Nos anos seguintes, o declínio de obras registradas acentuou, com 45 audiovisuais em 2022, e apenas 38 em 2023.
Como ilustrado, há uma clara tendência de queda na produção após o início da pandemia em 2020, com uma recuperação ainda não evidente até 2023. Confira os dados gerais do Brasil:
A tendência nacional reflete uma queda abrupta nos registros, mas já aponta possível recuperação. Vale mencionar que os efeitos são analisados em médio prazo, pois a diminuição da produção fílmica nos anos de 2020 e 2021 refletem na diminuição de registros na Ancine nos anos seguintes.
A redução na produção audiovisual pode ser atribuída a diversos fatores relacionados à pandemia. As medidas de distanciamento social e restrições de movimentação dificultaram as filmagens e produções em locais físicos. A crise econômica causada pela pandemia afetou os investimentos em projetos audiovisuais, com produtores enfrentando dificuldades financeiras para manter seus projetos ativos. Além disso, a necessidade de adaptação a novos protocolos de segurança e saúde adicionou desafios logísticos e financeiros às produções.
A média do número de produtos audiovisuais registrados no Paraná nos anos de 2018 e 2019 é 77,5. A redução na produção audiovisual no Paraná em relação à média dos anos anteriores foi a seguinte:
Ano | Redução Absoluta | Redução Percentual |
2020 | 27,5 produtos | 35,48% |
2021 | 28,5 produtos | 36,77% |
2022 | 32,5 produtos | 41,94% |
2023 | 39,5 produtos | 50,97% |
Dados: Ancine
Os dados revelam uma tendência preocupante de queda contínua na produção audiovisual no Paraná nos anos após o início da pandemia, sem sinal de reerguida. Produtores audiovisuais, no entanto, podem atribuir o agravo ao governo federal da época, por Jair Bolsonaro, que assumiu em 2019, ano em que a produção cinematográfica brasileira, como um todo, mingou.
“A pandemia teve grande impacto na produção de cinema brasileiro como um todo, não só a pandemia, como o governo Bolsonaro, que realmente paralisou tudo e quis destruir o cinema”, diz Antonio Gonçalves Jr., produtor audiovisual e fundador e diretor artístico do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. “Foram quatro anos de trevas, tudo parado, e isso impactou demais.”
O produtor crê na retomada, mas apenas com os fomentos adequados e valorização dos audiovisuais locais. “Está provado que temos muita coisa legal sendo feita, muita coisa boa de qualidade”. Como diretor artístico do Olhar de Cinema, um dos maiores festivais de cinema do Brasil, Gonçalves Jr., destaca a mostra Mirada Paranaense, que põe em evidência filmes recentes e locais. Neste ano, nove produções embarcaram na categoria.
PERSPECTIVAS ECONÔMICAS
O setor audiovisual do Paraná enfrenta uma trajetória de desafios e oportunidades. O potencial de crescimento é impulsionado pela resiliência dos profissionais locais, mas demanda por políticas públicas contínuas e mais eficazes.
Um dos maiores desafios para o futuro do cinema paranaense é a adequação das políticas públicas e dos editais de fomento. Bruno Costa, diretor de cinema paranaense, que lançou o filme “Mirador” (2022) durante a pandemia, aponta a desproporção entre os recursos disponibilizados e a demanda do mercado como um dos principais obstáculos ao crescimento sustentável do setor. “Os editais têm muitos problemas de redação, de dupla interpretação, etc., mas o principal problema é que os recursos destinados não acompanham a demanda do mercado. É bem desproporcional o valor disponibilizado nos editais em relação à quantidade de produtoras e profissionais em atividade no Paraná.”
A necessidade de um investimento contínuo e adequado é importante para garantir que o cinema paranaense possa competir em pé de igualdade com outras regiões e países. A falta de políticas de incentivo consistentes impede que os profissionais se dediquem exclusivamente ao cinema, dificultando a especialização e o aperfeiçoamento técnico.
Em âmbito nacional, dois programas emergenciais de fomento cultural foram publicados, a Lei Aldir Blanc e a Lei Paulo Gustavo, a última focalizada no setor audiovisual.
Primeiramente, a Lei Aldir Blanc (LAB) foi uma resposta ao impacto da pandemia de COVID-19 no setor cultural. Sancionada em junho de 2020 (Lei nº 14.017), ela determinou repasse de R$ 3 bilhões a estados, municípios e Distrito Federal. A lei emergencial teve prorrogação em 2021. Ao todo o Paraná recebeu R$ 160 milhões, dos quais R$ 85 milhões foram administrados pelo governo estadual e R$ 75 milhões foram destinados aos municípios. Dos 399 municípios do Paraná, 283 acessaram recursos da LAB, incluindo Curitiba e os municípios que apresentaram plano de ação. Isso representa 70,9% dos municípios paranaenses.
No entanto, os recursos da LAB foram voltados a quase todas as áreas culturais, não se limitando à produção audiovisual. Os recursos foram destinados a produtores do teatro, da música, do circo, da dança e destinados à revitalização de patrimônio. A Lei Aldir Blanc se tornou política nacional em 2022. Não mais emergencial, a Política Nacional Aldir Blanc vai disponibilizar R$ 160 milhões para o Estado do Paraná anualmente, até 2027.
Já a Lei Paulo Gustavo (LPG), com caráter emergencial, foi criada para garantir ações emergenciais voltadas para o setor cultural, duramente atingido pela pandemia da Covid-19. Dos R$ 3,8 bilhões aplicados pelo Governo Federal para viabilizar manifestações artísticas e culturais em todo o país pela Lei Paulo Gustavo, R$ 203,4 milhões foram investidos no Paraná. Desse montante, R$ 98,4 milhões são destinados a projetos executados pelo Estado e R$ 104,9 milhões irão para 395 municípios paranaenses, cerca de 99%.
No âmbito do poder estadual, o edital para seleção de projetos de produção audiovisual e de desenvolvimento de roteiros para obras audiovisuais é o maior da Lei Paulo Gustavo no Paraná, com um fomento de R$ 49.018.503,71 exclusivamente na área artístico-cultural do audiovisual. Isso equivale a aproximadamente 50% do montante total de R$ 98,4 milhões destinados a projetos fomentados pelo Estado.
Os valores de fomento, no entanto, são baixos tendo em vista os altos custos da produção fílmica no Brasil. O custo médio de produção cinematográfica atualmente gira em torno de R$ 9 milhões. Os editais de fomento ajudam, mas não suprem o grande volume de profissionais e produtoras do audiovisual.
Mesmo em cenário fragilizado, produtores enxergam o futuro com otimismo. “Precisa de mais investimento para que possamos crescer enquanto indústria. O mercado tem seus altos e baixos, mas parece que está fluindo”, diz Bruno Costa, que reforça a necessidade de mais investimento, mas tem olhar positivo para o futuro. “Temos centenas de desafios, mas me parece que é um momento promissor. Vejo várias produções sendo rodadas em Curitiba, curtas e longas de cineastas locais e também de produtoras de outros estados trazendo seus filmes para rodar aqui”, conclui o diretor.
O FUTURO EM CENA
A estudante Vivian Cardoso, veterana do curso de Cinema e Audiovisual da PUCPR, ressalta a necessidade de um equilíbrio entre a veia artística e a viabilidade comercial das produções. “Temos algumas produtoras que estão conseguindo fazer isso muito bem, mas principalmente para quem está entrando no mercado, é difícil pensar em como executar essa obra”, diz a estudante, que tem previsão de graduação para o final de 2024, junto com a primeira turma de Cinema da instituição.
Vivian expressa uma preocupação comum entre os novos profissionais do cinema paranaense: a insegurança quanto ao tempo necessário para começar a trabalhar com remuneração adequada. “Eu fico insegura porque é um processo que não sei quanto tempo vou demorar para começar a trabalhar de fato com cachê, porque tem muitos trabalhos que a gente faz sem receber”, afirma Vivian. Essa incerteza reflete a realidade de muitos cineastas emergentes, que enfrentam a dificuldade de encontrar oportunidades remuneradas em um mercado competitivo e ainda em recuperação dos impactos da pandemia.
Apesar dos desafios, a estudante enxerga um futuro promissor para o cinema paranaense, desde que haja um esforço coordenado para enfrentar as dificuldades atuais. A formação contínua, a visibilidade proporcionada por festivais e um sistema de fomento mais justo e eficiente são, para a estudante, elementos essenciais para a recuperação e crescimento do setor.
Vivian conclui com um otimismo cauteloso: “Eu acho que o processo acaba sendo mais lento, mas acredito que com a disposição e iniciativas tanto de novos talentos quanto de veteranos, o cinema paranaense pode se fortalecer e ganhar ainda mais destaque.”
Apesar dos desafios enfrentados nos últimos anos, há um sentimento de otimismo entre os profissionais do setor audiovisual no Paraná. Com a resiliência dos cineastas locais e o apoio das políticas públicas, há uma expectativa, mesmo que cautelosa, de que o cinema paranaense floresça nos próximos anos.