O lado negro do Natal holandês

O personagem criado no início do século 19 vem incitando discussões no país sobre racismo e xenofobia.
Por Deborah Neri Neiva
Zwarte Piet (Black Piet, ou em tradução literal, Pedro Preto) foi introduzido nas tradições natalinas no ano de 1850 através de um livro de contos um professor holandês, e originalmente era retratado como o ajudante do Papai Noel. Tradicionalmente interpretado através da fantasia de face pintada com tinta preta, lábios exageradamente volumosos e vermelhos, peruca crespa e brincos de argolas douradas, o personagem se tornou tão popular quanto o próprio velho barbudo.
Com as altas taxas de imigração de países da África e América do Sul, Black Piet vem gerando vários conflitos por trazer a tona questões raciais. Protestos contra o personagem vêm ganhando força nos últimos 5 anos, e com isso debates sobre racismo institucional e xenofobia estão ganhando destaque nos noticiários holandeses.
Para Jeroen de Koning, estudante nascido e criado no sul da Holanda, a discussão vai além das questões racistas, pois expõe o lado xenofóbico da população holandesa. “Eu sei que a maior parte do desconforto dos holandeses não é nem com a problemática do Black Piet em si, mas com o fato de que são imigrantes que estão apontando esse fato”. Jeroen admite que visto por pessoas que não estão habituadas à tradição, o personagem é bastante problemático, porém, uma vez que ele não foi criado com a intenção de ofender ou subjugar os negros, a tradição não é racista.
O estudante Omer Alisaid concorda com a opinião sobre figura natalina. Apesar de ter pais nascidos da Somália e ser negro, Omer acredita que Black Piet é apenas um a tradição, e diz nunca ter sofrido nenhum tipo de preconceito relacionado ao personagem. “Eu não o vejo como algo racista. Ele é apenas um cara alegre que ajuda a distribuir os presentes para as crianças. Se ele fosse verde, azul ou roxo não faria a mínima diferença, as crianças não fazem a associação do Black Piet a um escravo”.
No entanto, a mesma opinião não é compartilhada por todos. Ativo desde 2013, o movimento “Zwarte Piet is racist” (Black Piet é racismo) busca dar fim a essa figura histórica. Para eles, o personagem reforça estereótipos e incentiva o bullying direcionado à crianças negras.
Devido aos recentes protestos, o governo Holandês vem procurando achar uma alternativa que agrade o maior número de pessoas possível. Uma das propostas apresentadas é a de “piet”s de todas as cores do arco-irís, para representar a diferença entre as pessoas. Outra sugestão é a do “Chimney Piet”, em que o ajudante do Papai Noel seria exatamente o que a população holandesa diz ser: um homem branco com o rosto sujo com as cinzas da chaminé.
Ambas as alternativas são bem vistas pelos movimentos anti-Black Piet, pois segundo eles, “enquanto a imagem do ajudante do Papai Noel não seja exótica e caricaturada, estará tudo bem para a gente”. No entanto, a maior dificuldade agora é fazer com que essas alternativas sejam aceitas pela população.
O estudante holandês Marcel van Beers explica que a dificuldade em modificar Black Piet é grande porque o personagem está atrelado à memórias de infância dos holandeses mais velho, logo, eles não querem associar essas memórias a algo negativo como racismo. “Meus pais são contra a mudança do Black Piet porque para eles é mais fácil negar o racismo do que aceitar que viveram boa parte da sua infância com uma caricatura de um escravo”. No entanto, para o estudante, tradições estão sempre sujeitas à mudanças através do tempo, e alterações como essa podem ser o sinal de evolução cultural.
Para a socióloga Tessa C.*, a Holanda está passando por um momento de transformação. “Ainda é possível perceber que há uma grande resistência em se desapegar do Black Piet principalmente entre os mais velhos e nas cidades do interior, mas é notável que a nova geração não tem problemas em aceitar adequações culturais”. Para Tessa, eventualmente a figura do Black Piet irá desaparecer ou ao menos se transformar em apenas “Piet”.
*O nome completo da entrevistada foi alterado por motivos de segurança. Por trabalhar na região Sul no país, onde o apego ao Black Piet é muito forte, Tessa teme represálias ao se posicionar contra à figura natalina.