Suicídio entre jovens: o problema velado que não para de crescer

por Paula Araujo
Suicídio entre jovens: o problema velado que não para de crescer

Tomados por dores, problemas psíquicos e falta de apoio, o número de adolescentes que colocam fim à própria vida nunca foi tão alto.

Por Thais Porsch e Paula Araújo

“Por muito tempo, lidar com meus transtornos foi uma tarefa muito árdua e desgastante”. Fernanda Pimenta tem 21 anos e há oito anos começou uma longa batalha contra transtornos mentais, desenvolvidos por uma junção de problemas pessoais e ambientais que culminaram em uma depressão e mania – distúrbio mental que desencadeia alterações bruscas de humor – na menina de apenas 13 anos que cursava a sétima série do Ensino Fundamental. Confusão e desespero. Sentimentos que dominam a vida de pessoas que lutam contra si mesmas.

A adolescência de Fernanda não foi normal, como ela mesma relembra. Sua mãe era chamada com frequência na escola para ouvir os professores chamarem sua filha de “aluna-problema”. A estudante comenta sobre o bullying constante que sofria por parte de seus colegas e a alienação dos professores e instituição de ensino perante o problema. Quando começou a ser acompanhada por psiquiatras, ainda com 13 anos, Fernanda começou a fazer uso de medicações alopáticas: antidepressivos, estabilizantes de humor, neurolépticos e ansiolíticos. Aos 15 anos, a estudante desenvolveu um problema de ordem hepática pelo uso excessivo das medicações, atualmente Fernanda não pode abusar do álcool e outros medicamentos como analgésicos e anti-inflamatórios.

Após anos de medicações intensas, a estudante conseguiu diminuir a dosagem de seus ansiolíticos, complementando com tratamentos fitoterápicos. Fernanda diz que sua família teve dificuldades de entender os transtornos pelos quais ela estava passando, já que, diferente das doenças físicas, as mentais não são visíveis. “Lembro-me de perguntas como: “mas se você está aqui agora, em pé, como não consegue levar a vida pra frente?”. Quando seus transtornos estavam no auge, a estudante diz que ganhou muito peso por conta das medicações que desaceleram o metabolismo, escutando comentários maldosos sobre seu peso. Com tristeza, Fernanda relembra que cada frase contribuía para que ela se sentisse cada vez pior, chegando ao ponto de ter que ser internada em uma clínica-dia ao pensar em tirar a própria vida.

Em 2013 a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o Plano de Ação em Saúde Mental, no qual o Brasil é signatário. A redução da taxa de mortalidade faz parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), os países que participam do projeto têm até 2030 para cumprir com as exigências. Em pesquisa realizada em 2017 pelo Ministério da Saúde, a média de pessoas que tiraram a própria vida foi de 11 mil por ano, sendo a quarta maior causa de morte entre os jovens de 15 a 29 anos.

A pesquisa realizada pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) mostra que entre os homens, o suicídio é a terceira maior causa de morte, sendo agressões e acidentes de transporte as primeiras. Entre as mulher, o cenário é diferente. A população feminina possui taxa de tentativa de suicídio maior do que os homens, sendo menos bem sucedidas. O suicídio é a oitava maior taxa de mortalidade entre as mulheres.

Dayse Miranda é coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção (GEPeSP) no Rio de Janeiro. O grupo visa produzir pesquisas aplicadas na prevenção do suicídio, envolvendo jovens e adolescentes, além de levar atividades à escolas e associações. “Feito o estudo, nós propomos às instituições envolvidas que pensem conosco ações, como cursos e multiplicadores de prevenção ao suicídio. Nas escolas, através de palestras e rodas de conversas com jovens, nosso trabalho é trazer o tema com responsabilidade”.

O Projeto Escola, nome da ação realizada pelo GEPsSP nos centros educacionais, está no início, mas visa atingir cada vez mais escolas e estimular uma “educação universalizada preventiva, sendo incluídas pessoas de risco (com mais tendências a cometerem o suicídio) ou não”.

A coordenadora afirma que para os professores são passadas ações já existentes e recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como por exemplo o Manual de Prevenção ao Suicídio. Ela ressalta a importância do papel de mestres e alunos em parceria para abordar o assunto. “O Projeto consiste em uma sensibilização do problema com professores, alunos e funcionários da escola, depois aplicamos a pesquisa, que vai nos trazer informações sobre como podemos orientar os professores com o trabalho de prevenção e educação emocional”.

Dayse afirma que as instituições em que já foi realizado o Projeto Escola gostariam de ter abordado o assunto antes, mas não sabiam se comunicar com os alunos. “Não é que as escolas não queiram falar, eles não sabiam como fazer”. A coordenadora explica que é através do debate e do conhecimento especializado que se faz o manejo do processo preventivo.

O projeto também trata de temas presentes na vida dos adolescentes, como o emocional, bullying e fracasso. A coordenadora comenta que principalmente em escolas de periferias o bullying é utilizado pelos alunos como um processo de tentar se defender, “ uma vez um aluno me disse que revidou o colega com bullying pois era uma ‘forma de sobreviver’”.

Para Dayse, o Projeto Escola tem tido uma grande procura devido à necessidade dos alunos em resolver seus problemas de uma forma não violenta. “Existe uma demanda muito grande de conhecimento. Eles querem ter habilidades emocionais e uma comunicação mais positiva”.

Escola pública e particular

Psicóloga escolar de um renomado colégio particular de Curitiba, Gabriela Laureano Costa, conta que dentro da instituição que trabalha “pode-se ter o suporte pedagógico, como rotina de estudos, e se ter o suporte psicológico”.  Visto a necessidade e importância, o colégio de Gabriela passou a ter um psicólogo para cada unidade. Na sede em que atende, ela conta que os casos mais recorrentes do atendimento são por transtorno de ansiedade generalizada e depressão. “Às vezes é aqui na escola que a gente identifica esses sintomas. Em casa, os pais podem não perceber ou os alunos não falam. Ou tem alguns casos de pais que acham que possa ser uma demanda de adolescente, que muitas vezes é chamada de “frescura””.  Todavia, a psicóloga explica que a demanda muitas vezes vem da própria família e/ou do próprio psicólogo clínico do aluno que pede uma atenção no meio acadêmico.

Gabriela declara que vê o número de alunos que buscam diretamente seu atendimento tem aumentado, “nesse último ano senti como a demanda cresceu por parte dos alunos. Tem uma exceção ainda, mas a psicologia escolar está crescendo”.

Diferentemente do pedagogo, o psicólogo escolar pode, além de fazer um acompanhamento, realizar encaminhamento para outros profissionais como psicanalistas e psiquiatras. Porém, para a psicóloga, é preciso entender cada caso separadamente e ver se realmente há necessidade de um acompanhamento mais contínuo. “É preciso entender que há uma questão de delimitação, talvez é conseguindo dar uma orientação, algo específico. Eu tenho que fazer esta avaliação para entender a família, o quanto a crianças ou adolescente tem o suporte, o quanto a escola sozinha consegue dar conta da dificuldade e, se for o caso de precisar de um acompanhamento, é encaminhado”.  

Em função de falta de verba, em colégios estaduais raramente são realizadas palestras ou conversas sobre o assunto. Janete do Rocio Santana Kutski é uma das pedagogas presentes no Colégio Estadual Ângelo Volpato, e ela conta que os profissionais procuram estar sempre atentos aos sinais de qualquer tipo de doença mental ou dificuldade que os alunos podem enfrentar. “Os professores passam mais tempo com alunos, e são orientados a comunicar à equipe pedagógica qualquer alteração no comportamento do aluno, assim como excesso de faltas”, explica Janete.

A pedagoga lamenta o fato de que muitos alunos não costumam procurar ajuda, dificultando o trabalho dos profissionais, já que eles precisam ficar atentos às atitudes dos estudantes, deixando claro que as portas da equipe pedagógica estão sempre abertas aos estudantes. Janete explica que a conversa é o primeiro passo para descobrir o que está influenciando comportamentos com: isolamento, agressão e até mesmo a automutilação. “Quando o relato é de caso grave procuramos a Unidade de Saúde e o Conselho Tutelar. Em outros casos convocamos a família e, normalmente, é feito um encaminhamento psicológico para estagiários de Universidades”.

A falta de apoio no meio acadêmico

A estudante Natalia Ribas conta que sofre de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) desde criança e que, conforme os anos foram passando, seus transtornos ficaram piores. Natalia relembra que sua mãe não sabia como lidar com a situação da filha, tentando levar tudo para o lado positivo. Ao iniciar a vida acadêmica, os transtornos de Natalia começaram a piorar, os pensamentos suicidas se tornaram impossíveis para que a estudante lidasse sozinha, recorrendo à acompanhamento psicológico.

Natalia relembra as dificuldades pelas quais passou quando ingressou na faculdade, professores exigiam demais de seus alunos, agravando ou sendo o estopim para transtornos mentais dos adolescentes. A estudante afirma que não se sentiu amparada pelo corpo docente de sua faculdade: “as instituições deveriam se atentar mais, pois muitas vezes as pessoas estão precisando da nossa ajuda debaixo do nosso nariz e a gente nem percebe”.

A estudante conta que sua faculdade possui uma clínica de psicologia para ajudar seus alunos, porém há uma demanda enorme, assim como filas de espera gigantescas. “Muitas pessoas não podem buscar outro serviço a não ser aquele, então eu acredito que deveriam ter mais convênios acessíveis para as pessoas buscarem ajuda”.

Mesmo havendo campanhas e serviços para ajudar pessoas que estão passando por problemas, Natalia lamenta o fato de que tais serviços são divulgados apenas durante o mês de setembro, afirmando que campanhas de prevenção ao suicídio deveriam ser divulgadas sempre, não durante apenas um mês. “É difícil passar por isso, mas não é impossível. Por mais que as coisas ruins tentem nos cegar, nós precisamos tentar tirar a venda e seguir em frente, talvez não seja de primeira que você vá conseguir e pode demorar, mas você vai!”, comenta a estudante, relembrando que as pessoas não precisam enfrentar essa batalha sozinhos.

A psicanalista Bárbara Ferraz de Campos afirma que as instituições de ensino precisam colocar-se mais à disposição de seus alunos, escutar seus problemas e acolher mais os jovens. “Muitos adolescentes estão longe da família ou em uma condição familiar mais fragilizada, eles precisam saber e sentir que, embora sejam a autoridade no local, seus professores estão dispostos a ajudá-los”. Bárbara explica que o estresse é um quadro médico, podendo evoluir para ansiedade ou outros transtornos.

Ao ingressar em uma faculdade, o jovem pode se encontrar em situações de cansaço extremo, se sentir deslocado, enfrentar grande pressão para não decepcionar a família ou simplesmente não poder admitir uma possível escolha errada de curso, de acordo com a psicanalista, todos esses fatores podem desencadear tendências ou pensamentos suicidas. Em momentos como esse, é essencial a intervenção da instituição, amparando o estudante.

Bárbara aponta os perigos de se procurar soluções para transtornos mentais na internet e nas redes sociais. “O ‘Dr. Google’ tem muita informação e pouco filtro, informação que na maioria das vezes não serve como apoio”. A psicanalista afirma que em algumas situações, a pessoa que já está perdida, acaba se perdendo mais nas redes sociais, lembrando que é quase impossível pedir para que não procurem por apoio na internet, mas pede para que essa procura seja consciente.

A psicanalista faz um pedido a quem quer que seja que está sofrendo de algum transtorno: “por favor, conversem! Seja com professores, médicos, amigos ou familiares, o diálogo é a melhor ferramenta de prevenção”. Bárbara afirma que nem todo suicídio pode ser evitado, e nem toda tristeza chega ao suicídio, mas é necessário um lugar e pessoas de confiança para buscar ajuda, confira:

Setembro Amarelo

O Setembro Amarelo é uma campanha que visa a conscientização sobre a prevenção do suicídio, por meio de divulgações em locais marcados pela cor amarela. Iniciado no Brasil em 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) a campanha teve suas primeiras realizações em Brasília. A Associação Internacional para Prevenção do Suicídio (IASP) estimula mundialmente a divulgação da causa, estipulando que 10 de setembro é quando se comemora o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio.

A cor amarela utilizada nas campanhas remete ao semáforo nas ruas. Quando o amarelo aparece, significa que se deve prestar atenção pois logo o semáforo ficará vermelho, assim como necessita-se prestar atenção às pessoas ao nosso redor. Mais informações sobre as campanhas realizadas no mês de setembro, basta acessar o site http://www.setembroamarelo.org.br/

Centro de Valorização da Vida (CVV)

Atuando no Brasil há 56 anos, o CVV trabalha com programas de prevenção ao suicídio, prezando a saúde mental da população. Voluntário do CVV há 2 anos e meio, Clovis Sary explica que o caminho para a prevenção é o diálogo: “conversado isso pode ser prevenido”.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a questão do suicídio, na maioria das vezes, está relacionada com doenças mentais, álcool, drogas e pode envolver stress e preocupações do dia a dia. Por isso, o CVV realiza, segundo Sary, um apoio emocional amplo. “ Se naquele momento a pessoa está sozinha, não tem ninguém para conversar e está vivendo um momento difícil, então ela pode ter uma oportunidade de conversar com alguém. Só o ato de conversar já acaba acalmando”.

O voluntário afirma que viu a procura aumentar exponencialmente no último ano, por diversos motivos, como por exemplo a grande repercussão da série ‘13 Reasons Why’ (Os 13 Porquês), que aborda temas como suicídio, assédio sexual e bullying. Outro motivo, de acordo com Sary, foi a ‘Baleia Azul’, um “jogo” que propunha como último desafio o suicídio.“Nós tivemos um aumento de procura cinco vezes maior por e-mail no Brasil, principalmente pelo público jovem”

Sary comenta que o número de ligações aumentou após o convênio realizado com o Ministério da Saúde em todo o país no ano de 2017, juntamente com divulgações municipais da causa. “Tivemos um aumento de 100% nas ligações. Recebíamos em torno de 1 milhão de ligações por ano, nesse último ano passamos a receber 2 milhões”. Agora o CVV possui um número único de atendimento, gratuito e nacional.

Voluntários no CVV, segundo Sary, precisam ser abertos a escutar os outros, serem acolhedores e, principalmente, livres de julgamento. “A gente prepara o voluntário para que ele não julgue a pessoa, ela quer e precisa ser escutada. Acreditamos que essa pessoa possa resolver seus problemas, contanto que se dê condições a ela”. De acordo com o próprio voluntário, qualquer pessoa, passando pelos treinamentos semanais, pode auxiliar o CVV. “Ter mais de 18 anos e querer ajudar já é o suficiente”. Ele também afirma que amparar pessoas em situação de vulnerabilidade é uma troca, ajuda o voluntário e a pessoa que busca um acolhimento.

 

Como conseguir ajuda

O CVV atende gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, por telefone, e-mail e chat 24 horas todos os dias. Para ligar basta discar 188 ou mandar um e-mail/mensagem de chat através do site www.cvv.org.br.

Em Curitiba também há atendimento presencial. A sede do CVV fica na Rua Carneiro Lobo, 35 – Água Verde e está aberta 24 horas todos os dias. Independente da forma de contato, o anonimato é sempre garantido.

 

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