Será verdade que a compra de 11,2 milhões de unidades de Viagra pelo Ministério da Defesa comprometeu o orçamento do SUS destinado à aquisição de dipirona injetável?

Por Juliane Capparelli, Letícia Fortes e Maria Eduarda Souza
Em 13 de abril, um vídeo da influencer e comentarista política Ive Brussel, com 274,6 mil seguidores no Tik Tok, viralizou na rede. Na publicação com mais 154,8 mil visualizações, Ive denuncia a compra excessiva do medicamento Viagra por parte do Governo Federal e faz uma associação de que, enquanto sobram medicamentos para impotência sexual no Exército, falta dipirona injetável no Sistema Único de Saúde (SUS).
@ivebrussel E o Petê hein ? 🤡 #politica #ivebrussel #leftiktok ♬ som original – Ive Brussel
Será verdade que o gasto de R$33,5 milhões em Viagra realizado pelo Ministério da Saúde comprometeu os recursos públicos necessários para adquirir a dipirona injetável, um dos remédios mais utilizados nos hospitais brasileiros e que está em falta na rede pública de saúde?
Em abril deste ano, o deputado federal Elias Vaz, do Partido Socialista Brasileiro de Goiás (PSB-GO), solicitou ao Tribunal de Contas da União (TCU) a investigação de uma compra suspeita do medicamento Viagra, realizada pelas Forças Armadas do Brasil. A compra de citrato de sildenafila, nome do medicamento popularizado como Viagra, foi realizada pelo governo federal, que adquiriu 35 mil comprimidos para Marinha, Exército e Aeronáutica.
A suposta justificativa do presidente Jair Bolsonaro (PL) para a compra do medicamento foi a de que ele contribuiria para o tratamento de hipertensão arterial pulmonar e doenças reumatológicas dos soldados. Neste contexto, a influencer Ive Brussel rebateu a suposta explicação do presidente, afirmando que o Viagra é comumente utilizado para tratar casos de disfunção erétil.
A constatação feita por Ive está correta. Em entrevista para o portal de notícias Isto É Dinheiro, o médico da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) Marcelo Bandeira confirma que o Viagra só pode ser utilizado para o tratamento de hipertensão arterial pulmonar em dosagens menores do que as solicitadas pelo Ministério da Defesa para as Forças Armadas, as quais correspondem a 25mg e 50mg. “A dose preconizada de sildenafila para tratamento da hipertensão pulmonar é de 20 mg e a dose do Viagra é 25 mg”, afirma o cardiologista.
Em contraposição às compras em excesso de Viagra nas licitações do Ministério da Defesa, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) comunicou o Ministério da Saúde que 23 das 27 unidades federativas do país estariam desabastecidas do medicamento mais utilizado na rede de saúde, o dipirona injetável. Enviado ao Ministério da Saúde há mais de um mês, o relatório do Conasems já alertava sobre a atual situação de baixo estoque do remédio em diversos municípios e unidades hospitalares, mas apesar dos avisos formais e com a procura de várias entidades médicas, o Governo Federal não atendeu à demanda.
Além disso, a polêmica da compra excessiva e indevida de Viagra pelo Ministério da Defesa ressalta um problema ético no uso de recursos públicos do SUS. Desde o início do governo Jair Bolsonaro (PL), em 2019, o SUS direcionou R$ 350 milhões à saúde dos militares. Dois anos depois, em 2021, o gasto anual aumentou mais R$5 milhões, batendo outro recorde da série histórica (de 2013 a 2021) com R$ 355 milhões. Até o ano passado, o governo Bolsonaro dedicou uma média de R$ 325 milhões por ano para a saúde dos militares do Ministério da Defesa, segundo levantamento do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), ou seja, de 2013 a 2015, a média anual do uso de recursos do SUS pelos militares era de R$ 88 milhões. Já na gestão de Michel Temer (MDB), o valor saltou para uma média anual de R$ 245,5.
Apesar de Ive Brussel apresentar os dados corretamente ao basear-se em notícias de veículos confiáveis, como o G1 e Canaltech, a disseminação de fake news é muito recorrente não apenas no Tik Tok, mas também nas demais redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter. Para isso, é necessário confirmar as informações propagadas em vídeos e publicações antes de repassá-las, preferencialmente em mais de uma fonte de pesquisa e informação jornalística.