Professores do IPC comentam sobre a acessibilidade nos bairros

Com o início de novas obras no Jardim Botânico, os docentes reclamam que a situação dos bairros é diferente dos pontos turísticos e do Centro
Por Julia Moreira
Em março, a Prefeitura de Curitiba iniciou uma série de mudanças no Jardim Botânico que devem melhorar a acessibilidade do lugar. O pedagogo e administrador do Instituto Paranaense de Cegos (IPC), Enio Rodrigues da Rosa, comenta que os principais locais que devem ser acessíveis são as calçadas, mas é o que mais falta na cidade. O projeto ideal seria calçadas com piso plano e antiderrapante por todo o município. “Curitiba não é a cidade que foi vendida como [modelo de acessibilidade], não corresponde com a proposta… nos pontos turísticos e nos parques você encontra [reformas de acesso], mas você percebe que são obras de propaganda”, explica. Nos locais mais afastados, as condições de calçadas não são ideais e somente há rampas em áreas específicas, como próximo a agências bancárias.
“Com as intervenções propostas, é esperado que o maior número de pessoas com qualquer condição de locomoção, com ou sem deficiência, possam usufruir do Jardim Botânico de maneira mais autônoma e segura”, comenta Lívia Falcão, arquiteta idealizadora do projeto do Jardim Botânico. Segundo as informações do contrato com a construtora, o projeto deve custar cerca de R$ 3,1 milhões e durar seis meses. A reforma terminará com a implantação de uma rampa para acesso a copa, substituição de pisos táteis, novo mirante e reforma dos banheiros.
O professor de Braille e Soroban do Instituto Paranaense de Cegos, José Simão Stczaukoski também é uma pessoa com deficiência visual. Ele comenta que alguns bairros não são feitos para os cegos, dificultando a mobilidade dele e a dos alunos. “No Bairro Alto, praticamente todas as transversais também são preferenciais. Porém a maioria não tem semáforo e não tem calçada, que a Prefeitura diz que é responsabilidade do proprietário [fazer a obra] ”, afirma o professor.
Os dados do último censo no Paraná revelam que 21,4% dos paranaenses possuem alguma deficiência nos diferentes níveis de dificuldade. Porém, a deficiência visual é a mais comum entre os nativos, representando 16,6%. Em seguida, estão as deficiências motoras, com 6,76%, e a deficiência auditiva, com 4.94%, essa porcentagem impele que essa população deve ser capaz de se movimentar autonomamente por todo o território com as condições adequadas.
A arquiteta Loreley Motter Kikuti, da Secretaria do Meio Ambiente, comenta que a capital tem investido na região central, onde há o maior fluxo de pessoas, e justifica a situação nos demais lugares. “Sobre os bairros e locais mais residenciais, a calçada em frente ao lote é de responsabilidade do proprietário e deve atender a Lei Municipal 11.596, de 2005, que estabelece os padrões de calçadas e esquinas”. Também acrescenta que os espaços públicos, como parques e praças, quando há alguma intervenção ou reforma, já incluem demandas de acessibilidade.
Para o administrador do IPC, a maneira que o município lida com a questão das calçadas é errada. “A Lei Brasileira de Inclusão 13.143 (2015) prevê que o município execute a obra pelo proprietário, mas acaba sendo um empurra-empurra e ninguém assume a responsabilidade”, afirma.
Contudo, a arquiteta Loreley aponta que algumas regiões são mais difíceis de fazer mudanças devido a obstáculos ou a topografia. Mas, em concordância com os professores do Instituto, ainda garante que “uma cidade com acessibilidade não serve só para o cadeirante, ela serve para o cadeirante, para o idoso, para a mãe com o carrinho do bebê, para aquele que está provisoriamente com a mobilidade reduzida, então é uma cidade para todas as pessoas”.
Acessibilidade em ruas movimentadas
Implementado em 2018, as travessias sonoras exemplificam as novas tecnologias que podem ser usadas para auxiliar as pessoas com deficiência
O projeto de implantação de cruzamentos com avisos sonoros para facilitar a travessia de pessoas com deficiência visual já conta com 205 módulos em Curitiba, segundo informações concedidas pela Secretaria Estadual de Defesa Social e Trânsito (SETRAN). As travessias sonoras estão concentradas em áreas de tráfego intenso e de acordo com a solicitação dos pedestres.
Os cruzamentos com aviso sonoro são acionados quando a pessoa segura o botão de travessia por alguns segundos até o equipamento começar a vibrar. Ao acionar esse uso, o tempo de travessia aumenta automaticamente, assim como nos semáforos para idosos e pessoas com deficiência física. Além disso, esses pontos são marcados por uma faixa laranja, que possibilita que pessoas com baixa visão percebam a travessia.
Michel Veríssimo Pereira, professor de informática do IPC, comenta que, nos bairros mais afastados da região central, dificilmente se encontra a acessibilidade tecnológica. Nestas regiões, faltam pistas táteis, travessias sonoras, detectores ou qualquer forma de detecção de obstáculos.
Desse modo, as ruas e avenidas mais movimentadas, como a av. Sete de Setembro, av. Marechal Floriano, a rua XV de Novembro e a av. Visconde de Guarapuava, em frente ao Instituto dos Cegos, concentram a inovação. “Aquilo que temos em torno do IPC deveria ser o que temos na cidade toda, em todos os lugares”, afirma a professora Mariane Laurentino, que leciona orientação e mobilidade no IPC. As proximidades do Instituto possuem calçadas planas, travessias sonoras, pisos táteis e não há obstáculos acima da cintura.
Após a reabilitação, os educadores desejam que os instruídos sejam autônomos ao se locomover por Curitiba e, mesmo não tendo as mesmas condições próximas aos bairros onde moram. “Conseguindo ocupar estes espaços e entendendo seus direitos, é que ele [aluno reabilitado] vai desenvolver essa relação com a sociedade”, concordam.
IPC promove a independência de pessoas com deficiência visual pela educação
A instituição é responsável por ensinar legislação, direitos e deveres, sobre mercado de trabalho e apoiar escolas no desenvolvimento de quem os procura.
Fundado em 1939, o Instituto Paranaense de Cegos (IPC) foi pioneiro em garantir assistência social, saúde, alimentação e moradia para pessoas com deficiência visual. Atualmente, o espaço fornece ferramentas através de aulas e cursos para melhorar a qualidade de vida de seus alunos.
Para o professor de Braille e Soroban José Simão Stczaukoski, o IPC é um trampolim. “O Instituto é fundamental nesse apoio e nesse acolhimento quando as pessoas estão sem saída”. José também comenta que é o lugar onde o aluno vai recomeçar sua vida e perder o medo de sair na rua, tanto da locomoção quanto da interação.
Dentro das acomodações, os estudantes aprendem ferramentas tecnológicas para o cotidiano. Michel Veríssimo Pereira é professor de informática e responsável por ensinar sobre o uso de computadores e celulares. Michel comenta que recebe pessoas que já tem alguma experiência com a tecnologia, pessoas de meia idade que perderam a visão e tem a memória de datilografar e pessoas que nunca tiveram contato.
A partir do diagnóstico do aluno, o professor avalia e direciona o aprendizado. “Tem pessoas e pessoas, situações e situações. Algumas pessoas já trabalharam com tecnologia antes de perder a visão, então ela já vai ter um domínio maior, mas cada caso é um caso”, explica.
Contudo, os docentes do IPC ressaltam que não podem trabalhar sozinhos. “É preciso conhecer a realidade dessas pessoas”, acrescenta Michel. A professora de mobilidade e orientação Mariane Laurentino deseja que seus alunos vivam e vivam o máximo que a vida pode dar para eles. “Gostaria que lá fora uma sociedade que é mais inclusiva, menos acelerada, mais disponível a acolher o outro em todos os sentidos”, afirma.