Julho azul conscientiza sobre o tráfico humano

por Equipe Festival de Teatro
Julho azul conscientiza sobre o tráfico humano

Mês de mobilização internacional busca alertar a população sobre este crime silencioso   

Por Fernanda Xavier e Flávia Mota

A semana do coração azul é um período dedicado à prática de atividades por toda a cidade, como forma de instrumento de conscientização da população a respeito do crime de tráfico de pessoas. Neste ano a semana contará com a novidade da realidade virtual e acontecerá entre os dias 30 de julho à quatro de agosto.

A advogada e coordenadora do núcleo de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Paraná (NETP), Silvia Cristina Xavier, conta um pouco sobre o processo de reconhecimento deste crime. “Foi realizado um estudo mundial a respeito do tráfico humano e começaram a reparar nas mulheres que eram exploradas sexualmente”.

Já em relação ao protocolo do tráfico de pessoas, Fernando explica, que surgiu por meio de uma reunião realizada com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), na cidade de Palermo na Itália. O documento é um instrumento internacional que tem como intuito tratar sobre o tema desde o ano 2000.

Ela explica, que vários países aderiram ao protocolo e o Brasil foi um deles, que hoje possui 13 estados que participam do enfrentamento ao tráfico de pessoas. Cada estado possui um núcleo voltado para a causa, montado em parceria com o Ministério da Justiça.

Silvia relata que o Brasil já está iniciando o 3º plano nacional de combate ao tráfico humano, no próximo dia 5 de julho. “Nós temos como metas, a prevenção, repressão e atendimento à vítima”.  Ela conta que este tipo de crime pode ocorrer em situações para fins de adoção ilegal, remoção de órgãos, exploração sexual, trabalho análogo escravo, servidão doméstica e casamento servil.

“O tráfico de pessoas é um crime velado, ou seja, ele é imperceptível. A maioria das vítimas não percebem que estão sendo traficadas, por exemplo, podemos citar uma menina que já está sendo explorada sexualmente em casa. Ela tem o pensamento de que em seu lar não ganhará nada, diferentemente do que se trabalhasse na rua”, diz a coordenadora.

Ela também ressalta que a prostituição, que é um dos meios que levam ao tráfico, no Brasil não é considerada um crime, mas que explorar alguém sexualmente é. “A maior dificuldade que nós temos é falar com autoridades e judiciários a respeito disto. Já existem crimes que estão configurados na lei faz tempo. Já o tráfico de pessoas por ser uma lei nova, não é enxergado da mesma forma”. Silvia conta que somente a partir do dia sete de outubro de 2016, que outros tipos de crimes de tráfico foram reconhecidos, além da exploração sexual, por meio do Art.149-A do código penal.

Já á respeito do tráfico de órgãos, ela conta que 5% dos transplantes são clandestinos, porém, diz que este número não é preciso já que a maioria das pessoas só vai contar que realizou o procedimento na terceira idade, quando sente a falta do órgão.

A advogada explica que muitas mulheres acabam trabalhando neste “ramo”, por causa dos maridos. “O cônjuge já praticava o crime, e é preso. A mulher não vai deixar seus filhos passando fome, além de ter que pagar a dívida do marido. Ela vai fazer tudo o que for preciso. Por isso muitas mulheres são presas hoje em dia, em um índice muito maior que os homens”.

Para a agente penitenciária da Política Estadual de Atenção Integral às Mulheres Privadas de Liberdade e Egressas do Sistema Penal do Estado do Paraná (Peame) , Renata Torres, diz que das prisões que acontecem em relação ao tráfico humano 30% a 40% são de homens. Já, de acordo com ela, para as mulheres este número alcança o índice de 80%.

Renata diz que, muitas vezes, elas servem como meio para transportar drogas e acabam sendo presas, até mesmo com seus filhos, ’’já dei voz de prisão para uma mãe com uma criança de três anos no colo’’.

A agente penitenciária diz que em relação às esposas de maridos que cometeram crimes, elas também acabam indo para a cadeia em troca do pagamento de dívidas, pois são coagidas pelos maridos. Sendo este um dos motivos que levou o aumento de 500% da presença das mulheres nas penitenciárias, de acordo com a pesquisa do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) realizada em 2014.

Já em relação às penas que podem ser aplicadas a este tipo de crime, Renata fala que variam de dois a dez anos de prisão. Sobre o aspecto de homens e mulheres, ela diz, que 90% das pessoas presas são mães e que ainda acabam sendo inferiorizadas, por pertencerem ao gênero feminino. ‘’Como se tivessem uma dupla acusação , diferentemente dos homens. Os advogados perguntam para elas porque não estavam cuidando dos seus filhos’’.

Além da questão penal citada por Renata, a coordenadora do núcleo NETP , Silvia Cristina Xavier, acrescenta explicando  que o tráfico de pessoas acontece de uma região para outra, por isso, o órgão que cuida dos casos é a Polícia Federal. Segundo a responsável do núcleo, o órgão policial é bem informado e capacitado para identificar este tipo de crime.

Mês azul

A campanha Coração Azul é uma mobilização realizada mundialmente com o intuito de alertar as pessoas sobre o crime do tráfico humano. Essa iniciativa é realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) , da Organização Internacional para Migrações (OIM) e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) .

A advogada e coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP), Silvia Cristina Xavier, explica que o nome da campanha foi criado como forma de representação das lágrimas que as pessoas enfrentaram durante o aliciamento.

No dia 30 de julho começa a campanha mundial do coração azul, que no Paraná é realizada pela Secretaria de Estado da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos (Seju). Neste ano, a novidade são os óculos de realidade virtual, que mostram os diferentes cenários, e situações de tráfico.

De acordo com a Silvia, durante o mês ocorrem ações nas ruas, aeroportos, universidades e até mesmo no interior do Estado, que buscam conscientizar a população sobre o tema. Além dessas mobilizações, os principais pontos turísticos da cidade são iluminados com a cor azul, em homenagem ao mês. As mobilizações, contudo, são feitas no decorrer do ano, como foi o caso da caminhada para Jesus.

Silvia também conta que saiu distribuindo panfletos a respeito do tráfico humano, juntamente com a equipe do Jovens com uma Missão (Jocum), que participam das mobilizações.

O trajeto percorrido foi da Catedral de Curitiba ao Centro Cívico. Durante o percurso foram ao todo, quatro denúncias. “Eu considero isso um número muito grande, já que era um evento religioso, no qual as pessoas estavam dançando e cantando para Jesus, e eu cheguei com um cartaz escrito: tráfico de pessoas, denuncie”.

Uma das denúncias chamou a atenção da coordenadora do NETP: “a mãe foi presa por narcotráfico (tráfico de drogas), além de ser usuária. Na prisão ela vendeu o passaporte, e a pessoa que comprou utilizou o mesmo para fazer tráfico de crianças e de órgãos. E ela estava presa respondendo também por isto, afinal, para a lei ela é a criminosa”.

Silvia destaca que crimes assim fazem parte do nosso cotidiano: “isso acontece muito perto de todos, mas não percebemos”. O tráfico de pessoas movimenta mais de 32 milhões de dólares por ano, e ele é tido como terceira atividade mais lucrativa do mundo. Porém, para aqueles que trabalham na área, como é o caso de Sílvia, o tráfico de pessoa é considerável o número um, já que eles roubam sonhos de pessoas.

Tráfico humano e sua história 

O historiado Geraldo Silva comenta, que o tráfico de pessoas já ocorreu entre os séculos XVI e XIX. Em que houve a transferência de africanos entre continentes, como na América Espanhola, Portuguesa e até em uma parte da Inglesa, que hoje corresponde ao sul dos Estados Unidos, em que eles eram usados como mão de obra escrava. Cenário que, segundo ele, também se repetiu no período de decadência do Império Romano.

O crime e suas marcas

A equipe do Comunicare foi acompanhar como ocorre o tráfico de pessoas com a entrevistada Maria*, que hoje, com 34 anos, conta a trajetória de como foi traficada.

O ocorrido aconteceu em 2007, Maria* na época não estudava, tinha acabado de ficar viúva e tinha uma filha de quatro anos para sustentar, então, foi em busca de um emprego aqui na capital. Por meio de uma conhecida, que comentou com ela que iria trabalhar como babá fora do país, descobriu a agência “X”. Segundo Maria*, a agência era muito bem organizada e estruturada em um bairro muito bem localizado de Curitiba.

Durante a entrevista de emprego, comentaram os diversos destinos os quais ela poderia ir. A função que exerceria no exterior era indefinida, visto que ao chegar lá, a agência que iria recepcioná-la escolheria a profissão que combinasse melhor com seu perfil.

O processo de regulamentação de documentos e passaporte ocorreu normalmente. Em relação ao contrato de emprego seria feito no exterior, e somente então, ela saberia quanto tempo poderia ficar trabalhando, e segundo eles, se ela gostasse poderia se estabelecer lá. Então, para efetuar o passaporte, foi até a Polícia Federal, acompanhada por um homem, e duas mulheres que estavam no processo também: “tudo ocorreu bem e ninguém desconfiou de nada”. O dinheiro utilizado para documentos, passagens e qualquer outro gasto eram pagos pela agência, que afirmava descontar somente depois, no primeiro salário.

Chegou o dia, Maria* embarcou de Curitiba fez uma parada em São Paulo, depois para Madri, de lá para Barcelona, e então para Santiago de Compostela. A viagem toda, ela foi acompanhada por mais uma candidata, e ao chegar foram recepcionadas. A candidata foi embora com um casal, e Maria* permaneceu com uma mulher que a recebeu. Foi aí então que seu destino mudou, sua bagagem havia sido extraviada, e como não havia o que fazer, ela foi embora. A senhora que havia feito a recepção recolheu seus documentos e afirmou que sua bagagem chegaria em alguns dias.

Já era fim de tarde quando chegou em uma mansão. A mulher que havia recepcionado no aeroporto, levou Maria* até os fundos da casa em um alojamento. Ao entrar, ela viu muitas garotas, mas foi acomodada em um quarto separado.

Então, após mais ou menos uma hora, todas se arrumaram e se dirigiram ao casarão. Nessa hora, a traficada conta que começou a entender o que estava de fato acontecendo. Uma outra aliciadora surgiu para explicar para Maria* o trabalho, e então ela conta que teve certeza da situação: havia sido traficada com fins de exploração sexual.

Em seu período dentro da casa, conversou com as demais meninas. Algumas eram do Brasil e de outros países, mas, muitas estavam ali também devido ao esquema de tráfico.

Maria* conseguiu procrastinar seu trabalho durante quatro dias, com a desculpa de que estava sem roupa e que as de suas colegas não serviam. As aliciadoras estavam deixando a situação de lado, mas sempre lembrando que ela tinha uma dívida a pagar. Enfim, resolveram devolver o passaporte e documentos para que Maria* pudesse buscar sua mala no aeroporto e para que tivesse roupas para realizar seu trabalho. Ela foi para o aeroporto acompanhada apenas pelo motorista, e assim, aproveitou a situação e fugiu.

Até que conseguisse voltar para casa no Brasil, esperou dentro de uma sala, ainda com medo que alguém do esquema aparecesse, já que no país, passaram tranquilamente pela polícia: “achei que podiam ter contatos lá também”.

Ela relatou a história para os policiais locais, que mal deram ouvidos para a situação, e não foram atrás para investigar. Então, após um dia, conseguiu voltar para o Brasil.

Hoje, após ter denunciado, Maria* conta que na época sentiu vergonha, mas que sua família ficou sabendo de tudo e a apoiou na denúncia. “A gente procura um sonho, em busca de uma vida melhor. É necessário checar antes, procure saber se é verdadeiro. Faltou isso para mim”, diz Maria* aconselhando.

Sobre o que passou, ela diz que teve medo de morrer, medo de tudo que podia acontecer: “por muito tempo você fica com medo. Eu tive a sorte que muitas não têm”.

Em relação ao que mais a marcou, ela afirma ser o cheiro do lugar e a maneira como as garotas que ali trabalhavam reagiam a situação: “uma mistura de cigarro e bebida, além de ver as diversas garotas ali presentes jogando o dinheiro que havia ganhado para cima, como se fosse troféu”.

Maria* diz que somente os mais próximos sabem do ocorrido, e que precisou fazer um acompanhamento psicológico.

A entrevista foi feita pela jornalista Gisele Camargo da Secretaria de Estado da Justiça,Trabalho e Direitos Humanos (Seju) e acompanhada pela equipe do Comunicare. Maria* é um nome fictício para não revelar a identidade da personagem. A entrevista narrada logo acima é baseada em acontecimentos reais.

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