Polícia brasileira mata mais pretos e pardos do que qualquer outra etnia

A letalidade policial entre os negros revela que o racismo estrutural é um dos mais graves problemas na segurança pública, a questão se agrava com a linguagem agressiva dos policiais.
Por: Bruna Pelegrini, Ivan Martins Cintra e Nicolas Kirilov de Oliveira | Foto: Diego Parra
Casos recentes de brutalidade policial e de massacre da população negra chamam a atenção em um país de grande diversidade racial, mas que, segundo o Atlas da Violência, o negro tem 2,7 vezes mais chances de ser morto do que o não negro. Abordagens policiais agressivas para pessoas pretas são um problema constante. Delegado da polícia civil do Paraná afirma que a tendência do policial militar errar neste sentido é muito maior; a Polícia Militar não comentou sobre o assunto.
Na primeira sexta-feira (4) de junho, o caso do vereador de Curitiba, Renato Freitas (PT), chamou a atenção novamente para a abordagem agressiva dos policiais. Após ser abordado por PMs enquanto jogava basquete em bairro nobre de cidade, o vereador foi detido. Em entrevista, Renato Freitas afirma que a polícia é racista desde sua origem, “a polícia é construída, instituída, pensada e formulada para conter a população negra no contexto pós-abolição da escravatura”. Segundo o vereador, Curitiba acredita ser a cidade modelo, branca e europeia; na sua opinião o racismo na cidade é silencioso, como se fosse natural.
De acordo com o Atlas da Violência, os negros (soma de pretos e pardos, segundo classificação do IBGE) representam 75,7% das vítimas de homicídios, em comparação, os não negros representam 13,9% das vítimas. Em um retrato da desigualdade racial, temos que na última década (entre 2008 e 2018) a taxa de homicídio para não negros diminuiu 12,9%, mas para os pretos e pardos houve um aumento de 11,5%.
No ano de 2020 o número de mortos por intervenções policiais cresceu em 19 estados, segundo o Monitor da Violência (parceria entre o G1, a USP e o FBSP). Majoritariamente, as vítimas da letalidade policial, são homens, jovens e negros. O levantamento mostra que, em dado mais recente, no primeiro semestre de 2020, 75,5% dos mortos em operações policiais foram negros.
Em caso recente no estado de Goiás, policiais militares abordaram agressivamente um ciclista negro na última sexta-feira (28) de maio. Tal ação foi considerada por Promotor de Justiça como “extrapolar o padrão da corporação”. O delegado Cláudio Marques, da Polícia Judiciária do Paraná, afirma que o policial civil é mais ciente das leis do que o policial militar. Segundo ele, a tendência de o PM errar no sentido do racismo é muito maior. A polícia militar não deu um parecer sobre o assunto.
“Dizem que a polícia é violenta, mas a sociedade também é violenta”, afirmou o delegado. Para o vereador Renato Freitas esta afirmação é absurda, “se a sociedade é violenta eles deviam ser o exemplo do contrário, se é daí que eles nivelam, está de ponta cabeça”.
Outro caso que chamou muita atenção ocorreu no Rio de Janeiro, onde a designer de interiores, Kathelen Romeu, morreu vítima de um tiro de fuzil no tórax; ela tinha 24 anos e estava grávida de 14 semanas. A mãe de Kathelen afirmou ao IML que foi um policial militar que matou sua filha, mas a PM nega. O ministério público já informou que abriu uma investigação para apurar o caso; agentes que participaram da ação no bairro do Lins afirmaram ter dado sete tiros de fuzil.
A morte de Kathelen evidencia a desigualdade racial no país. “Não é uma bala perdida, é uma bala que acha o corpo negro”, diz Sílvia Cerqueira, presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade da OAB. Para Cerqueira, o racismo está muito bem estruturado e articulado na sociedade brasileira; um caso como o de Kathelen raramente ocorreria em um bairro nobre de maioria branca.
“O estado é violento e machista, essa é a estrutura; na medida que se constrói nessas características, é evidente que elas se repercutem em suas instituições”. De acordo com Cerqueira, existem muitos policiais negros, mas nas altas cúpulas da polícia só se vê homens brancos, para ela é a estrutura do racismo, que é tão forte que chega a colocar os negros contra os negros. Segundo a advogada, que é a primeira e única mulher negra em posição de presidente de comissão na OAB, essa realidade pode mudar com a educação antirracista nas escolas e universidades e maior acesso de pessoas pretas no ensino superior.