Cães comunitários recebem ajuda da população para sobreviver

Ações filantrópicas promovem o cuidado de cães de rua nos terminais de ônibus em Curitiba
Por Aline Taveira e Maria Cecília Zarpelon
Os cães curitibanos que vivem em situação de rua têm contado com uma ajuda fundamental para a sobrevivência a partir do momento que algumas pessoas passaram a colocar a solidariedade em prática. Abrigando-se principalmente nos pontos e terminais de ônibus da cidade, os animais ganharam casinhas, camas, comida e água, além de cuidados médicos e até tratamento para doenças. Tudo isso através da ajuda de ONGs, cuidadores independentes e ações da Prefeitura.
Segundo o IBGE, 28,9 milhões de casas brasileiras possuem pelo menos um cachorro e 11,5 milhões um gato, sendo o 4º país com a maior população de animais domésticos do mundo. A Pesquisa Nacional da Saúde (PNS), que teve sua última publicação em 2013, mostrou que no Brasil, o número de cachorros de estimação equivale a 52,2 milhões, superando o número de crianças em 7,3 milhões. Entre os estados, o Paraná se encontra em primeiro lugar, com 60,1% das casas abrigando um animal. À medida em que o número de animais domésticos aumenta, cresce também a quantidade de abandonos, e consequentemente o número de animais nas ruas.
Diferentemente dos cachorros em situação de completo abandono, sem nenhum tutor ou responsável por eles, aqueles são chamados de cães comunitários ou semi-domiciliados. Segundo a chefe da Rede de Proteção Animal, Vivien Morikawa, de acordo com o último levantamento, foram identificados 78 cachorros distribuídos em 17 dos 23 terminais de ônibus de Curitiba.
No bairro Cajuru, o operador de ônibus do Terminal Vila Oficinas, Nelson Silvério Francisco, 62, afirma que os animais ficaram bem mais dóceis depois que o trabalho da Prefeitura começou no local, mas que ele não é muito frequente. Ele conta, porém, que não se envolve mais com os cães. “Isso só dá problema!”, ele comenta.
Esses cães estão sujeitos a conviver com a população que, entretanto, muitas vezes não aprova seu abrigo em locais públicos. O cobrador do tubo Cajuru, Sérgio Roberto Teixeira, de 60 anos, diz que escutou boatos sobre um morador que chutou um dos cães comunitários, deixando-o manco. “O problema deles é a perseguição, de resto são bem tranquilos”, afirma. Sérgio preocupa-se com a adaptação desses animais quando são adotados. “A maioria não se acostuma e volta a morar nos pontos e terminais de ônibus”.
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Curitiba abriga cerca de 450 mil cães, porém, a informação da quantidade de animais desabrigados ou semi-domiciliados vivendo nas ruas da cidade é desconhecida. Essa falta de informação afeta diretamente na criação de políticas públicas e na população. Aproximadamente 75% das doenças humanas infecciosas dos últimos 30 anos foram zoonoses, conforme um estudo feito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). A multiplicação do número de animais em situação de rua é preocupante quando se diz respeito à proliferação de doenças. Torna-se evidente a necessidade de um censo mais preciso, abrangendo apenas dados municipais, para que políticas públicas mais eficientes sejam implantadas.
A Prefeitura, desde julho deste ano, vem promovendo programas de cadastramento, castração e vacinação gratuitas para os cidadãos em contexto de vulnerabilidade. Segundo a Rede de Proteção Animal da Prefeitura, a castração, além de controlar a reprodução e diminuir o risco de contração de doenças, melhora a qualidade e aumenta o tempo de vida desses animais. Essas ações acarretariam na promoção de saúde, tanto dos animais quanto da população, e na prevenção de zoonoses.
O projeto de consultas e avaliações clínicas gratuitas acontece em parceria com os estudantes de Medicina Veterinária da UFPR, e proporciona vacinações e medicamentos básicos para os cães e gatos de rua e de famílias carentes. Desde seu início na regional Tatuquara, já foram atendidos 833 animais e feitas 1285 avaliações.
De acordo com a OMS, o país contém 30 milhões de animais sem um lar, e ao contrário dos bichos de estimação, estes não são mensurados precisamente.
De acordo com a chefe da Rede de Proteção Animal, Vivien Morikawa, a proposta de vacinação visa atender pelo menos 5 mil cães e gatos de áreas vulneráveis, e só a castração já atendeu mais de 20 mil animais nos primeiros 13 meses de programa, ultrapassando a meta de 15 mil animais em 12 meses. Além disso, mais de 1,4 mil protetores de animais atuam em parceria com o município, tornando as ações ainda mais efetivas. Ela afirma a importância do fato de que todas as atividades desenvolvidas envolvem a educação em saúde e sensibilização das pessoas quanto ao cuidado com os animais, com o objetivo de garantir a saúde destes – e consequentemente a saúde pública. A Rede possui hoje 113 mil animais cadastrados no sistema e a respeito do censo municipal, a presidente confirmou que há levantamentos em andamento.
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Além dos moradores dos bairros da cidade e de ações públicas isoladas, muitas instituições sem fins lucrativos lutam pela causa animal. A ONG Tomba Latas, por exemplo, é um grupo formado por mulheres que conta com a ajuda de doações da população. Para elas, houve uma diminuição no número de cachorros nas ruas, tendo em vista a maior conscientização pela castração desses animais, porém, há ainda uma superpopulação. “Além disso, cada vez mais as pessoas têm optado pela adoção e abraçado a causa”, contam.
Outro exemplo é associação Amigo Animal, que trabalha com resgate, recuperação, castração, abrigo e doação e abriga mais de 1000 cachorros, ajudando em torno de 20 animais todo mês. De acordo com um dos voluntários da ONG, Marcelo Misga, o número de recolhimentos e adoções aumentou, assim como o de cães em situação de rua. Para ele, existe uma necessidade de mudança; o número de castrações e clínicas conveniadas para atendimento a animais abandonados e de pessoas de baixa renda deve aumentar, bem como os eventos de adoção promovidos pela Prefeitura. “O problema é que a população ainda não foi educada para a castração”, declara.
O voluntário da Ajude Focinhos, Carlos Caetano da Costa, afirma, porém, que à medida em que o número de adoções diminui, o de devoluções cresce. Por isso, a ONG também proporciona auxílio e orientação a famílias em situação de vulnerabilidade visando o bem-estar dos animais. “A situação deles só vai melhorar com políticas públicas em conjunto com a educação para a população”, afirma.
Para a presidente da Sociedade Protetora dos Animais, Soraya Simon, é responsabilidade de todos castrar seu animal e cuidar dele até o fim da vida. “Pelo menos uma vez por dia entra um animal por nossas portas”, diz ela. Voluntária desde 2001, Simon afirma que quando entrou na ONG, havia mais de 1000 animais e que hoje eles abrigam em torno de 300. Mesmo com um número menor, não há espaço para todos. As adoções acontecem em menor escala do que a entrada de animais e são muitos aguardando o acolhimento. Para ela, a castração está mais difundida, mas a oferta e divulgação devem ser maiores, assim como a educação para famílias, para que elas próprias castrem seus animais e não os abandonem.
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Os cães da vizinhança
O trabalho com os habitantes caninos dos terminais de ônibus também se estende pela região metropolitana da capital. Nos terminais do Maracanã e do Guaraituba, em Colombo, por exemplo, os cães recebem ração, água, casinhas e caminhas e, quando possível, são encaminhados para castração e adoção. Apesar de todo o esforço, porém, a situação dos animais ainda está longe de ser adequada.
A administradora de empresas e cuidadora dos cães comunitários, Adriane Eloy, conta que a permanência dos cães nos terminais deve ser controlada de maneira a não se prolongar muito, uma vez que, com o passar do tempo, eles ficam desanimados, entediados e passam a ser vítimas de tratamentos hostis da população. Casos de envenenamento, atropelamento e abandono dos animais nos locais são registrados com frequência, segundo ela. “As pessoas não entendem que os cachorros não estão ali por opção. São vítimas do abandono e da falta de políticas públicas”, afirma a cuidadora. Para ela, existe uma diferença no tratamento dos cães que vivem nos terminais curitibanos em relação aos que vivem na região metropolitana: “Aqui em Colombo a população é mais preconceituosa e a maioria ainda não concorda com a permanência dos cães nos terminais. A realidade da região metropolitana é muito triste, é diferente de andar na capital”. Ex-moradora de Curitiba, Adriane conta que os animais que vivem nos terminais da capital são até mais quietos e encontram caminhas em quase todos os terminais.
Essa distinção no tratamento reflete diretamente nas ações públicas destinadas aos cães. Segundo Eloy, são designados lugares cada vez mais distantes dos locais de circulação dos terminais, além da despreocupação em relação às casinhas e caminhas. Apesar disso, um programa de castração gratuita promovido pela Secretaria do Meio Ambiente está começando na cidade. Ainda em fase de cadastramento e com um orçamento significativamente reduzido em relação aos programas implantados em Curitiba, – 100 mil reais aos colombenses contra cerca de dois milhões de reais dos curitibanos – Adriane considera o projeto um passo importante para a melhora da vida dos cães de rua em questão, que, segundo ela, precisam ser adotados o quanto antes, considerando a vulnerabilidade da situação na qual se encontram.
Adriana atua na causa desde 2015 e destaca não apenas os benefícios obtidos pelos animais, mas também a evolução do olhar da sociedade para a causa. Para ela, a importância do projeto para a população consiste na conscientização para a posse responsável dos animais, que envolve oferecer boas condições de vida ao animal. “O que percebemos é que vamos despertando nas pessoas um olhar diferente para o animal”, afirma ela. “Elas passam a entender melhor a relevância do cuidado e ficam contentes, agradecem e parabenizam o trabalho que deveria ser do poder público”.
“É um trabalho que esperamos que traga resultados efetivos a médio e à longo prazo. À curto prazo, fica-se até desanimado em ver tanto abandono e maus tratos”, diz Adriane. “Os cães não estão sozinhos, nós somos a voz deles”.
Como ajudar?
O projeto de consultas e avaliações clínicas gratuitas nos terminais, que atua em parceria com os estudantes de Medicina Veterinária da UFPR, já passou pelas regionais CIC e Matriz. A regional Portão é a próxima, e passa a receber o atendimento do dia 18 a 21 deste mês.
Confira a tabela de programação da rede
TABELA
Contato das ONGs
Tomba Latas
Contato pelo facebook ou pelo blog http://tombalatascuritiba.blogspot.com
Amigo Animal
Contato pelo e-mail [email protected] ou pelo site http://amigoanimal.org.br
Ajude Focinhos
Contato pelo facebook ou pelo número (41) 9982-4188
SPAC – Sociedade Protetora dos Animais
Contato pelo site http://spacuritiba.org.br ou pelos números 3357-7968; 3256-821
Contato da presidente da associação Soraya Simon – (41) 8802-5232